A lição do Ceará para ajudar Pernambuco a melhorar alfabetização

Doze anos atrás, governo do Estado do Ceará resolveu ajudar municípios no processo de alfabetização das crianças. Governo de Pernambuco lançou agora programa para fazer o mesmo

Alfabetização é responsabilidade das redes municipais de ensino / Foto: Guga Matos / Acervo JC Imagem

Alfabetização é responsabilidade das redes municipais de ensino
Foto: Guga Matos / Acervo JC Imagem

Margarida Azevedo

Em uma década, o Ceará mais que dobrou o percentual de alunos alfabetizados ao final do 2º ano do ensino fundamental. Eram 39,9% em 2007. Passou para 89,6% em 2018. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), aferido pelo Ministério da Educação (MEC), também cresceu nos anos iniciais do fundamental para as escolas da rede pública. Saiu de 3,5 em 2007 para 6,1 em 2017. Enquanto lá atrás o governo cearense fortaleceu as ações na primeira etapa da educação básica, o governo pernambucano elegeu a última fase, o ensino médio, e também celebra avanços nos indicadores de qualidade. Agora, Pernambuco corre atrás para, como o Ceará, ajudar a melhorar o aprendizado das crianças que estão começando a alfabetização.

O governador Paulo Câmara lançou, na última terça-feira, o Programa Criança Alfabetizada. Embora constitucionalmente sua obrigação seja com o ensino médio – 98% das matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º) estão em escolas municipais de Pernambuco. Um dos desafios será engajar os prefeitos das 185 cidades do Estado para que coloquem a alfabetização na idade certa como prioridade.

No Ceará, que tem quase o mesmo número de municípios – são 184 – todos os chefes do Executivo integram o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). As estratégias para alcançar a melhoria dos indicadores incluem acompanhamento das unidades de ensino, formação de professores, material didático e premiação das escolas. Semelhante aos eixos do Programa Criança Alfabetizada.

“A parceria com a Secretaria Estadual de Educação é muito importante. Nossa história era uma antes do Paic. Mudou completamente depois. Buscamos tornar o aprendizado dos alunos uma realidade”, diz o secretário municipal de Educação de Ereré, Jailson Oliveira. Ereré possui quase 7 mil habitantes e fica a 315 quilômetros da capital cearense, Fortaleza.

A rede de ensino tem 1.200 alunos, seis escolas e 84 docentes. Assim como no Estado, a cidade comemora avanços. O Ideb dos anos iniciais duplicou. Saiu de 3 em 2007 para 6,4 em 2017. “As matrículas estavam caindo e as reprovações aumentando. Nos últimos anos percebemos o contrário”, comemora Jailson. Além do apoio do Estado, o secretário afirma que a atenção aos professores fez diferença. “Há uma política de valorização, baseada na avaliação de desempenho do docente, feita a cada dois anos.”

RECURSOS

Atualmente, a principal fonte de investimentos das prefeituras na área educacional vem de recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que reúne uma cesta de impostos federais, estaduais e municipais e é repassado pela União. Desde 2008, o Ceará destina mais verba, via o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), para as prefeituras com melhores indicadores de educação. São 18%, o mesmo que Pernambuco fará a partir do próximo ano, também dentro do Programa Criança Alfabetizada. Um incremento que ajudará as cidades a não dependerem apenas do Fundeb.

“A vinculação dos resultados da educação no processo de repasse do ICMS faz uma grande diferença para municípios pequenos, como é o nosso caso, pois passamos a vislumbrar oportunidades de equiparação com grandes prefeituras. É uma competição saudável que contribui para a melhoria das cidades e, consequentemente, do Estado”, destaca a secretária de Educação de Saboeiro, Roserlange Brito. O município cearense tem cerca de 16 mil moradores.

Em Pernambuco, a expectativa é grande para início do programa. Até anteontem, 105 prefeitos haviam aderido à iniciativa (56%). A partir desta semana, equipes da Secretaria Estadual de Educação vão visitar as 16 Gerências Regionais de Educação (GREs) para explicar as ações com mais detalhes. Em julho haverá seleção dos formadores e em agosto, aplicação dos testes de leitura para alunos do 2º ano e distribuição dos materiais. Em setembro começam as formações com os professores.

“O apoio do Estado vai ser muito importante para que possamos melhorar a educação nos municípios. A possibilidade de receber mais recursos também”, diz o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) de Pernambuco e secretário de Educação de Belém de Maria, Natanael Silva.

ENTREVISTA

Veja a entrevista que a vice-governador do Ceará, Izolda Cela, concedeu ao JC antes do lançamento do Programa Criança Alfabetizada

JC – Qual foi o impacto da alteração da composição do ICMS cearense, que desde 2008 passou a destinar 18% de parte do imposto atrelado à educação?

IZOLDA CELA – Foi uma das importantes políticas de incentivo. É um componente, entre outros tantos, que dão vigor e força para o compromisso que foi lançado aos municípios cearenses de garantir o sucesso da alfabetização. Antes da mudança nas regras, os recursos eram distribuídos preponderantemente considerando a população, o que fazia com que Fortaleza e outras poucas cidades tivessem mais verba e a maioria ficasse com praticamente nada. Isso mudou radicalmente o gráfico de distribuição do ICMS. Os municípios começaram a perceber que se eles melhorassem na educação teriam mais dinheiro do tesouro estadual. É um incentivo que sozinho não tem tanta força de mudança, mas é um elemento que considero importante para movimentar as pessoas.

JC – O governo estadual tem que abraçar a causa da alfabetização com as prefeituras?

IZOLDA – O nosso Programa de Alfabetização na Idade Certa implementou um circuito muito vigoroso de formação em serviço, de acompanhamento, de colaboração entre a Secretaria Estadual de Educação e as secretarias municipais. Nós garantimos apoio aos municípios na melhoria do tempo pedagógico, na qualidade do ensino; professores dos 1º e 2º anos com formação em serviço. Foi fundamental o envolvimento dos líderes políticos, dos prefeitos. Porque não queremos pouca coisa. Não é simples. Buscamos ações que impactem a sala de aula, com resultado na aprendizagem.

JC – Pernambuco se inspirou em experiências do Ceará na alfabetização. Como a senhora avalia isso?

IZOLDA – Temos boas experiências que podem ser compartilhadas. Não são receitas nem se trata de transferências. Mas são boas referências que podem ser adaptadas a outras realidades. É bom saber que coisas funcionam bem, que podem transformar para melhor, especialmente uma área tão importante como a educação. Pernambuco também já foi pra nós referência e exemplo em algumas ações que implementamos no Ceará, por exemplo, no ensino médio e nas escolas de tempo integral. É muito bom, especialmente nós, Estados nordestinos, que a gente mostre que o esforço, a resiliência, a capacidade de superação de adversidades existem e podem gerar uma política pública de qualidade.

JC – Com a experiência de mais de uma década do programa cearense de alfabetização, onde mais acertaram e onde precisaria melhorar?

IZOLDA – Cooperação, articulação, definição de metas, elevação do nível de responsabilização por resultados, tudo isso é importante. Os desafios agora são a expansão do alcance dessas metas. Quando começamos, em 2007, o foco era garantir o sucesso da alfabetização. Depois, os resultados do 5º ano. E agora mais recente o 9º ano. A complexidade dessas etapas é maior e o grande desafio é impactar de forma mais rápida e mais vigorosa a aprendizagem das séries finais do fundamental.

NÚMEROS DO CEARÁ

* Em 2007 foi criado o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), cuja meta era garantir a alfabetização dos alunos matriculados no 2º ano do ensino fundamental

* A partir de 2011, para expandir essas ações ao 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental, foi lançado o Programa Aprendizagem na Idade Certa (Paic +5)

* Em 2015 começa o Mais Paic – Programa Aprendizagem na Idade Certa, que ampliou o foco para alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental

Segundo o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Estado do Ceará (Spaece):

89,6% das crianças estavam alfabetizadas ao término do 2º ano do ensino fundamental em 2018. Em 2007, início da implantação do Paic, esse percentual era de 39,9%

3,5% dos estudantes encontravam-se no padrão não alfabetizado em 2018. Em 2007 era 47,4%

14 cidades, apenas, estavam no padrão desejável em alfabetização das crianças ao final do 2º ano do ensino fundamental, no início do Paic. Dez anos depois, esse número subiu para 182. Em 2018, manteve o resultado

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