As mensagens falsas usadas no século 16 para tentar sabotar o reinado do espanhol Felipe 2º

Ilustração mostra abdicação de Carlos 5º ao trono e ascensão de Felipe 2ºIlustração mostra abdicação de Carlos 5º ao trono e ascensão de Felipe 2º. Com ele, o império espanhol atingiu seu esplendor máximo

Desde a campanha eleitoral de 2016 nos Estados Unidos e agora com as eleições brasileiras, os holofotes da imprensa se voltaram para combater as chamadas “fake news“.

É um fenômeno viral que se propaga nas redes sociais e preocupa cada vez mais governos, organizações internacionais e acadêmicos.

Mas não é algo novo: na verdade, as mensagens falsas são documentadas há séculos.

“Antigamente, essas ‘fake news’ eram citadas nos documentos como ‘notícias falsas’ ou ‘notícias mentirosas’, (mas) não deixam de ser mentiras propagadas com um propósito desestabilizador”, diz à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, Almudena Serrano Mota, diretora do Arquivo Histórico de Cuenca, na Espanha.

A principal diferença é que, séculos atrás, as mensagens falsas obviamente não eram disseminadas pelas redes sociais, mas transmitidas diretamente no boca a boca. Mas isso não diminuía sua capacidade destrutiva.

Um exemplo da propagação de notícias falsas ocorreu em 1564. E sua vítima foi ninguém menos que o homem mais poderoso do mundo na época: o rei espanhol Felipe 2º.

Um boato no império

Retrato de Felipe 2º
Felipe 2º (1527 – 1598) foi rei da Espanha e de seus territórios ultramarinos

Durante o reinado de Felipe 2º, o império espanhol atingiu seu esplendor máximo: expandia-se das Filipinas até a América do Sul – por isso, diziam que o sol nunca se punha em seus domínios (ou seja, quando desaparecia no Ocidente, surgia no Oriente).

Com esse vasto território, imagine o que aconteceria se alguém fizesse correr um boato sobre a vida do monarca…

Pois foi exatamente o que aconteceu em 1564, quando “uma notícia falsa foi usada para tentar sabotar seriamente o reinado de Felipe 2º”, conta Serrano.

Já há oitos no trono, o monarca soube que um boato de sua própria morte “a tiros” havia se espalhado.

A notícia foi divulgada “em Madri e outras partes dos reinos de Castilla”, segundo documentos históricos.

E, por essa razão, era necessário evitar, o mais rápido possível, que se propagasse para outras partes da Europa, “diante do risco que implicaria à monarquia”, ressalta o especialista.

“Imediatamente, o rei teve que acionar toda a máquina burocrática dos correios e da transmissão de mensagens, a fim de chegar o mais rápido possível às áreas que ele considerava convenientes que aquela notícia falsa era um boato sem fundamento”, diz Serrano.

Assim, o rei enviou cartas a vários de seus diplomatas pedindo-lhes que neutralizassem os rumores e que fizessem vir à tona “a verdade em todos os lugares”.

PistolaRumor sustentava que Felipe 2º tinha sido morto com um tiro

Más intenções

Além disso, Felipe 2º ordenou “uma grande diligência para descobrir de onde surgira o boato e com que propósito”, segundo consta na documentação guardada no Arquivo Geral de Simancas, em Castilla e León.

Ainda que, para o monarca, “o objetivo fosse claro”: “Está subentendido que foi propagado com má intenção”, diz a documentação.

Segundo Serrano, nunca se soube a origem do boato. “Mas quase tão importante do que descobrir a autoria era conseguir que o falso assassinato do rei não se espalhasse. Significaria uma perda de prestígio para a monarquia (o suposto fato de) terem conseguido assassinar o rei de Espanha”, diz o especialista.

Nem a primeira, nem a última

E essa não foi a única mensagem falsa que afetou a monarquia espanhola na época.

Antes, o pai de Felipe 2º, imperador Carlos 5º, também havia sido vítima de uma notícia falsa sobre sua suposta morte.

Carlos 5ºNotícias falsas sobre a suposta morte de Carlos 5º também circularam na época

O caso foi relatado pelo embaixador espanhol em Gênova. Ele informou ao rei que seus inimigos na Alemanha tinham espalhado o rumor entre os soldados espanhóis:

“As notícias vêm do acampamento dos inimigos (…) muitos declararam publicamente que, se soubessem que o imperador estava vivo, que não serviriam a outro homem, é um sinal de que os franceses espalharam que sua majestade está morta” , diz outro documento preservado no Arquivo Geral de Simancas.

“Circularam boatos sobre outras mortes, navios holandeses que disseminaram notícias falsas sobre rebeliões contra o rei da Espanha, por exemplo, nas ilhas do Pacífico, durante o reinado de Filipe 4º, ou rumores de falsos tratados de paz que eram notoriamente prejudiciais à monarquia espanhola”, acrescenta Serrano.

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