155 anos da batalha do Riachuelo, o episódio mais brutal da Guerra do Paraguai 

No combate naval ocorrido no Rio Paraná, com navios, canhões e fuzis, os paraguaios tentaram encurralar os brasileiros, mas tiveram milhares de baixas

Leandro Narloch
A Batalha de Riachuelo
A Batalha de Riachuelo – Wikimedia Commons

Em 11 de junho de 1865, aconteceu a maior batalha naval da América do Sul. Foi num domingo ensolarado, no rio Paraná. Em jogo estava o poder sobre o rio, o acesso do Paraguai ao mar. Sem trânsito livre, o país ficaria isolado do mundo. Dezessete navios paraguaios e brasileiros, com canhões e homens armados de fuzis, se posicionaram para o combate. Foi uma luta de quatro horas, que encheu o rio de fumaça, sangue, barulho de canhões, tiros e gritos.

Os primeiros navios que debandaram foram os paraguaios. A saída fluvial para o mundo estava perdida. Após o embate no rio, havia tanta fumaça vinda dos canhões e da chaminé dos barcos que mal se viam os navios em guerra.

Cortando o nevoeiro negro, duas fragatas brasileiras, atingidas pelos canhões paraguaios, rumaram para os bancos de areia na tentativa desesperada de encalhar para não afundar.

Outro barco teve o leme despedaçado e abrigou uma luta de espadas, baionetas e fuzis que deixariam mais de 200 mortos. Por toda aquela curva do rio Paraná, em frente à foz do riacho de Riachuelo, ainda ouviam-se explosões, berros e sobretudo o zumbido dos quase 6 mil fuzis em ação.

A Batalha de Ricahuelo fora planejada pelos paraguaios como um ataque de surpresa. Mas o plano tinha muitos problemas. Para destruir a esquadra brasileira, ancorada perto de Corrientes, o líder paraguaio Solano López juntou oito vapores da esquadra paraguaia – entre eles o navio brasileiro Marquês de Olinda, tomado pelo inimigo meses antes – deveriam se aproximar dos brasileiros antes do amanhecer, com os motores desligados, pegando o inimigo de surpresa.

Navio Marquê de Olinda, roubada do Brasil pelo Paraguai / Crédito: Reprodução

Os paraguaios contavam com 2,8 mil homens e 36 canhões a bordo, além das poderosas chatas (pequenos barcos carregando um canhão, cada um), 30 canhões e 3 mil soldados com fuzis escondidos no barranco da margem esquerda do rio Paraná.

A ideia era se aproximar dos navios brasileiros a ponto de os tripulantes invadirem os barcos sem danificá-los para depois fazer deles uma arma paraguaia.

Era uma estratégia criativa, mas que começou a dar errado desde o início. Os paraguaios cometeram erros básicos: esquecer de embarcar objetos essenciais, como cordas, ganchos e escadas. Mas o pior foi que um dos navios guaranis, o Iporá, teve problemas na hélice, e o ataque atrasou três horas.

Em vez de adiar a batalha para o dia seguinte, Solano López, num de seus muitos erros estratégicos, resolveu atacar assim mesmo, perdendo a escuridão e a vantagem da surpresa. Outro problema é que, seguindo a fama que o país teria séculos depois, os navios de guerra eram falsificados: tratava-se de navios comerciais adaptados, muito mais frágeis. Apesar disso, não foi uma batalha tão fácil para os brasileiros. Pelo contrário, foi dramática – e quase perdida em alguns momentos do combate.

Fragata Amazonas, da frota brasileira / Crédito: Wikimedia commons

 

Às 9 horas da manhã, num domingo de dia claro, os brasileiros avistaram as embarcações paraguaias se aproximando. Imediatamente, o navio Amazonas, que liderava a esquadra brasileira, levantou bandeiras sinalizadoras alertando inimigo à vista e despertar fogo das máquinas. Em 25 minutos, conseguiram chamar a tripulação que estava na margem, reunir a lenha, acender as fornalhas e tomar a ração de cachaça, tradicional antes das batalhas para dar coragem aos soldados.

Enquanto a população de Corrientes ia para a margem do rio assistir à batalha, a esquadra guarani passou a pouco mais de 1 km dos navios brasileiros e abriu fogo. “As duas esquadras pareciam enormes serpentes”, disse o almirante brasileiro Inácio da Fonseca. As duas armadas trocaram tiros.

Os barcos paraguaios Jejuy, Iporá e Marquês de Olinda foram atingidos, e a esquadra se refugiou um pouco mais abaixo do rio, na foz do Riachuelo. Atrás deles, estava toda a artilharia paraguaia em terra.

Às 10h50, os brasileiros conseguiram se mover e foram para cima dos paraguaios. O vapor Belmonte se adiantou. No Amazonas, logo atrás, o almirante Barroso, comandante brasileiro, percebeu que podia se tratar de uma armadilha e resolveu deter seu navio para bloquear uma possível fuga paraguaia rio acima. A esquadra brasileira, porém, ficou indecisa entre parar ou seguir rio abaixo. O resultado foi uma surra dada pela artilharia paraguaia.

O Belmonte foi duramente atingido pelos canhões instalados no barranco. Teve 22 rombos de um lado e 15 do outro, o que fez a água entrar violentamente no porão. Para não afundar, foi até um banco de areia e encalhou. O mesmo aconteceu com o Jequitinhonha, que continuou sendo atingido pela artilharia mesmo encalhado. Em seu socorro, a canhoeira Parnaíba se aproximou, mas teve o leme despedaçado pela artilharia inimiga. Ficou imóvel, indefesa frente a três navios paraguaios. Uma luta violenta, corpo a corpo, aconteceu no convés.

“Os paraguaios saltaram furiosos, com machados enormes, que cortavam um cabelo no ar e arrebentando as redes de abordagem”, escreveu anos depois o capitão italiano Antonio Valentino, que atuava como prático do Parnaíba. “A água do rio parecia ferver por causa das balas de canhão e fuzil de todos os tamanhos que caíam nela fazendo um zumbido aterrador.” Um dos soldados paraguaios tentou retirar a bandeira imperial do Parnaíba, mas foi morto por um brasileiro, também atingido fatalmente por um paraguaio.

Os outros seis barcos brasileiros conseguiram completar a passagem pelas tropas inimigas com menos danos. Foi quando o almirante Barroso, ou seu prático, o argentino Bernardo Guastavino, teve a idéia de usar como arma não os canhões, mas a saliência de aço de seu navio, que destruiria os barcos de madeira paraguaios.

O Amazonas era o maior e mais potente navio, com 188 pés e 462 tripulantes. Enquanto as artilharias trocavam tiros, ele se aproximou dos barcos que cercavam o Parnaíba e os atingiu com o casco.

O estrondo foi enorme, e os barcos racharam com a batida. O capitão Meza, comandante da frota paraguaia, caiu morto com um tiro de fuzil. Assustados com o contra-ataque, os outros navios paraguaios subiram o rio em debandada. A esquadra brasileira tinha conseguido controlar a ação paraguaia e reter quatro navios inimigos.

Esquema gráfico do Vapor Pirabebé, do Paraguai / Crédito: Reprodução

 

Apesar dos quatro navios apreendidos e mais de 2 mil mortos, a derrota em Riachuelo chegou aos ouvidos de Solano López muito mais abrandada. Impulsivo e ditador, ele provocava terror entre os subordinados, que evitavam contar as más notícias.

Solano ouviu deles que, “apesar de terem perdido quatro navios, os soldados se portaram como heróis”. A derrota também era censurada nos jornais de Assunção, e a população, proibida de chorar a perda de filhos em público. Pior: todos eram convocados para ir a festas e bailes para manter o otimismo do país.

Atos heróicos, muitas vezes inúteis, foram bem comuns em guerras do século 19. Isso também aconteceu na Guerra do Paraguai e na Batalha do Riachuelo. Um exemplo foi a morte do tenente Ezequiel Robles, que assumiu o comando paraguaio depois da morte de Meza.

Atingido por um mastro que caiu, Robles teve um braço seriamente ferido. Depois, foi levado a bordo do Amazonas, onde recebeu auxílio médico e teve o braço amputado. Em vez de esperar o ferimento cicatrizar, ele arrancou os curativos, dizendo que preferia morrer a ser preso pelos brasileiros. Um dia depois, morreu mesmo.

Com a Batalha de Riachuelo, o momento de ataque paraguaio tinha terminado. Também ficou sem mercadorias básicas, como roupas, papel e tinta para escrever. Restava ao Paraguai somente a defesa.

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