Castanha-do-pará na Alemanha para reflorestar o Brasil

Start-up pretende ajudar a Floresta Amazônica com a venda de farinha de castanha na Alemanha, onde há demanda por produtos ecológicos. Com o dinheiro arrecadado, milhares de árvores devem ser plantadas no Mato Grosso.

Castanheira-do-Brasil, também conhecida como castanheira-do-ParáCastanheira-do-Brasil, também conhecida como castanheira-do-Pará

Depois de passar 13 anos na Bahia e se apaixonar pela Mata Atlântica, o alemão Benjamin Kromayer conheceu a paraense Andrea Heberling em um grupo de coral brasileiro em Berlim. Os dois começaram a namorar, e a paixão em comum pelo meio ambiente deu origem a uma ideia intercontinental: com a venda de produtos amazônicos na Alemanha, eles poderiam reflorestar áreas desmatadas no Brasil.

O plano foi adiante e Kromayer e Heberling criaram a start-up TodaVida. Em seu projeto piloto, a empresa prevê plantar 5 mil árvores da castanheira-do-Brasil, também conhecida como castanheira-do-pará, na região do Arco do Desmatamento, no noroeste de Mato Grosso. Enquanto isso, a farinha de castanhas coletadas por tribos indígenas e processada por uma cooperativa local é comercializada na Alemanha.

Mais do que trazer mais um produto tropical para consumidores alemães ávidos por novidades orgânicas seguindo os princípios do fair trade (comércio justo), a intenção dos fundadores e de sua equipe é criar as chamadas agroflorestas, que aliam a produção de alimentos ao plantio de espécies arbóreas. Dessa forma, a monocultura é evitada e, ao mesmo tempo, a floresta ganha um uso econômico e, assim, é protegida do desmatamento.

Benjamin Kromayer e Andrea Heberling (DW/D.Backes)Os fundadores da start-up, Benjamin Kromayer e Andrea Heberling, se conheceram em um grupo de coral brasileiro em Berlim

“Queremos reflorestar e, para isso, temos que estabelecer um ciclo em que a própria floresta replantada produza economicamente o valor para plantar mais floresta”, afirma Kromayer.

A aposta é que a empresa aproveite a onda de consumidores preocupados em não comprar produtos importados pela Europa de áreas desmatadas, como carne e soja. Na França, por exemplo, a preocupação já chegou às autoridades, e o ministro francês da Transição Ecológica, Nicolas Hulot, anunciou em julho que vai bloquear  a importação de produtos florestais ou agrícolas que contribuam para o desmatamento no mundo, com a Amazônia entre as regiões prioritárias.

Uma iniciativa semelhante ainda não foi tomada pela Alemanha, mas há forte demanda por produtos orgânicos e ecológicos no país. “No Brasil, o mercado orgânico é fraco, e não conseguimos ganhar escala, mas, na Alemanha, há um mercado de sustentabilidade”, avalia Kromayer.

Agroflorestas

Importante fonte de renda e nutrição para diversas comunidades tradicionais, a castanheira-do-Brasil, nativa da Amazônia, está ameaçada de extinção, segundo o WWF. Por ser frequentemente derrubada para a construção de estradas, barragens, para assentamentos de reforma agrária e para a criação de gado, a espécie é considerada vulnerável pela União Mundial para a Conservação da Natureza (UICN) e, no Brasil, integra a lista de espécies ameaçadas do Ministério do Meio Ambiente.

Mudas de castanheiras no viveiro de Juruena (Fioravante José Montanher)Mudas de castanheiras no viveiro de Juruena. Cerca de 800 mudas devem ir para o solo em dezembro de 2017 e outras 4.200 em dezembro de 2018

A espécie também não cresce em monocultura, pois necessita do seu ambiente natural para se reproduzir. As flores precisam ser polinizadas por certos tipos de insetos, atraídos por orquídeas que vivem na região, e as sementes são, em muitos casos, plantadas por cutias, que roem a dura casca de seus frutos. Assim, o plantio da castanheira-do-Brasil almejado pela TodaVida só pode dar certo com uma efetiva recomposição de espécies locais.

Em parceria com pequenos agricultores e tribos indígenas associados à Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhacer (Coopavam), em Juruena, região noroeste de Mato Grosso, o reflorestamento deve recuperar três hectares de áreas degradadas, planeja a TodaVida. A cooperativa atua em parceria com os povos indígenas Caiaby, Munduruku, Cinta Larga de Aripuanã e Apiacá.

“Como a castanheira demora de seis a dez anos para dar frutos, serão plantadas junto com ela espécies com ciclos mais curtos para o agricultor poder viver disso”, conta Heberling.

Mudas de castanheira-do-BrasilMudas de castanheira-do-Brasil: a árvore está na lista de espécies ameaçadas do Ministério do Meio Ambiente.

Sabedoria ancestral

O estudo de todo o processo de importação da farinha de castanha-do-pará, de como realizar o plantio da agrofloresta e as conversas com a cooperativa ocorrem quando Kromayer e Heberling não estão ocupados com seus empregos tradicionais: ela como gerente de projetos de TI e ele na área de seguros.

Para financiar o plantio das árvores e a importação do produto, a empresa abriu uma campanha de financiamento coletivo, encerrada no incio de outubro. A meta inicial, de arrecadar 12 mil euros, ainda não foi alcançada, mas os fundadores não pretendem desistir. A intenção é reduzir a meta e reabrir a campanha.

No início, o plano é restringir as vendas à farinha de castanha-do-pará, mas o casal realizou recentemente uma viagem ao Brasil em busca de fornecedores e cooperativas que possam ser novos parceiros. Eles analisam transportar outros produtos vindos do cupuaçu, graviola, mangaba e buriti para terras germânicas.

Para Kromayer, além de ampliar o conhecimento sobre a diversidade amazônica na Alemanha, a inciativa deve aumentar a autoestima das populações indígenas no Brasil.

“A implementação de sistemas agroflorestais com espécies nativas traz um resgate da cultura amazônica, com as tribos sentindo valorização de seus conhecimentos ancestrais”, diz.

O alemão reconhece que o ponto fraco do projeto para o meio ambiente é a logística da operação e as emissões de gases de efeito estufa que ela acarreta devido à importação dos produtos para a Europa. Contudo, ele afirma que o reflorestamento ajudará a compensar as emissões de poluentes.

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ÁREAS PROTEGIDAS NA AMAZÔNIA CONTINUAM AMEAÇADAS

Uma floresta de superlativos

Com uma área de quase sete milhões de km², a Amazônia coleciona recordes mundiais. É a maior bacia hidrográfica do mundo e concentra cerca de um quinto do volume total de água doce do planeta. São 25 mil quilômetros de águas navegáveis. O bioma Amazônia se estende por nove países sul-americanos: Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

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Biodiversidade inigualável

A Amazônia é a maior floresta tropical e reserva de biodiversidade do mundo, com mais de 30 mil espécies de plantas e animais. Os produtos da floresta são explorados de forma sustentável em reservas específicas. “Também há recursos não tão palpáveis, como carbono, importante para manter o regime climático”, diz Ane Alencar, diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

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Tipos de reservas

No Brasil, existem as chamadas Áreas Protegidas, para preservar a natureza e tradições culturais. Elas são compostas por Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas. Há 334 UCs na Amazônia, incluindo reservas biológicas, parques nacionais, reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável, onde vivem populações tradicionais que exploram os recursos naturais sem esgotá-los.

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Ameaça permanente

O relatório de 2017 do WWF sobre Unidades de Conservação sob Risco aponta que o Brasil é “líder mundial em extensão de áreas protegidas”. Mas a ONG internacional denuncia uma ameaça permanente a essas regiões por produtores rurais, empresas de mineração ou grileiros de terras públicas. Esses perigos são cada vez maiores por causa de ofensivas no Congresso Nacional contra unidades de conservação.

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Redução das áreas de preservação

Um dos exemplos citados pelo WWF é a Floresta Nacional do Jamanxin, no Pará. A organização não governamental denuncia que, por causa de medidas provisórias publicadas pelo presidente Michel Temer e propostas aprovadas em comissões especiais no Congresso Nacional, calcula-se que a floresta poderá perder mais de oito mil km² de sua extensão.

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Ofensiva da mineração?

Após Temer revogar a liberação de uma região rica em cobre para mineração, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia divulgou que a atividade poderia causar danos a cerca de 5 milhões de hectares em áreas protegidas. Isso pode acontecer se forem aprovados três projetos em debate no Congresso. Na foto,um sapo na Estação Extrativista do Jari, que fica na área que seria liberada para mineração.

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Desmatamento em alta nas Unidades de Conservação

Dados atuais do Imazon mostram que o desmatamento em Unidades de Conservação na Amazônia Legal aumentou drasticamente. “Em 2015 [as taxas de desmatamento] já superavam as de 2012 em 79%”, diz a organização. A taxa se traduz na destruição de 136 milhões de árvores e na morte ou deslocamento de 4,2 milhões de aves e 137 mil macacos. A Floresta Nacional do Jamanxin é a mais desmatada.

Autoria: Renate Krieger

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