Caos no Amapá: família contrai covid-19 após sair em busca de água em meio a apagão

Leandro Machado

Pessoas em fila da água em Macapá
Em Macapá, população se aglomera em filas para conseguir água potável durante apagão de energia elétrica

A arquiteta Marina Silva, de 22 anos, não esperava que poderia ficar “presa” no Amapá quando viajou à capital, Macapá, para visitar sua mãe.

Nas últimas duas semanas, o apagão elétrico que abateu o Estado, afetando centenas de milhares de pessoas, fez a jovem passar por problemas em série: filas quilométricas para conseguir água potável, comida estragando na geladeira, alimentação precária, noites insones por causa do calor e um surto de covid-19 na família.

Tudo começou no dia 3 deste mês, quando um incêndio atingiu uma subestação da empresa Isolux. A energia foi cortada em 13 das 16 cidades do Estado, afetando cerca de 730 mil pessoas do Estado — 85% da população local.

Nesta quinta-feira (19/11), o apagão entrou em seu 17º dia. Depois dos primeiros cinco, a energia passou a ser fornecida em caráter de rodízio, mas a população tem reclamado de intermitências e da falta de fornecimento em bairros mais pobres.

Por causa do rodízio e dos problemas causados pelo apagão, muito amapaenses saíram às ruas para protestar, o que gerou episódios de violência e repressão policial. Um adolescente foi atingido no olho por uma bala de borracha disparada pela polícia.

As eleições municipais em Macapá, que ocorreriam normalmente no último domingo, foram adiadas.

O governo federal, responsável pela concessão do sistema elétrico da região à iniciativa privada, prometeu, nos primeiros dias do corte, resolver o problema em 10 dias, mas isso ainda não aconteceu.

No último dia 11, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Amapá estava “prestes a ter 100% da energia restabelecida”, mas novamente a promessa não se cumpriu. Nessa quarta-feira (18), em evento público, Bolsonaro ignorou perguntas de jornalistas a respeito da situação caótica pela qual passa o Estado.

Selfie da arquiteta Marina Silva
Arquiteta Marina Silva, de 22 anos, precisou tomar banho na piscina de um parente porque não havia água em casa durante apagão

Nos primeiros dias, a arquiteta Marina Silva sofreu com a falta de informação sobre a situação.

“Nós ficamos totalmente no escuro, sem saber o que ocorria. Internet não funcionava, celular também não, rádio não pegava, ninguém sabia o que tinha acontecido”, conta, em entrevista à BBC News Brasil.

“Não tínhamos nem como nos comunicar com as pessoas de fora da cidade.”

Foi então que começou a faltar água em Macapá. Boa parte dos moradores da cidade utiliza poços artesianos que necessitam de eletricidade para bombear a água. A família de Marina precisou tomar banho na piscina da casa de um parente.

Sem luz, as velas para iluminar a casa durante a noite também sumiram dos supermercados. “Foi uma situação desesperadora, pois não tínhamos qualquer informação do exterior”, conta.

Vizinhos do bairro conseguiram fornecer um pouco de água, a partir de geradores. “Minha tia foi tentar pegar um pouco de gelo. Mas ela ficou em uma fila das 8h30 às 18h, e só conseguiu comprar três sacos de gelo, porque era o limite de compra por pessoa.”

A arquiteta acredita que a espera nessa fila quilométrica infectou sua tia com covid-19.

“Não tenho como afirmar 100% que foi isso. Mas antes ela estava se cuidando bem, evitando aglomerações, e não tínhamos nenhum caso na família. Essa fila estava cheia de gente amontoada”, diz.

Moradores do bairro de Santa Rita, em Macapá, protestaram contra o apagão no Estado
Moradores do bairro de Santa Rita, em Macapá, protestaram contra o apagão no Estado (imagem do dia 7 de novembro)

Dias depois, outros três familiares da casa também foram infectados.

“Como em Macapá faz muito calor e não havia energia para o ar-condicionado, nós decidimos dormir do lado de fora, em colchões e em redes. Ficamos muito perto um do outro, e acho que isso ajudou a espalhar a doença”, diz.

Ao todo, três tios e uma prima descobriram que estavam doentes: tiveram sintomas leves. A confirmação veio depois de exames feitos em um centro de atendimento a pacientes com coronavírus. Além disso, há outros dois casos suspeitos na família, ainda sem confirmação por meio de testes.

No entanto, a pandemia não foi o único problema enfrentado pela família depois do apagão. Mesmo com o rodízio, a comida que havia na geladeira da casa estragou. “A gente não pode comprar comida demais, porque senão estraga de novo. O rodízio é imprevisível. Começou com seis horas com energia por dia, mas agora são só três horas ou menos”, diz.

Para tentar se alimentar, a família comprou um peixe assado, mas depois descobriu que o prato estava estragado. “Ninguém está conseguindo armazenar comida direito. Nós ficamos uns três dias com problemas estomacais. Mas não sei se foi só o peixe ou água, que também não está boa. Eu vi pessoas pegando água do rio Amazonas para beber, e essa água não é tratada. O esgoto da cidade vai para lá”, conta.

Relatos como o dela não são incomuns. Nas redes sociais, há inúmeros vídeos mostrando moradores de Macapá com galões nas mãos recolhendo água não potável do local.

Com todos esses “perrengues” por causa do apagão, Marina decidiu antecipar sua volta à Brasília, onde mora. Inicialmente, sua passagem estava prevista para o dia 3 de dezembro.

“Cheguei no aeroporto, e tinha gente dormindo no chão para se refrescar um pouco no ar-condicionado. A companhia aérea não remarcou minha passagem. Tentei comprar outra, para Belém, mas uma passagem estava custando R$ 4 mil. É um absurdo. Estou presa em Macapá”, diz.

Agora, nos próximos dias, Marina e seus parentes estão tentando proteger membros mais velhos da família, como sua mãe, de 57 anos, e sua avó, de 75.

“É uma situação caótica e desesperadora. Elas estão isoladas, mesmo no calor”, diz.

Afastamento

Hoje, a Justiça Federal do Amapá decidiu afastar a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e os atuais diretores do Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão responsável pelo controle da operação de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN).

Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro ignorou perguntas sobre a situação do Amapá nesta quarta-feira

A medida, válida por 30 dias, visa evitar que haja interferência nas investigações sobre as causas do apagão, segundo decisão do juiz João Bosco Costa Soares da Silva.

De acordo com o site G1, o magistrado argumenta, na decisão, que houve negligência da Aneel, do ONS e da empresa Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), “referente à necessidade de conserto de um dos três transformadores de energia elétrica da Subestação Macapá, que demandava reparos urgentes desde o final do ano de 2019.”

Ao G1, o diretor-geral da Aneel, André Pepitone, afirmou que “todos os esforços, no atual momento, estão concentrados na normalização do fornecimento de energia no Amapá.”

Colaborou Vinícius Lemos, de São Paulo

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