Após Paulo Câmara cancelar peça de teatro com atriz transexual, MPPE ingressa com ação judicial por suposta discriminação

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O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) ingressou com ação civil pública na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Garanhuns, contra o Estado de Pernambuco e o Município de Garanhuns, por “prática de discriminação contra a população homoafetiva, especialmente a transexual, e da violação do seu dever de garantidores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

A informação é do site oficial do próprio MPPE.

O MPPE requer ainda que o Estado e Garanhuns sejam condenados a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de dez vezes o custo do espetáculo “O evangelho segundo Jesus, rainha do céu”.

A peça de teatro, que fazia parte da programação oficial do Festival de Inverno de Garanhuns, organizado pelo Governo do Estado, foi cancelada por ordem direta do governador Paulo Câmara (PSB), segundo informação confirmada ao Blog pelo presidente interino da Assembleia, Pastor Cleiton Collins (PP). Collins ligou diretamente ao governador pedindo o cancelamento e, segundo o parlamentar, foi prontamente atendido por Paulo Câmara.

Segundo a ação do MPPE, o valor a ser pago de indenização deve ser revertido em campanhas contra a discriminação da população homoafetiva, especialmente dos transexuais, bem como na implantação de políticas públicas efetivas em defesa da população LGBTQ+ e contra a discriminação de gênero.

“Esta ação visa defender os indivíduos que sofreram grave lesão ao seu direito fundamental a um município e a um Estado não discriminatórios”, descreveu o promotor Domingos Sávio Pereira Agra, autor da ação.

O MPPE alega ainda que a postura do Município e do Estado, ao longo do episódio, contribuíram para “o sofrimento e intranquilidade da sociedade, em particular da população transexual e travesti, favorecendo um ambiente hostil que culminou com graves ameaças aos envolvidos com a peça e também à comunidade LGBTQ+”.

“A subordinação do Estado à discriminação estimula o ódio e a violência no seio da população”, argumenta o MPPE.

PEÇA

A Secretaria Estadual de Cultura tinha incluído na grade de eventos do Festival de Inverno a peça, com um transexual no papel principal e alvo de protestos em outras capitais.

“Quando soube do teor da peça, liguei para o governador, fui o primeiro a passar o teor da peça a ele. Quando ele tomou conhecimento disse que não, que não ia deixar esse tipo de assunto pautar o seu governo”, disse o deputado ao Blog, em entrevista no início do mês.

Ainda segundo o parlamentar, Paulo Câmara (PSB) disse a ele que “é cristão e que seu governo não será pautado por esse tipo de assunto”.

“Sou cristão também e vou mandar cancelar a peça porque não quero dividir, quero somar ao povo. Meu governo será pautado pela educação, saúde, melhorias, empregos”, reportou Cleiton Collins, sobre a sua conversa com o governador do Estado.

DEFENSORIA

O cancelamento da peça, pelo do governador Paulo Câmara em parceria com o novo presidente da Assembleia, gerou protestos em redes sociais. Militantes tentaram acusar o governador Paulo Câmara de uma suposta “homofobia”.

A questão estava restrita aos “textões” de Facebook, até a Defensoria Pública do Estado divulgar uma nota oficial, fazendo críticas ao cancelamento da peça, ordenado pelo governador. Paulo Câmara estava na Fenearte quando a nota foi divulgada.

Veja abaixo o texto da nota oficial da Defensoria Pública do Estado:

O Núcleo de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco manifesta extrema preocupação com o cancelamento da peça teatral “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, que integrava, até a semana passada, a programação oficial do Festival de Inverno de Garanhuns, organizado e executado pela Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco e Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE).

Em nota oficial divulgada no portal eletrônico da FUNDARPE, o Governo Estadual informou que o cancelamento da apresentação do espetáculo é fruto da polêmica causada pela atração e dos potenciais prejuízos das parcerias que viabilizariam o Festival. Expressa, ainda, que o Festival foi criado para unir e divulgar as expressões culturais pernambucanas e não para dividir e estimular a cultura do ódio e do preconceito.

O cancelamento de espetáculo previamente aprovado e regularmente integrado à Programação do Festival configura cerceamento injustificado das liberdades de expressão, de pensamento e artística, asseguradas na Constituição Federal. Embora tais liberdades mantenham legítimas balizas, as razões expressas na citada nota não guardam consonância com possível limitação amparada pelo arcabouço constitucional e legal brasileiro, nem estão de acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Ao eliminar a apresentação da peça, proíbe-se que os cidadãos e cidadãs tenham acesso ao trabalho artístico, violando-se a liberdade de expressão enquanto direito a receber informações.

A exclusão do espetáculo antes mesmo de sua exibição configura censura prévia, contra a qual já pôde se manifestar o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos em outras oportunidades. A promoção da cultura e da pluralidade de expressões artísticas é também papel do Estado, sobretudo em um tradicional Festival, cujo tema para 2018 é “Um Viva à Liberdade!”.

A decisão tomada pelos Órgãos do Estado, em vez de enaltecer as expressões culturais, reforça preconceitos estruturalmente alicerçados em nossa sociedade, evitando o rompimento da cultura do ódio.

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