Bahia é pouco eficiente na gestão de serviços essenciais, diz estudo

Estado ocupa a 16ª posição em ranking de eficiência elaborado por Folha e Datafolha

Com problemas cardíacos, a aposentada Isabel Macedo Rosa, 75 anos, sofreu um edema pulmonar e foi internada às pressas no Hospital Municipal de São Felipe, no Recôncavo baiano, no mês passado. O quadro se agravou e, com risco de morte, ela precisou ser transferida para uma unidade de alta complexidade. Foi quando começou uma verdadeira odisseia da família dela na Central de Regulação do estado.

“O médico incluiu na quinta, e os dias foram passando, sem que uma vaga surgisse. Tinha muita dificuldade para respirar. Foram quatro dias para que ocorresse a transferência para o Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus”, conta ela. A família chegou a recorrer a políticos locais para ajudar na transferência. “Mas ninguém ajudou em nada”.

O problema enfrentado por Isabel reflete o resultado de uma pesquisa nacional: a Bahia é considerada um estado pouco eficiente quando são considerados os serviços essenciais, como saúde, educação e segurança. O Ranking de Eficiência dos Estados – Folha (REE-F) coloca a Bahia na 16ª posição entre os 26 estados brasileiros.

O levantamento, que é feito pelo jornal Folha de S. Paulo e o Instituto Datafolha, mostra quais estados entregam mais educação, saúde, infraestrutura e segurança à população utilizando o menor volume de recursos financeiros. É a primeira vez que o estudo é realizado.

Como foi feito
São consideradas 17 variáveis, agrupadas nos seis componentes previstos: educação, saúde, segurança, infraestrutura, finanças e renda per capita. Para isso, levam em conta dados de órgãos oficiais, como os ministérios da Educação, Saúde e das Cidades, além do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Do total de estados, apenas cinco foram considerados eficientes e seis apresentaram alguma eficiência. Os demais são considerados pouco eficientes ou ineficientes. O líder do ranking, Santa Catarina, por exemplo, vai bem em educação, é o melhor em saúde e tem bom desempenho em segurança. Como tem receita baixa, acaba se saindo melhor no critério de eficiência. Pernambuco é o melhor do Nordeste, e se sobressai em educação e saúde, e tem bom resultado nas finanças. Entre os estados nordestinos, a Bahia é o quarto pior.

A Bahia, por sua vez, teve o pior desempenho em educação, registrando o terceiro índice mais baixo: 0,189 (o ranking leva em conta uma escala de 0 a 1). Por outro lado, o melhor resultado do estado foi em finanças, com 0,795. A infraestrutura foi a área com segundo melhor desempenho, com 0,499, ocupando, contudo, a 14ª posição nacional.

Convergência
O resultado da Bahia no REE-F converge com problemas nas áreas essenciais, especialmente em saúde, educação e segurança, já apontados em outros estudos. Este ano, por exemplo, o ensino médio do Bahia foi considerado o pior do Brasil de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2017, divulgado em setembro passado. O estado teve nota de 3,0, o que significa um decréscimo em relação ao último índice, de 2015, quando a Bahia registrou Ideb de 3,1.

Os problemas, contudo, vão além dos números e se refletem também nas estruturas das escolas e no projeto pedagógico.

“Para nós, professores, tem sido pior a cada ano. As escolas são muito deterioradas, algumas salas não têm condição de ter aula”, relata, sob anonimato, uma professora de Geografia que atuou em escolas de quatro cidades do Recôncavo e da Região Metropolitana de Salvador.

A cozinheira Lucia Santana, 43 anos, tem dois filhos na rede pública estadual e se diz preocupada. “Eles sempre se queixam dos problemas da escola, da falta de material, das aulas vagas. Às vezes, só têm uma aula por dia”, reclama.

Alunos em sala de aula: estado tem pior ensino médio do país (Foto: Arquivo CORREIO)

No Colégio Central, em Salvador, dois estudantes do ensino médio ouvidos pelo CORREIO classificam o ensino como ruim. “A sensação que temos é que falta uma administração mais cuidadosa. Não me sinto preparado para entrar numa faculdade”, diz um deles, que cursa o terceiro ano.

Na segurança, a Bahia registrou, em 2017, o maior número absoluto de homicídios – foram 6.247 casos – e figura na nona posição no ranking proporcional, com 45,1 mortes a cada 100 mil habitantes, segundo o anuário. Nesta área, o estado é o 19º no Brasil, com 0,554 no REE-F.

Na saúde, a posição é ainda pior: a 21ª, com taxa de 0,362 no ranking. Nesta área, umas das principais queixas têm sido justamente a Central de Regulação, principalmente por conta das filas e da demora nas transferências, como o problema enfrentado por Isabel. A central, inclusive, é alvo de uma investigação do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), que abriu um inquérito no mês passado para apurar possíveis irregularidades como equipamentos com defeito, sistema de informação lento e quantidade insuficiente de médicos.

Copo meio cheio
Por meio de nota, o governo do estado deu ênfase ao resultado obtido na área de finanças. “Em tempos de crise econômica, com vários governos estaduais em dificuldades para manter as contas em dia e pagar os salários e o décimo terceiro dos servidores, a Bahia, no quesito Finanças, ficou no topo do Ranking de Eficiência dos Estados”.

Quantidade de estradas também integrou ranking (Foto: Arquivo CORREIO)

Destacou, ainda, a área de infraestrutura. Entretanto, o governo não se pronunciou sobre o resultado nas áreas de educação, saúde e segurança, além de não comentar o resultado da renda per capita. Neste último item, a Bahia atingiu índice de 0,106 e figura na 22ª posição nacional.

Bahia é o quarto melhor em finanças
A Bahia teve melhor desempenho na área de finanças no ranking de eficiência. Com índice de 0,795, o estado só ficou atrás de Ceará (0,852), Pernambuco (0,843) e São Paulo (0,835) e figura na quarta posição. Neste item, a média nacional foi de 0,597. Em infraestrutura, a Bahia também ficou acima da média nacional, que foi de 0,459. Contudo, ficou na 14ª posição nesta área, que é liderada por São Paulo, cujo índice obtido foi o máximo do levantamento: 1,000.

Ainda na nota, o governo ressaltou que, levando em conta a proporção dos respectivos orçamentos, “a Bahia investiu mais que os outros dois líderes do ranking de investimentos entre os estados brasileiros, apurado com base no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN)”.

O governo também enfatizou os investimentos em infraestrutura. “Ao manter o equilíbrio fiscal, a Bahia somou R$ 9,2 bilhões em investimentos entre janeiro de 2015 e agosto de 2018, ficando logo atrás do Rio de Janeiro, que contou com ampla ajuda federal para sediar as Olimpíadas de 2016 e totalizou R$ 10,5 bilhões no período, e de São Paulo, o estado mais rico do país, que investiu R$ 27,1 bilhões”, diz a nota. “Os investimentos incluem as áreas de infraestrutura, saúde, segurança pública, educação e segurança hídrica, entre outras”, complementa.

Afirmou, ainda, que o “equilíbrio fiscal assegurado pelo governo baiano é fruto de dois fatores principais: a melhoria contínua da arrecadação de impostos estaduais e o controle dos gastos públicos”.  Além disso, informou que “mantém o endividamento entre os mais baixos do país, com a Dívida Consolidada Líquida equivalendo a 65% da Receita Corrente Líquida”.

Gestão 
Especialistas em gestão pública ouvidos pelo CORREIO apontam que a falta de eficiência registrada na Bahia e nos demais estados, já que a maioria é considerada pouco eficiente ou ineficiente, é reflexo de uma política de má distribuição e recursos e a má aplicação do dinheiro nas áreas fundamentais. O doutor em administração pública Augusto Monteiro, professor da Unifacs, diz que o fato de a Bahia estar numa posição intermediária não surpreende.

“A Bahia hoje responde por 7,5% da população nacional, com participação no PIB de 5%. O estado tem um déficit econômico histórico. Não é fácil manter os mesmos parâmetros nas políticas de serviços públicos se tem menos recursos”, afirma. Ele cita, ainda, a disparidade entre a receita pública per capita entre municípios baianos, cuja diferença chega a 20 vezes.

O professor José Antônio Gomes de Pinho, da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba), vê a falta de recursos como um problema, mas acredita que mais grave é a gestão. Justamente pelo fato de que há estados que não são líderes em arrecadação, como Santa Catarina, mas conseguem aplicar melhor os recursos disponíveis.

“Se desperdiça muito, se aplica mal os recursos. Educação, por exemplo, há recursos consideráveis aplicados, na própria área da Saúde, mas esses recursos muitas vezes são aplicados em políticas equivocadas e não que não dão resultado”, diz.

“Em termos de Bahia e Brasil, estados e nação, não tivemos competência para resolver problemas vitais para o desenvolvimento”, complementa. Para ele, mais do que olhar para resultados em outros países, é preciso buscar experiências exitosas no Brasil, citando o exemplo da educação no Ceará. “Municípios e estados não acordaram para o fato de eleger a educação como prioridade básica”.

Para Augusto Monteiro, o resultado da Bahia em relação à eficiência é reflexo, também, da falta de uma política de desenvolvimento econômico regional que “promova um relativo equilíbrio de receitas entre os estados. Nas sociedades mais avançadas, os recursos são canalizados conforme as necessidades, não conforme a concentração de renda”.

Para melhorar a eficiência, especialmente nas áreas essenciais, Monteiro vê pela frente um longo caminho. Além da melhor distribuição de recursos, ele acredita que planejamento, orçamento e gestão financeira deveriam ser mais integrados. Na Bahia, por exemplo, planejamento e finanças têm pastas diferentes na administração estadual.

Outro ponto é que, para ele, a destinação fixada de receitas para saúde e educação deve ser revista. “Nas sociedades mais avançadas, isso não faz sentido. Tem que alocar para os pontos mais necessitados. Eles cumprem o percentual, mas qual o resultado entregue?”, diz.

Aposentadoria
O levantamento da Folha e do Datafolha ainda faz um alerta aos estados: em dez anos, quase metade dos servidores públicos nos estados deve deixar a ativa. A Bahia é um deles. Ao lado de Ceará e Pernambuco, o estado caminha para um empate entre o número de funcionários públicos na ativa e aposentados.

Em 2017, segundo o levantamento, a Bahia teve um gasto de R$ 17,8 bilhões com funcionalismo público, o que representou 39% da receita total do estado. Dentro deste percentual, 24,1% foi gasto com os ativos e  14,9% com os inativos.

Em todo o país, a pesquisa observa que cerca de 40% dos servidores estatuais têm hoje 49 anos ou mais. Como a maioria tem direito a aposentadorias especiais, se retira mais cedo, sobretudo os policiais militares.

Os piores casos são os de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, que já gastam cerca de R$ 0,40 de cada R$ 1 da receita líquida com aposentados. A alternativa para o problema seria contratar mais servidores, o que elevaria a despesa, uma vez que o estado continuará pagando os aposentados.

Indicadores
Para elaborar o ranking, Folha e Datafolha usaram uma série de indicadores. Na educação, por exemplo, consideram o percentual de crianças entre 6 e 14 anos no ensino fundamental e jovens 15 a 17 no ensino médio. Também é considerada a taxa de abandono na rede estadual.

Na saúde, a cobertura de atenção básica, o número de médicos por 1.000 habitantes e leitos no SUS estão entre os pontos considerados. Em segurança, o número principal é o de homicídios. Em infraestrutura, estão o atendimento de água, cobertura de esgoto e quantidade de rodovias. As finanças levam em conta dados do Tesouro Nacional, além de gastos com folha de pessoal e comprometimento da receita com a dívida.

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