Agressão não é coisa de novela: professora recebeu soco e mordida de alunos

Em "A Dona do Pedaço", a professora Silvia foi agredida por um aluno - Reprodução/TV Globo

Em “A Dona do Pedaço”, a professora Silvia foi agredida por um alunoImagem: Reprodução/TV Globo

Luiza Souto

A cena foi forte: no capítulo de sábado (10) da novela global “A Dona do Pedaço”, a professora de inglês Silvia (Lucy Ramos) levou um tapa na cara de um aluno após lhe dar nota baixa. No meio do pátio. Enviado para a coordenação do colégio, Merlin (Cadu Libonati) recebeu uma suspensão. Mas o que parece ser drama de novela das nove virou rotina na vida de muitas professoras. Andressa*, 46 anos e 26 de magistério, por exemplo, já foi atingida por um soco ao separar briga de alunos, levou mordida, teve o carro destruído, foi empurrada de uma escada e até ameaçada de morte. Ela, que prefere não se identificar, está afastada do trabalho por depressão.

“Não há segurança. Somos expostos diariamente a alunos agressivos, e não temos respaldo. Cansei. Falta pouco para me aposentar”, diz a professora que trabalha em uma escola pública da região metropolitana de São Paulo.

Um levantamento recente, feito em 2017 com 702 professores de 155 municípios da rede estadual de São Paulo, mostra que mais da metade (51%) diz que sofreu agressão verbal ou física naquele ano. A pesquisa foi feita pelo Instituto Locomotiva, sob encomenda do sindicato dos docentes paulistas (Apeoesp). A pedido de Universa, o Instituto fez um recorte das mulheres entrevistadas: das 532 professoras que responderam ao questionário, 52% sofreram violência nas escolas.

Mas as agressões não se restringem a São Paulo. Um estudo de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) coloca o Brasil em primeiro no ranking de violência escolar mundial: 12,5% dos docentes brasileiros relataram ser vítimas de ameaças, xingamentos ou agressões ao menos uma vez por semana. A média mundial da organização, que reúne 34 países, é de 3,4%.

“Ele falava que ia me matar”

Ainda em 1998, quando dava aulas para jovens e adultos numa escola da periferia de SP, Andressa teve os quatro pneus do carro furados por um aluno, usuário de drogas. No mesmo ano, arrancaram a parte elétrica, roubaram o toca-fitas e arranharam a lataria do automóvel.

“Esse mesmo aluno que furou os meus pneus me ameaçou com um pedaço de pau. Na frente do portão da escola, ele falava que ia me matar. Não me deixaram ligar para ninguém e nem sair da escola. Alguns estudantes conversaram com ele, que foi embora e ficou por isso mesmo.”

Segundo a professora, nada foi feito com o estudante porque ele era usuário de drogas e o bairro, muito perigoso.

Em outro colégio do estado, onde Andressa trabalhou entre 2000 e 2007, a docente teve novamente a lataria de seu carro riscado. Uma aluna puxou seu cabelo enquanto subia uma escada, tentando derrubá-la.

“Nessa escola também tinha um aluno drogado. Uma vez, ele entrou na sala e me mordeu. Eu quis fazer boletim de ocorrência, mas a direção do colégio me orientou a não levar a denúncia adiante, também por medo de retaliações”, diz.

Há seis anos, Andressa se mudou para uma cidade menor, no interior do estado, em busca de escolas mais seguras para trabalhar. Em vão. Encontrou alunos ainda mais indisciplinados. Devido às agressões verbais diárias, afirma estar sem condições de voltar para a sala de aula. Há quase um ano, adoeceu. Em função do desrespeito, teve síndrome do pânico e foi diagnosticada com depressão. Desde fevereiro, está afastada do trabalho.

“Sociedade vive clima de intolerância”

Ao ouvir os relatos de violência nas escolas, o secretário-executivo da secretaria estadual de Educação de São Paulo, Haroldo Corrêa Rocha, afirma: “Tudo isso tem como pano de fundo esse clima geral de intolerância que a sociedade vive”.

Ele incentiva que as professoras façam boletim de ocorrência e diz que a pasta está revisando todos os protocolos adotados nesta área, como a ronda escolar. Na avaliação do secretário, os cerca de 900 policiais deslocados para dar assistência específica às escolas do estado devem ser melhor orientados.

Sem comentar a pesquisa da Apeoesp, Rocha adianta que, até o fim do ano, será feito um levantamento inédito sobre o tema, em cada unidade de ensino do Estado, em parceria com a Unicamp e a Unesp. O objetivo, diz, é analisar o clima de cada comunidade escolar para que cada uma possa fazer seu próprio planejamento a partir dos resultados.

“Cada escola terá o seu diagnóstico. Vamos entender como melhorar o clima do local e mediar conflitos para que eles não cheguem às últimas consequências.”

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