Baianos estupram sete mulheres por dia, diz SSP

Só em 2015, segundo a Secretaria da Segurança Pública, foram 2.549 casos

Thais Borges

Quando a adolescente de 16 anos que foi estuprada por mais de 30 homens esta semana, no Rio, quebrou o silêncio, sua fala foi cortante e certeira: “Não é o útero que dói e sim a alma”. O caso chocou o mundo e causou revolta em todo o país, principalmente nas redes sociais, onde a jovem postou a mensagem, ontem. A dor na alma também pode ser estendida às sete mulheres que são estupradas por dia na Bahia.

Só em 2015, segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), foram 2.549 casos. A maior parte dos registros foi em Salvador – em números absolutos, foram 531 casos, o que dá uma média de 1,4 denúncias por dia. “O crime é tão grave, que é como se matasse e ainda incendiasse o corpo para ocultar o cadáver. A mulher nunca mais vai ser a mesma. E ainda tentam colocar a mulher como culpada. Perguntam o tempo todo onde ela estava”, ilustra a desembargadora Nágila Brito, titular da Coordenadoria das Mulheres em Situação de Violência do Tribunal de Justiça (TJ-BA).

Ela lembra que muitas vítimas têm vergonha e medo de serem julgadas. Na mesma postagem, feita no Facebook, a adolescente vítima do estupro coletivo contou que tinha medo do julgamento das pessoas. Ela não esperava que fosse receber apoio, e agradeceu por tantas mensagens condolentes.

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

“O estupro gera vergonha e essa vergonha se traduz pelo medo. É a vergonha de denunciar e o medo das consequências porque há uma exposição da pessoa que foi violada. É uma vergonha admitir que foi violada em sua intimidade”, explica Dayse Dantas, coordenadora do Serviço Viver, que atende mulheres violentadas na Bahia.

A violência sofrida pela jovem foi no final de semana passado. Na sexta-feira, ela foi até a casa do namorado. Acordou no domingo, depois de ter sido estuprada por um grupo de homens armados. Na quarta-feira, um dos agressores postou um vídeo na internet que mostrava a vítima desacordada, nua e ferida. Nas imagens, dois homens fazem piada. “Essa aqui, mais de 30 engravidou. Entendeu ou não entendeu?”.

Sim, entendemos
O que milhares de pessoas entenderam, na verdade, foi que esses  homens cometeram “uma barbárie”. Desde quarta-feira, foram inúmeras as manifestações de apoio à vítima, entre elas, da presidente afastada, Dilma Rousseff, que afirmou que é preciso “combater, denunciar e punir esse crime”. Ontem, o presidente interino, Michel Temer, divulgou que irá criar um departamento na Polícia Federal para investigar crimes contra a mulher. “É um absurdo que, em pleno século XXI, tenhamos que conviver com crimes bárbaros como esse”, afirmou Temer, em uma nota de repúdio. Uma reunião no Ministério da Justiça com secretários da Segurança Pública também discutirá formas efetivas de combater a violência contra a mulher na terça-feira.

Ainda ontem, a polícia identificou quatro suspeitos do crime: Marcelo Cruz Correa, 18, aparece no vídeo ao lado da garota; Raphael Duarte Belo, 41, e Michel Brazil da Silva, 20, são suspeitos de terem divulgado as imagens  – cometendo, também um crime cibernético – e o jogador de futebol Lucas Perdomo Santos, 20, apontado como ex-namorado da jovem. Segundo o advogado do rapaz, ele nega envolvimento no crime.

Capital terá marcha contra violência sexual no dia 4
Motivadas pelo caso do Rio, mulheres de todo o país organizam uma manifestação para o próximo sábado. Com o lema “Por todas elas”, em Salvador, o ato será organizado pela Marcha das Vadias e pede “uma vida sem assédio” e “uma vida sem medo”. Além da capital baiana, há protestos marcados para São Paulo, Rio, Brasília e Curitiba. Por aqui, a passeata vai sair da Praça do Campo Grande às 13h e seguirá até a Barra, pelo Corredor da Vitória. “O Brasil inteiro está fazendo e a gente vai fazer o mês de junho inteiro de atividades. Vamos fechar Salvador e marchar até a Barra para chamar atenção”, anunciou a coordenadora da Marcha das Vadias Nacional e da América Latina, Sandra Muñoz, também integrante da rede de atenção à violência contra a mulher em Salvador.

Ainda segundo Sandra, que é uma das organizadoras, o ato terá um trio. “Quebrar o silêncio não é fácil, porque a gente tem certeza de que cada mulher tem o seu jeito. É doloroso”, comentou.

Vale lembrar que somente 10% dos casos de estupro são denunciados, de acordo com um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplica (Ipea), divulgado em 2014. Ou seja: se, na Bahia, são sete  denúncias por dia, o número real ficaria em torno de 70 estupros.

Especial do CORREIO premiado fala sobre drama de estupros
A série de reportagens O Silêncio das Inocentes, publicada no CORREIO entre 9 e 13 de dezembro, reuniu diversos relatos de estupros ocorridos em Salvador e provocou a discussão sobre o tema que rendeu ao jornal o reconhecimento internacional, na terça passada, ao ficar em primeiro lugar no INMA Global Media Awards 2016, maior prêmio de mídia do mundo, entregue em Londres, na categoria Melhor Ideia para Aumentar Leitura Digital ou Engajamento.

Durante quatro meses, a equipe de reportagem apurou 116 casos de agressão sexual a mulheres na capital. O trabalho mereceu ainda uma moção do Senado, proposta pela senadora Lídice da Mata.

Ainda por conta da série, representantes do CORREIO, do Ministério Público da Bahia (MP-BA), da Polícia Civil e de outras instituições discutiram o assunto em uma audiência pública na sede do MP, em dezembro. A audiência foi criada, especificamente, para debater o assunto.

Também como parte do especial, o jornal anunciou uma parceria com a Chega de Fiu Fiu, da ONG Think Olga. Desde então, o mapa da campanha, que reúne milhares de denúncias de assédio sexual no país, está também em nosso site.

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