Apenas 6% dos recursos para demarcação de terras indígenas foram utilizados

 

Gabriela Salcedo e Dyelle Menezes

 

Anualmente, grupos indígenas se manifestam a respeito da demora do governo federal em demarcar as suas terras. Apesar de fazerem barulho na Esplanada dos Ministérios, como aconteceu esta semana, somente 6% da verba para a iniciativa foi efetivamente paga até 9 de abril de 2015.

De acordo com o orçamento aprovado no Congresso Nacional, R$ 72,1 milhões estão autorizados para a ação “Fiscalização e Demarcação de Terras Indígenas, Localização e Proteção de Índios Isolados e de Recente Contato”. Porém, apenas R$ 4,1 milhões foram pagos.

imagem25144A rubrica também apresentou baixo ritmo de execução nos anos anteriores. Em 2014, R$ 55,6 milhões foram destinados para a ação, dos quais R$ 24,6 milhões foram desembolsados. No ano anterior, os pagamentos foram ainda piores: apenas R$ 16,8 milhões, dos R$ 87,8 milhões previstos, chegaram ao destino final.

Durante os quatro anos do primeiro governo Dilma Rousseff, apenas 40% dos recursos destinados à rubrica foram pagos. Ao todo, a iniciativa acumulou dotações de R$ 179,5 milhões entre 2011 e 2014, mas R$ 71,6 milhões foram desembolsados.

Esta semana foi marcada pela Mobilização Nacional Indígena, que reuniu mais de 1,5 mil indígenas de 200 etnias em Brasília. A plenária, que ocorreu entre os dias 13 e 16, pautou a crescente criminalização de lideranças indígenas e a paralisação dos processos de demarcação de terras.

“Não viemos aqui para brincar, viemos dizer que estamos vivos. Nós vamos defender nossos territórios nem que seja com nossas próprias vidas”, falou o representante da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), Lindomar Terena, na ocasião.

Na quarta-feira (15), os indígenas fecharam a Esplanada dos Ministérios e fizeram um ato em frente ao Palácio do Planalto para chamar atenção para os direitos indígenas atacados por projetos de lei, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. Se a proposta for aprovada, a competência de oficializar terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas será transferida do governo federal para o Congresso.

A PEC 215 não é a única proposta que pretende alterar direitos já adquiridos pela população indígena na Constituição federal de 1988 no que diz respeito a território. Também estão em trâmite no Congresso a PEC 237, que permitirá a concessão da terra indígena ao produtor rural, e o Projeto de Lei Complementar (PLC) 227, que visa caracterizar como de relevante interesse público da União a expropriação de terras indígenas, quilombolas e populações tradicionais para implantação de grandes empreendimentos, como Belo Monte.

Diante do possível quadro de insegurança jurídica, em que direitos já conquistados podem ser revogados por vontade dos parlamentares, a liderança Babau Tupinambá fez o apelo: “Não há terras tradicionais garantidas. O movimento indígena precisa seguir na rua, em aliança com outros grupos que sofrem os mesmos ataques: quilombolas, sem terras, comunidades tradicionais, sem teto”.

A despeito da vontade e interesse dos povos indígenas, tais propostas costumam ter a aprovação dos deputados e senadores que compõem a Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como bancada ruralistas. Os parlamentares argumentam que a Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza os processos demarcatórios de maneira arbitária e unilateral.

O autor da proposta da PEC 237, que não se reelegeu nas últimas eleições, o ex-deputado Nelson Padovani (PSC-PR), defendeu, à época de seu mandato, que a parceria entre os povos tradicionais e os agricultores com as concessões de terra pode resultar em benefícios para os dois lados. “Enquanto a Funai e as organizações não governamentais cuidam apenas de seus interesses políticos, a vida financeira dos índios se deteriora cada vez mais”, disse.

Já o autor do PLC 227 – sugerido pelo próprio ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, de acordo com a Conselho Indigenista Missionário (CIMI) -, o já falecido deputado Homero Pereira (PSD-MT) defendeu que os conflitos nos processos de demarcação são maléficos tanto para os latifundiários como para as comunidades indígenas: “Muitos conflitos rurais entre índios e não-índios poderiam ser evitados com a regulamentação”, diz trecho do relatório.

Ainda neste modelo, pelo qual a Funai tem a autonomia do processo de demarcação, posteriormente, oficializada pelo Ministério da Justiça, a maioria das terras ainda sequer estão perto de serem reconhecidas. De acordo com o CIMI, há 1.044 terras indígenas no Brasil, sendo que destas apenas 361 já estão registradas. Outras 154 estão “a identificar” e 399 foram classificadas como “sem providência”. Para a instituição, a morosidade das ações demarcatórias se deve a um “pacto” do governo federal com os ruralistas.

Violência contra povos indígenas

A falta de direitos fundamentais não se resume apenas a questão da terra. De acordo com o último relatório de violência contra os povos indígenas no Brasil, publicado pelo Conselho com dados de 2013, 53 indígenas foram assassinados. Desses, 33 eram da etnia Guarani-Kaiowá e Terena, que habitam a região do Mato Grosso do Sul.

“Este total de 349 casos de assassinatos no Mato Grosso do Sul, no período de 2003 a 2013, está inserido num universo populacional de 72 mil pessoas. No entanto, se levarmos em conta que a maioria destes homicídios ocorreu entre os Guarani-Kaiowá, com população aproximada de 40 mil pessoas, temos uma proporcionalidade assustadora”, analisa o relatório.

Além dos homicídios, foram registradas no ano 29 tentativas de assassinato, 16 delas no Mato Grosso do Sul. Os crimes variam no nível de crueldade, na maior parte das tentativas e assassinatos são usadas armas brancas ou torturas. Um indígena da etnia Terena, por exemplo, teve seu carro incendiado por quatro homens encapuzados, por conta à disputa fundiária na região. O ataque ocorreu quando a vítima se deslocava até a sua aldeia. Seu carro foi interceptado, os homens jogaram combustível nele e atearam fogo, mas a vítima conseguiu sair do veículo e se salvar.

Curiosamente, o maior número de homicídios culposos também se concentra no Mato Grosso do Sul. Dos dez casos registrados em 2013, que resultou na morte de 13 vítimas, nove casos envolveram atropelamentos, sendo que em sete os condutores fugiram sem prestar socorro. No estado em referência, ocorreram seis dos atropelamentos.

Apesar dos homens serem as maiores vítimas de assassinatos, as mulheres indígenas costumam sofrer de outra violência. No ano retrasado, há registro de 11 casos de estupro, com 9 vítimas. Só no Mato Grosso do Sul, foram cinco.

Em Guaíra, no estado do Paraná onde foram registrados três casos, uma indígena Avá- Guarani relatou que foi sequestrada por três homens e levada em um veículo. Durante o período em que esteve com os homens, ela foi ameaçada de ser violentada sexualmente pelos desconhecidos, que diziam que não admitiriam a presença de indígena naquela região.

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