Aula em domicílio ganha adeptos: no Brasil, mais de três mil famílias ensinam em casa

Família estuda em casa, nos EUA
Família estuda em casa, nos EUA Foto: Antônio Scorza
Bruno Alfano

Daniel Kenneth, de 16 anos, não está mais na escola. Nem seu irmão Gabriel, de 14. Mesmo assim, o mais velho mira a faculdade de segurança cibernética, e o mais novo já desenvolve jogos virtuais. A educação de Daniel e Gabriel, filhos de uma brasileira que mora com a família nos Estados Unidos, foi assumida pela família — um movimento internacional controverso que, por lá, está em estágio avançado e no Brasil já é adotado por mais de três mil famílias, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned).

— Fiz todas as tentativas com a escola — diz Giovana Kenneth, mãe dos meninos, explicando por que desistiu.

Ela decidiu tirar os meninos da instituição escolar principalmente pelos seguidos episódios de bulllying vividos pelo filho mais velho, que sofre de uma condição rara que lhe tirou boa parte da audição.

— A escola era um lugar muito pesado para ele. Daniel chegava, e a gente juntava os pedaços dele. Mandava para a escola no dia seguinte, e ele voltava despedaçado de novo — lembra.

No Brasil, a principal motivação da educação domiciliar é, segundo a Aned, o desejo das famílias de dar um ensino personalizado às crianças. Por aqui, o método mais comum são aulas ministradas pelos próprios pais para seus filhos. Nos EUA, no entanto, há um sistema público e gratuito de educação no lar (veja abaixo como funciona).

— As famílias optam pela mãe orientando o estudo dos filhos e contam com sites específicos para isso. Já tem material sendo oferecido no Brasil — diz a Fabiana Kloh, aluna de doutorado da Uerj que pesquisa o tema: — Porém, como não tem regulamentação no Brasil, cada um faz de um jeito.

O Brasil proíbe que as crianças saiam da escola — mesmo que os pais assumam sua educação. Atualmente, há uma ação no Supremo Tribunal Federal de uma família do Rio Grande do Sul que pede o direito de oferecer educação domiciliar aos filhos. Se ela conseguir, outras pessoas poderão pedir o mesmo, usando a decisão como precedente. O processo está com o ministro Luís Roberto Barroso, que não tem data para decidir.

— Esse pleito poderia ser concedido a quem comprovasse determinadas condições avaliadas periodicamente — opina Maria Celi Vasconcelos, especialista da Uerj no tema.

O Ministério da Educação (MEC) informou que acredita ser necessário um debate maior para a regulamentação da educação domiciliar.

“A pedido do ex-ministro Mendonça Filho, as áreas técnicas e jurídicas do MEC realizam estudos aprofundados sobre a educação domiciliar”, informou a pasta, que lembrou ser obrigatória a matrícula na escola.

Como funciona nos EUA

Local

A família de Giovana estuda em uma sala da casa onde a família vive, em Chicago. O local foi vistoriado por uma assistente social, que se certificou das condições do espaço.

Sistema

Daniel e Gabriel têm aulas em uma plataforma online com professores reais. As aulas ficam gravadas e podem ser consultadas novamente.

Rotina

Não há moleza. Eles acordam às 8h, tomam café e começam as aulas. Cada disciplina tem seu horário marcado.

Conteúdo

A família dos jovens escolheu manter a grade curricular das escolas americanas. Assim, caso eles decidam voltar a frequentar um colégio, poderão fazer sem prejuízos.

Avaliação

Exercícios, testes e provas são feitos pela plataforma. Os resultados saem na hora ou, no máximo, 24 horas depois.

Controle

Giovana tem um programa em que pode ver em tempo real se os filhos estão estudando. “Às vezes, eu entro no quarto para checar”, diz.

Especialistas: escola ainda é melhor opção

Especialistas em educação defendem a escola como a melhor opção para o desenvolvimento da criança. César Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), afirma que as crianças do ensino domiciliar perdem o direito à convivência com o diferente.

— Aprender a respeitar a diferença requer um ambiente coletivo e, portanto, escolar — afirma o especialista.

A professora da Uerj Maria Celi não vê o tema como uma prioridade no Brasil. A universalização da escolarização, por exemplo, está na frente. Para ela, a escola ainda é o lugar da educação formal.

— O maior prejuízo da criança que sai da escola é a falta de se deparar com problemas típicos da escola e resolvê-los, embora eles, às vezes, deixem marcas, mas que são importantes na história de cada um — afirmou a especialista.

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