A emocionante saga de um sobrevivente do genocídio armênio no Brasil, através de diários 

Victória Gearini
Artin Sarkis Arakelian, sobrevivente armênio
Artin Sarkis Arakelian, sobrevivente armênio – Divulgação / Editora 1915

No fatídico dia 24 de abril de 1915, o mundo presenciou uma desenfreada matança, que mais tarde, ficou conhecida como Genocídio Armênio. Segundo dados coletados pelo Patriarcado Armênio, em anos de genocídio, mais de 1,4 milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas pelo governo otomano.

De 1895 a 1922, diferentes regiões da Turquia enfrentaram perseguições e homicídios em massa. No entanto, durante — e até mesmo após — a Primeira Guerra Mundial os índices de violência contra armênios se intensificaram de maneira exponencial.

A brutalidade 

Em 1908, o nacionalismo radical defendido pelos Jovens Turcos, tomou o poder do então Império Otomano, que englobava a Turquia, Armênia, e partes do Líbano, Síria, Iraque e Palestina.

À frente do governo estava Mehmed Talaat Pasha, o ministro do Interior, que ordenou a prisão e a execução de 250 intelectuais e líderes armênios, iniciando o que mais tarde ficaria conhecido como o Holocausto Armênio.

“Diferentemente do Holocausto Judeu, os turcos foram mais estratégicos no sentido de manter o sigilo e discrição dos planos de extermínio. Eles foram mais inteligentes que os nazistas, pois foram dissimulados nas informações dos fatos, e invertem o polo das histórias até os dias de hoje, através de ataques na internet, haters e rede de fake news”, explicaram Marcelo Arakelian e Roberto Abdallah, autores da obra Uma História Real do Genocídio Armênio: Os diários do meu avô.

Restos mortais das vítimas / Crédito: Wikimedia Commons

 

Em um primeiro momento, idosos, mulheres e crianças supostamente tinham o direito de serem transportados, no entanto, há relatos que diversos barcos foram afundados durante a travessia marítima. Já nas aldeias remotas — onde o número de testemunhas era menor — mulheres eram estupradas e crianças eram crucificadas pelo exército otomano.

Mais tarde, as comunidades armênias que surgiram ao redor do mundo, foram consequências da diáspora deste povo, que para sobreviver, buscou refúgio.

“O negacionismo é a principal razão pela qual o Genocídio Armênio é pouco divulgado. A posição estratégica da Turquia na geografia mundial, exerce pressão sobre as nações mundiais para que não toquem nessa ‘ferida’, consequentemente muitos países não reconhecem esse fato histórico”, complementaram os escritores.

Diários de um sobrevivente

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Uma História Real do Genocídio Armênio: Os diários do meu avô, de Marcelo Arakelian e Roberto Abdallah (2020) / Crédito: Divulgação / Editora 1915

Diante das barbáries cometidas pelo governo otomano, vítimas armênias traçaram uma longa e árdua jornada em busca de sobrevivência. Uma dessas pessoas é Artin Sarkis Arakelian. Sua emocionante história foi contada na obra Uma História Real do Genocídio Armênio: Os diários do meu avô, escrita pelos seus netos Marcelo Arakelian e Roberto Abdallah.

Ainda jovem, o rapaz perdeu o seu pai, Sarkis Arakelian, que foi brutalmente assassinado por dois soldados turcos, em 1917. Pouco tempo depois, um irmão, uma irmã, três tios e vários outros parentes distantes também foram mortos durante o genocídio.

A partir disso, todos os dias Artin travou uma verdadeira batalha para sobreviver. Do Sol Nascente ao Sol Poente, o jovem de 15 anos enfrentou uma longa e perigosa jornada atravessando a Europa e o Oriente Médio, rumo ao Brasil. Entretanto, o mais difícil foi enfrentar a escuridão e o silêncio da noite. Para o rapaz, esta foi a pior e mais assustadora parte da travessia.

Ao chegar no porto de Santos, Artin partiu em direção à São Paulo, onde a adaptação foi rápida, porém difícil. Logo se acostumou com o idioma. Como os armênios têm a tradição de serem ótimos negociantes, estabeleceu-se em uma área comercial da capital, onde sustentou uma base econômica para as próximas gerações.

No Novo Mundo, o refugiado casou-se e teve filhos, mas o fardo de sobreviver ao dia a dia de um genocídio o marcou até seus últimos anos de vida, como aponta Marcelo Arakelian e Roberto Abdallah.

O legado 

Ao longo de sua vida, Artin dedicou-se a escrever um diário. Através das páginas, relatou todos os horrores que presenciou durante a Primeira Guerra Mundial. O sobrevivente contou, ainda, seus sentimentos mais profundos sobre os anos que precederam o Holocausto Armênio.

Os escritos originais foram entregues por Sarkis Arakelian, pai de Marcelo. “Entre umas e outras conversas ele me chamou de canto e entregou os caderninhos originais, abri na primeira página, li e fiquei em choque com as primeiras frases”, disse Roberto Abdallah.

Sobreviventes do Genocídio Armênio / Crédito: Getty Images

 

Segundo os autores, o avô faleceu quando ainda eram crianças, mas isso não foi um empecilho para que uma forte relação fosse estabelecida de alguma maneira mais tarde. “Através dos anos de transcrição, tradução e adaptação dos materiais dos diários, podemos estabelecer uma profunda conexão com ele”, revelou Roberto e Marcelo.

Durante três anos, os primos mapearam todas as regiões citadas no diário, e pesquisaram minuciosamente os fatos relatados na obra. Neste período, os autores passaram a se reunir todas as quartas-feiras e ao longo de 6 a 7 horas de trabalho, acendiam incensos e escutavam músicas armênias para ajudá-los no processo de criação do livro.

“Foi um processo bastante chocante e emocionante ao mesmo tempo, tratando de um tema pesado e da nossa essência, só de imaginar que estamos aqui hoje por conta do nosso avô e sua resistência”, disse Roberto.

Atualmente, os autores estão otimistas quanto ao possível lançamento de um filme sobre o tema. “Com a conclusão do livro, boa aceitação dos leitores e da mídia, iniciamos conversas com algumas plataformas de streaming para a produção de um documentário que se passa nos locais das histórias contadas na obra”, anunciaram os promissores autores.

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