Aluno agitado, Marcelo escapava da aula para jogar bola; lateral se apresenta à seleção nesta quarta

Marcelo é considerado, por muitos, o melhor lateral-esquerdo do mundo
Marcelo é considerado, por muitos, o melhor lateral-esquerdo do mundo Foto: Pedro Martins/ MoWa Press
Bruno Marinho e Igor Siqueira

A cena era comum. Marcelo Vieira da Silva Júnior respondia à chamada, depois pedia para ir ao banheiro e não voltava mais A rota de fuga sempre culminava na quadra. Bom exemplo como aluno ele nunca foi. E reconhece isso. Mas desde criança, quando estudava na Escola Municipal Arthur da Costa e Silva, em Botafogo, o menino cativava pela simpatia e já mostrava traços que personalidade que usaria, para o bem, em campo.

— Era bem levado, irrequieto. Era de brincar com os amigos, mexer com os alunos, mas era muito bem quisto por todos . Ele não parava. Mostra bem a característica dele de correr bastante. Desde aquela época é bem agitado. Matava muita aula — relata a professora Odete Salgado, que há 40 anos dá aulas de português e francês.

Esse mesmo aluno virou jogador profissional, conquistou a quarta Liga dos Campeões pelo Real Madrid e se apresenta nesta quarta-feira à seleção brasileira na preparação para a Copa da Rússia. Olhando para o tipo de lateral no qual ele se transformou, dá para dizer que Marcelo ficava na sala de aula tanto quanto guarda posição na linha defensiva.

— Quando dava para escapulir, ele escapulia — diz Odete.

Com o comportamento “fantasma” na sala, a tarefa de recordar momentos com Marcelo é mais difícil para outra professora: Maria Lúcia Rotti, também de língua portuguesa. Para ela, é mais fácil contar como era a relação com outro aluno famoso, duas décadas antes do laterla, que passaria a se chamar Roberta Close.

— A Roberta Close ficava na sala comigo no recreio, colocando minhas pulseiras, meus colares. Se o Marcelo ficava mais tempo jogando futebol do que lá em cima, como é que eu vou ter momento marcante com ele? Não tenho. Não tenho mesmo — diz a sincera Maria Lúcia.

Da parte que ficou na mente, há aspectos positivos.

— Ele era simpático. Não era brilhante na sala de aula. Graças a Deus venceu no futebol — completou.

Adolescente com vergonha do uniforme

Marcelo citou os tempos de escola em um dos capítulos da série de vídeos que publica em seu canal oficial no YouTube. Em um dos episódios, além de comprovar que não era um aluno exemplar, ainda contou que tinha vergonha de andar de uniforme. Já adolescente e no futsal do Fluminense, o grupo de amigos era de escola particular. Inclusive a futura esposa, Clarice Alves (o irmão dela, Caio, jogava com Marcelo).

— Quando eu andava com esses moleques, eles eram de colégio particular. E eu era de colégio público. Mas eu não gostava de andar com a camisa da escola. Colocava outra por cima. Só que, para entrar no ônibus, eu tinha que colocar o uniforme. Teve um dia em que coloquei a camisa e quem encontro dentro do ônibus? Clarice. Que vergonha. Ela me zoa até hoje: “Ficou sem graça quando me viu…” — disse Marcelo.

Na escola, o jogador tinha uma tática para garantir que o futebol não faltasse.

— Eu fazia muita besteira, não vou enganar. Eu levava a bola para o colégio, escondia é já combinava com os moleques para jogar no recreio. Levava camisa para trocar porque suava. Dava carrinho no cimento — relata ele.

Com o filho Enzo, de 8 anos, que trilha os mesmos caminhos no futebol, com a diferença de estar na base do Real Madrid, Marcelo diz que é mais exigente:

— Tem que estudar.

Professor incentivou busca por um clube

Se academicamente a escola acabou não servindo muito para o desinteressado Marcelo, o conselho de um professor de educação física ajudou a dar o incentivo para Pedro, o avô daquele menino bagunceiro, a considerar o futebol algo mais sério do que apenas um motivo para matar aula.

— Na época, Marcelo já chamava a atenção na aula de educação física. Um professor da época, o Tulio Marcos Sclebin, aconselhou o avô para que ele treinasse mesmo no time. Aí ele foi para o Fluminense e fez os testes — contou a professora Odete Salgado.

O lamento dela é que esse mesmo professor morreu na semana passada. Ele deve ter cultivado um certo orgulho do jogador que o aluno Marcelo se tornou.

Vale lembrar que Seu Pedro, o avô do jogador, sempre acompanhou e levou Marcelo aos treinos usando um fusca laranja. O lateral trata o já falecido avô como fundamental para a carreira.

— Ele fez tudo, saiu do trabalho, vendeu o carro, por um moleque. Foi sem saber se teria o retorno e sem querer o retorno — disse Marcelo, em um documentário.

Vizinhança com a marca do craque do Real Madrid

Marcelo não tinha família rica, mas morava em um prédio na Praia de Botafogo e até hoje costuma aparecer nas redondezas durante as férias. O local é famoso por ser reduto de uma torcida organizada do Botafogo.

Além de jogar bola na escola, Marcelo usou uma quadra, que fica a um quarteirão de distância da casa dele na época, para dar os primeiros passos no futebol. No muro em frente, há uma pintura do jogador do Real Madrid para marcar o território no qual ele cresceu. Atualmente, o movimento não é grande. A escola Arthur da Costa e Silva também não é longe dali.

Marcelo é descrito pela professora Odete como alguém que conseguia cultivar amizades. E isso vai além da sala de aula.

— Respondão e mal educado ele não era. Por isso, ele cativava as pessoas, professores e colegas. Era amigo das pessoas — disse a professora Odete, que emendou:

— Ele parece ser uma boa pessoa hoje em dia. Acho que aprendeu. Inclusive, eu gosto de futebol e assisto aos jogos.

Colega de profissão e escola, Maria Lúcia atribui a personalidade de Marcelo à faceta de artista que têm os jogadores de futebol.

— Geralmente, quem tem talento para esporte ou música não é muito de aulas. Eles são simpáticos e comunicativos. Ganham de graça — opinou.

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