Bancada da bala e governo trabalham por projeto que facilita mais ainda o acesso a armas

Por DIRLEY FERNANDES

Rio – Ao assinar, na terça-feira, o decreto que flexibilizou as regras para a posse de armas, o presidente Jair Bolsonaro fez uma mesura a dois apoiadores. “Outras coisas dependeriam de mudança na lei. O Peninha e o Lupion com certeza vão tratar desse assunto”, disse.

O segundo citado é Pedro Lupion (DEM-PR), comprometido com a ampliação do porte de armas. O primeiro é mais destacado. O deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) é o autor do PL 3722, um extenso Projeto de Lei que praticamente revoga o Estatuto do Desarmamento. Quando Bolsonaro falou que seu decreto era “apenas o primeiro passo” se referia à sua intenção de trabalhar pela aprovação do PL.

“O projeto foi aprovado em Comissão Especial da Câmara, com a ajuda do então deputado Jair Bolsonaro. Está prontinho para ser votado”, diz Peninha. “Mas o próprio presidente, já eleito, em dezembro, ligou para mim e disse: ‘Olha, eu tenho ideias; gostaria de participar’. Pediu para que postergássemos. Eu conversei com os líderes e adiamos”.

Facilitação

Os principais pontos do projeto do deputado são a redução da idade permitida tanto para a posse quanto para o porte de armas de 25 para 21 anos; a ampliação para as polícias civis estaduais do poder de liberar e regular a posse de armas e não apenas a polícia federal; que a posse e o porte de armas dependam apenas de uma autodeclaração da efetiva necessidade e que a concessão do porte seja permanente.

Em relação à idade, o projeto também propõe uma mudança na prática de tiro esportivo por menores, que hoje depende de autorização judicial e passaria a ser permitida, se acompanhada dos pais. Peninha argumenta que a limitação para portar armas antes dos 25 anos é incongruente. “Com 18 anos, o garoto vai para a guerra e pode matar. Quando volta, não pode defender a família?”, questiona.

No caso de repassar às polícias civis a concessão da posse e do porte, o deputado explica que a proposta dele é que os estados preparem estruturas locais especialmente para a tarefa. “As sedes da PF às vezes são distantes, isso complica”, argumenta.

Bolsonaro já sinalizou a pretensão de assinar convênios com as polícias estaduais, alegando que a Polícia Federal “não daria conta da demanda” dos pedidos de registros.

Peninha não considera válidas as advertências de que a presença de mais armas nas casas favoreceriam a ocorrência de feminicídios e suicídios. Ele lembra que “para ter a posse, não se pode ter antecedentes criminais”. “Em Santa Catarina, um sujeito matou a mulher com um violão. Vamos proibir de tocar violão?”, diz.

A Reforma da Previdência deve adiar por alguns meses as mudanças no porte de armas. “Pediram para não precipitar”, diz Peninha, que se reuniu com membros do governo na semana que passou. “A Previdência é o inimigo de agora”. Mas ele e o governo trabalharão para que o PL 3277 seja a próxima prioridade.

Para conseguir êxito, ele conta com um trunfo. “No plenário, a proposta terá um relator. Faremos tudo para que seja o Eduardo Bolsonaro”, diz.

Posse é para quem tem posses

Para ter uma arma devidamente legalizada, mesmo com a flexibilidade estabelecida pela nova legislação, é necessário desembolsar, ao menos, R$ 7,5 mil. Isso equivale a exatamente a renda de 50% dos brasileiros em dez meses (R$ 754, segundo dados de 2017 do IBGE). Os custos vão desde o registro na Polícia Federal até o valor da munição, passando pelo curso de tiro, que é obrigatório para obter o documento oficial para a posse.

Antes de mais nada, segundo a orientação da Polícia Federal, para que o interessado possa seguir corretamente os procedimentos de aquisição, registro, renovação, transferência e porte, a lei exige a comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral. E é necessário que ele não esteja respondendo a inquérito policial ou a processo criminal.

É preciso ter realizado o curso de tiro, cujo investimento inicial, na modalidade mais básica, é de R$ 550. As aulas acontecem, normalmente, uma vez por semana.

Depois, é preciso se dirigir a uma unidade da Polícia Federal, com documentação e um requerimento fornecido pelo órgão, para obter a autorização de compra da arma de fogo.

A taxa paga à Polícia Federal é de R$ 1.466,68. Com o documento em mãos, o cidadão pode adquirir a peça em lojas especializadas. Uma das mais procuradas é a pistola Taurus, produzida no Brasil, e que custa, em média, R$ 4,5 mil. Com a pistola, o portador adquire a munição, que sai, em média, R$ 5 a unidade. Cada pessoa só pode obter 50 unidades de bala por ano. É necessário que a arma seja registrada e a taxa para esse procedimento custa R$ 88. Lembrando que o interessado também precisa passar por uma avaliação psicológica, o que pode elevar o valor do investimento em mais R$ 300.

Pesquisador americano lamenta caminho brasileiro

Desde os anos 1990, uma série de pesquisas foram feitas, em diferentes países, sobre a relação entre armas de fogo e aumento ou redução da criminalidade. A maior parte chega à conclusão de que mais armas levam a maior mortalidade, mas também há resultados opostos,

No Brasil, a pesquisa mais abrangente foi do Ipea e em sua conclusão diz que “pelo menos em São Paulo, o criminoso profissional não se abstém de cometer crimes em razão de a população se armar para a autodefesa” e que a difusão das armas de fogo faz “aumentar os crimes letais contra a pessoa”.

O maior estudo já realizado em todo o planeta, que abrangeu 195 países, foi publicado no ano passado. A pesquisa, ‘Mortalidade relacionada à armas de fogo – Um problema de saúde global’ foi coordenada pela Associação Americana de Medicina e assinada por três dos maiores especialistas no tema, entre eles o professor de Pediatria e Epidemiologia na Universidade de Washington Frederick Rivara. Comunicado da mudança da lei sobre posse de armas no Brasil pelo DIA, ele lamentou. “Há pouca evidência de que ter uma arma em casa melhora a segurança das pessoas que moram ali”. O médico destaca um estudo que mostrou que para cada vez que um intruso é contido por uma bala nos Estados Unidos, há 43 casos de pessoas que são mortas, dentro de casa, com uma arma, a maioria por suicídio. “As pesquisas são muito consistentes mostrando que a disponibilidade de armas leva a um aumento dos suicídios”.

No Brasil, números do Ministério da Saúde atestam que 34 mil pessoas se enforcaram entre 2011 e 2015. Armas de fogo são a terceira forma mais utilizada para dar cabo à vida no país, com 4.823 casos.

O médico também se impressionou ao saber que defensores de mais armamento citam os EUA como referência de que mais armas levam a menos crimes. “Nossa experiência mostra que acesso mais fácil a armas aumenta a probabilidade de mortes causadas por elas. Espero que seu país não cometa esse erro”.

Outro pesquisador que participou do estudo é Álvaro Castillo-Carniglia, hpje na Universidade Mayor, no Chile. Ela também defende políticas de acesso a armas mais restritivas. “A violência ligada a armas não vai acabar por conta disso, mas podem diminuir de forma importante. É preciso combater a violência com intervenções sistemáticas, lidando com questões como o acesso ao sistema judicial”.

Em tempo, a pesquisa da AMA mostrou que somos o país onde, em números absolutos, mais se morre por arma de fogo em todo o planeta. Em 2016, foram 43,2 mil mortes.

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