90 Anos de Fernanda Montenegro – O sobrevoo da atriz acima dos déspotas e imbecis

Fernanda Montenegro sempre nos fez sentir melhores e maiores, graças ao seu tamanho incomensurável. Quem dera os Deuses e Orixás nos dessem a possibilidade de, de alguma maneira, devolver isso a ela nesses seus 90 anos tão iluminados

Foto: Divulgação

Sempre achei esse negócio de grande ator uma coisa meio subjetiva. O grande músico fica na cara, todo mundo percebe como toca bem. O bailarino então, nem se fala. Não tem como enrolar. Um pintor muito técnico também não escapa aos olhos nem dos incautos. Já o grande ator é mais difícil. Existem aqueles que são bons. Outros, muito mais ou menos. Já, alguns outros, são indiscutíveis. Entre esses poucos, sem a menor sombra de dúvidas, está Fernanda Montenegro.

Com ela a gente percebe o que é uma grande interpretação. Naquele momento em que atira seus olhos para a direção da tela ou da plateia e, sem dizer palavra, muitas vezes apenas com um suspiro ou um leve franzir de cenho, nos revela o mundo.

Está lá, por exemplo, no trailer que a Globo repetiu várias vezes nesta semana da reapresentação do lindo filme “Central do Brasil”, de Walter Salles. Na cena em particular – e na verdade em várias outras – em que ela olha para o nada da janela do ônibus e esboça um meio sorriso ou uma meia lágrima. Assim como Chaplin e tão poucos outros no planeta, ela nos traduz sem palavras o que é um grande ator. Inexplicável e ponto.

Fernanda é daqueles poucos artistas que nos deu tanto que é praticamente impossível decifrá-la nesses seus 90 anos de vida e quase 70 de carreira.

Foto: Divulgação TV Record

Enfileirar os prêmios que ganhou ao longo desse tempo torna-se um tanto irônico diante do Oscar perdido para Gwyneth Paltrow por seu papel em Shakespeare Apaixonado. Azar para os gringos e para o Oscar. Não só a Dora, de “Central do Brasil”, como toda a carreira de Fernanda, valem mais para a nossa tão combalida alma brasileira do que qualquer Oscar. Mas que ela merecia, ah, isso lá bem que merecia.

Tudo bem. Não teve o Oscar, mas teve –puxa o banquinho que a lista é longa – a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, “pelo reconhecimento ao destacado trabalho nas artes cênicas brasileiras”, entregue pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso; cinco vezes o Prêmio Molière; três vezes o Prêmio Governador do Estado de São Paulo; o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1998 pela interpretação de “Dora”, no mesmo Central do Brasil; indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz em filme dramático; vários prêmios da crítica americana no mesmo ano.

Foto: Sílvio Pozzato/Divulgação

Em 2013, foi eleita a 15ª celebridade mais influente do Brasil pela revista Forbes. De quebra, declamou durante a Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, o poema “A flor e a náusea”, de Carlos Drummond de Andrade. Nosso poeta maior e a nossa grande atriz.

Não há glória que defina o valor e o significado de Fernanda Montenegro para a cultura brasileira. Ela nos ensinou, e nos ensina diariamente, que há algo de tão grande, tão imenso em nós que, por mais que berrem os déspotas, por mais que se arroguem os imbecis, nunca, nada nem ninguém, vai nos arrancar.

Fernanda Montenegro sempre nos fez sentir melhores e maiores, graças ao seu tamanho incomensurável. Quem dera os Deuses e Orixás nos dessem a possibilidade de, de alguma maneira, devolver isso a ela nesses seus 90 anos tão iluminados.

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