A doença neurológica que fez jovem obcecada por viagens ficar presa a uma cama

Foto de Hailey sorrindoHailey foi diagnosticada aos 17 anos depois que os sintomas a forçaram a abandonar escola

Em um curto espaço de meses, durante o último ano do ensino médio, o mundo de Hailey Dickson virou de cabeça para baixo.

A adolescente, que era primeira aluna da turma, teve de abandonar a escola no Arizona, nos EUA.

Para uma menina que decorava as paredes do quarto com páginas de revistas de viagens, e sonhava em se tornar médica, o agravamento do seu estado de saúde foi devastador.

“Perdi a noção do que me fazia ser ‘eu mesma'”, diz Hailey.

“Deixei de ser forte e independente para depender totalmente dos meus pais para tarefas diárias – minha mãe largou o emprego para me ajudar em tempo integral.”

Tudo começou como uma virose normal no outono de 2013, mas os sintomas não desapareceram.

“Vomitei todos os dias durante algumas semanas”, conta a jovem.

“Até que começaram os sintomas neurológicos.”

Tremores constantes

Em intervalos de poucos minutos, Hailey sentia o que parecia ser um arrepio intenso na espinha. Dentro de uma ou duas semanas, os intervalos foram reduzidos a poucos segundos.

“Logo depois, comecei a tremer constantemente – principalmente na cabeça e no pescoço, como se estivesse balançando a cabeça, dizendo ‘não’ o tempo todo.”

Hailey usando um aparelho para monitorar convulsões
Hailey usando um aparelho para monitorar convulsões
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Ela se lembra do dia em que tentou ir à escola, lutando contra os tremores para conseguir ficar parada na cadeira na sala de aula.

“Era como se pudesse sentir todo mundo olhando para mim, por causa desses movimentos incontroláveis. Fui embora correndo de lá e chorei.”

“Havia a questão física, mas também havia o desafio mental de ser uma adolescente e não querer que ninguém me visse assim.”

O impacto emocional fez com que Hailey se sentisse isolada dos colegas e amigos – e os sintomas físicos continuaram piorando.

“Comecei a ter espasmos no diafragma que me faziam engasgar e ter soluços constantemente… Em março, passei a gaguejar pois tinha perdido o controle dos músculos da fala”, relembra.

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Os espasmos deixavam a jovem desorientada, causando uma intensa dor muscular na cabeça e no pescoço.

Pediatras especializados em distúrbios do movimento são difíceis de encontrar, e os médicos que ela consultou não conseguiam descobrir o que estava acontecendo.

Alguns, diz ela, chegaram até a sugerir que seus sintomas podiam ser psicossomáticos.

“Por ser adolescente, alguns médicos foram rápidos em me descrever como potencial paciente psiquiátrica ou dizer até mesmo que estava tentando chamar atenção.”

Hailey e algumas crianças com quem ela trabalhou no NepalOs sintomas de Hailey começaram logo depois que ela visitou o Nepal em um programa para aspirantes a médicos

Como último recurso, sua mãe decidiu cruzar 2.500 km para consultar um especialista na Clínica Mayo, no Estado de Minnesota.

O primeiro exame que eles fizeram, medindo impulsos elétricos no corpo de Hailey, determinou imediatamente que os movimentos eram involuntários. Em seguida, uma ressonância magnética revelou a causa.

A descoberta do diagnóstico

Hailey tinha malformação de Chiari – condição anatômica em que o formato do crânio força a parte inferior do cerebelo (porção do cérebro que controla o equilíbrio) para baixo até o canal por onde passa a medula espinhal.

A condição pode se manifestar de várias formas. A que Hailey tinha só se desenvolve durante a adolescência, quando o crânio e o cérebro ainda estão crescendo. Os tipos 2 e 3 são congênitos.

Hailey comendo comida indianaHailey descreve o tempo em que passou sem diagnóstico como ‘a pior fase’ da sua vida

Dorothy Pope, diretora da Fundação Chiari e Siringomielia, afirma que cerca de três milhões de pessoas nos EUA apresentam a condição.

Os sintomas, a gravidade e os tratamentos variam de acordo com cada caso – alguns pacientes podem achar que é debilitante, enquanto outros podem nem perceber que têm a condição.

“Cada vez mais casos estão sendo diagnosticados porque a ressonância magnética é mais acessível hoje”, diz ela à BBC.

Imediatamente, um neurologista receitou um medicamento bastante comum a Hailey para ajudar a aliviar os sintomas.

A melhora foi gradual, mas dentro de dois meses tinha resolvido a questão dos tremores, que deixaram de ser visíveis.

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O que é a malformação de Chiari?

– A condição ocorre quando parte do crânio é anormalmente pequena ou deformada, pressionando o cérebro e forçando-o para baixo;

– Os tipos 1 e 2 são os mais comuns;

– Os sintomas diferem, mas no tipo 1 incluem dores de cabeça forte, problemas de movimento, dor no pescoço, tontura e fraqueza muscular;

– É considerada rara, mas seu diagnóstico está avançando com as tecnologias de imagem;

– Em casos mais graves, pode ser recomendada cirurgia de descompressão.

Fonte: Clínica Mayo

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“Foi tragicômico saber que uma situação tão complexa, tão difícil de diagnosticar, poderia ser tratada o tempo todo com algo tão simples”, diz ela.

Esperança perdida

Quando os sintomas diminuíram, Hailey voltou a focar nos estudos e se matriculou na Universidade do Arizona. Mas a transição não foi fácil. Além das aulas que tinha perdido, ela se sentia isolada socialmente dos colegas.

“Foi muito difícil fazer a transição de pessoa ‘doente’ para uma garota normal novamente”, diz.

“Enquanto todos os meus amigos tinham passado o último ano se candidatado a universidades e planejando seu futuro, eu havia perdido todas as esperanças em relação aos meus sonhos e não estava preparada para nada.”

Hailey com a mãeHailey diz que sua família, apesar das preocupações, tem apoiado seus sonhos

Ela se sentiu isolada durante o primeiro semestre de volta à sala de aula e teve dificuldade de levar adiante os planos de fazer medicina. Inquieta diante da recém-descoberta liberdade, ela decidiu se candidatar a uma bolsa para estudar hindi na Índia.

E, apesar de todos os contratempos, Hailey conseguiu a bolsa. A família ficou apreensiva com o ambicioso plano de viagem, mas acabou apoiando sua decisão.

“Todo mundo achava que eu era louca de viajar para o exterior depois de tudo o que aconteceu, mas eu precisava ser honesta comigo mesma e não permitir que minha condição mudasse quem eu sempre fui.”

Aquela primeira viagem se tornou um catalisador para o amor de Hailey pelo país. Ela decidiu estudar saúde global e continuou aprendendo a língua – voltando a passar um ano fora em 2016.

Depois de se formar, a jovem recebeu uma bolsa da Fulbright para realizar uma pesquisa em Mumbai.

Aos 22 anos, ela mora na Índia e trabalha para a organização Yuvaa, voltada para a saúde mental de jovens.

Hailey filmando para a organização Yuuva (à direita) em uma das sessões de palestra do grupo na ÍndiaHailey filmando para a organização Yuuva (à direita) em uma das sessões de palestra do grupo na Índia

O grupo, que é patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU), viaja pelo país fazendo workshops – e Hailey está filmando um documentário sobre o trabalho deles.

Bem diferente da situação em que ela estava alguns anos atrás, quando não conseguia sequer segurar uma câmera.

“Eu não me tornei médica”, diz Hailey. “Mas me tornei uma pessoa que ouve jovens, especialmente garotas, e leva eles a sério.”

“Por meio do documentário, quero dar voz às preocupações deles em uma plataforma a partir da qual as pessoas, talvez até mesmo médicos e formuladores de políticas públicas, possam aprender sobre suas dificuldades e reconhecê-las.”

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