Reino Unido aplica pena de morte pela última vez em 1964

Peter Allen e Gwynne Evans foram condenados por assassinato; entre os britânicos, pena capital já chegou a ser válida para mais de 200 tipos de crime

Em 13 de agosto de 1964, os britânicos Peter Allen e Gwynne Evans são enforcados pelo governo britânico em razão de condenação da Justiça pelo assassinato do motorista John Allan West, crime ocorrido em 7 de abril daquele mesmo ano. Estas foram as duas últimas execuções oficiais no Reino Unido, cuja repercussão contribuiu para aumentar o debate em torno da aplicação da pena de morte, uma instituição presente entre os britânicos desde a fundação do Reino Unido.

Este caso teve efeito mais imediato: um ano depois, a pena capital deixou de ser aplicada em casos de condenação por assassinato na ilha da Grã-Bretanha; o mesmo ocorreu em 1973 na Irlanda do Norte. Ela foi definitivamente abolida do país em 1998.

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O caso e o julgamento

John West vivia sozinho em sua propriedade na pequena cidade de Seaton, noroeste da Inglaterra. Por volta das 3h da madrugada do dia 7 de abril, seu vizinho acordou após ouvir um forte barulho na casa ao lado. Ao tirar a cabeça para fora de sua janela, ele viu um carro se distanciando rapidamente do local e chamou a polícia. Esta, por sua vez, encontrou o corpo de West deitado no chão, vitimado por muitos ferimentos na cabeça e uma faca apunhalada em seu peito. Também encontrou uma capa de chuva cujos bolsos continham um medalhão com a expressão “Go Evans” e um documento do exército com o nome de Norma O’Brien, com seu endereço em Liverpool.

Norma era uma jovem de 17 anos, funcionária de uma fábrica. Ela contou à polícia que, em 1963, passou um tempo com a irmã e o cunhado em Preston, uma cidade próxima, e conheceu um homem chamado “Ginger” Owen Evans (ex-companheiro de trabalho de West), que usava aquele mesmo medalhão.

Owen, 24 anos, e Allen, 21, acabaram presos 48 horas depois e foram acusados formalmente pelo crime. Um relógio com o nome gravado da vítima foi encontrado com Evans. Nenhum dos dois possuía antecedentes criminais. Os dois moravam em um pequeno apartamento com a esposa de Allen.

Evans culpou Allen por agredir West, mas admitiu ter roubado o relógio. Após o interrogatório, os investigadores concluíram que tinha sido ele o mentor do latrocínio. Já Allen admitiu ter roubado um carro em Preston e o guiou até a casa de West, onde Evans teria dito que pegaria um dinheiro emprestado com o ex-colega de trabalho.

Allen e Evans foram julgados juntos em Manchester, em julho de 1964 e acusados por “homicídio capital” de acordo com a Lei de homicídios de 1957, em razão de West ter sido morto no decorrer de um assalto.

Durante o julgamento, o juiz pediu ao conselho de sentença que decidisse se West tinha sido morto por uma ou duas pessoas; caso a segunda hipótese fosse a vencedora, o assaltante que não fosse o assassino seria considerado culpado por “homicídio não-capital” na melhor das hipóteses. Porém, os jurados consideraram os dois culpados e ambos foram condenados à morte por enforcamento.

“Código sangrento”

A pena de morte existia no Reino Unido desde sua fundação como Estado, em 1707, sendo largamente aplicada para qualquer tipo de crime. Até o século XIX, o Código Penal britânico previa tantas infrações puníveis com a pena de morte que a legislação era conhecida como “Bloddy Code”, ou “Código Sangrento” – um simples “pick pocket” (roubo de carteira), por exemplo, poderia levar à morte do réu. Até 1688 eram 50 tipos de infrações passíveis desse risco, chegando a 220 no fim do século XVIII – a maior parte desses delitos era relacionados a crimes contra a propriedade.

Uma das alternativas encontradas pelas autoridades britânicas para diminuir as execuções passou a ser a deportação dos condenados às colônias. Após a independência dos EUA em 1776, o destino principal deles passou a ser a Austrália. Quase um terço dos condenados entre 1788 a 1867 foram transportados para a ilha e para a Terra de Saint Diemen (atual Tasmânia, ao sul). Alguns ainda tinham a alternativa de servir no Exército britânico.

Em 1823, a legislação foi mudada e os juízes orientados a determinarem penas mais leves. Gradualmente, o número de crimes sujeitos à pena capital foi sendo diminuído. Em relação ao início do século XIX, apenas cinco ainda estavam vigentes em 1861: assassinato (suspenso em 1965 por pressão pessoal do premiê trabalhista Sydney Silverman e abolido em 1969); pirataria seguida de violência (apenas em 1998); incêndios em estaleiros reais (1971); espionagem (1981) e alta traição (1998). Até 1908, menores de 16 anos podiam ser executados. Em 1864, uma comissão real para tratar do assunto já havia concluído que as execuções deveriam ser evitadas, mas sem abolir a pena de morte.

No territórios ultramarinos, que não fazem parte do Reino Unido e têm sua própria legislação, as execuções terminaram um pouco mais tarde. A última ocorreu em 1977, nas ilhas Bermudas, uma das mais autônomas dependências do reino, quando dois homens foram enforcados por matarem o então governador do arquipélago.

Em 2004, o 13º Protocolo da Convenção Europeia de Direitos Humanos foi vinculado à lei britânica, proibindo a restauração da pena de morte no Reino Unido enquanto esse integrasse a convenção.

Como em muitos países, a abolição da pena de morte é uma questão controversa e encontra resistência em parte da população. Diversas pesquisas mostram apoio da população britânica à volta da pena capital para crimes como pedofilia, homicídio ou sequestro.

A mais recente delas, em agosto de 2011, realizado pela Angus Reid Public Opinion, mostrou que 65% dos britânicos apoiam sua restituição em casos de assassinato.

Fonte: Ópera Mundi

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