Como a era do jazz mudou para sempre a forma como nos vestimos

Melindrosa
Fotografias e ilustrações da época refletem atmosfera sedutora de diversão – melindrosas sorrindo e posando com vestidos de franjas e tiaras com penas | Foto: London News Ltd/Mary Evans

“Foi uma era de milagres”, escreveu F Scott Fitzgerald em seu ensaio Ecos da Era do Jazz. “Foi uma era de arte, uma era de excessos”.

Em sua ficção, o escritor capturou de forma encantadora os luxuosos e retumbantes anos 1920 – hedonistas, glamorosos, decadentes, opulentos. Fotografias e ilustrações daquela época refletem essa atmosfera sedutora e deslumbrante de selvageria e diversão – melindrosas sorrindo e posando com vestidos de franjas e tiaras com penas.

“Há uma constante sensação de ritmo, feminilidade e glamour”, diz Dennis Nothdruft, que tem um interesse especial na moda dos anos 1920 e é curador do Museu de Moda e Tecidos de Londres.

“Há uma sensação de uma sociedade chegando à era moderna, com movimento e velocidade e romantismo”. Então como e por que os anos 1920 retumbaram? E o que fez a era do jazz tão única – e influente?

Irmãs Dolly
As irmãs Dolly representavam a extravagância dos anos 1920 – elas recebiam U$1.200 por noite para aparecer no teatro Moulin Rouge | Foto: James Abbe Archive

A rapidez das mudanças durante os anos 1920 era vertiginosa. Prosperidade crescente e convulsão social combinadas com uma euforia jovem pós-guerra e um novo empoderamento feminino fizeram de 1920 uma década de mudança de paradigmas e extrapolação de limites.

“A geração anterior foi morta na guerra e havia uma atitude imprudente no ar”, diz Nothdruft. E assim como o gênero musical que lhe emprestou o nome, a era do jazz era cheia de espontaneidades rebeldes, improvisação e vanguarda.

“O jazz era a música dos anos 20 e os ritmos e batidas da música permeiam o visual.”

Pecado e espetáculo

Foi nessa época que “o guarda-roupa da mulher moderna começou”, diz Nothdruft.

Elas jogaram fora os espartilhos, assim como os impraticáveis vestidos longos, penteados elaborados e chapéus daquele tempo e adotaram vestidos mais curtos e menos ajustados à cintura e penteados mais fáceis de montar, com bobes.

Pijamas de seda se tornaram populares para relaxar, divertir-se em casa ou ir à praia, com estilos chineses e egípcios especialmente na moda em termos de roupas e jóias – o último especialmente devido à descoberta da tumba do faraó Tutancâmon em 1922.

Coco Chanel até começou a usar calças. O que começou como uma revolução de nicho de jovens boêmios se generalizou. As modas se disseminaram, assim como os penteados com bobes entre a população feminina, e, com eles, uma sensação de liberdade e confiança.

Paetê
Quando o espartilho foi abolido, vestidos que cobriam o corpo inteiro foram substituídos por conjuntos mais soltos com decotes maiores e materiais como lantejoulas | Foto: Tessa Hallman

E, agora que o filme cinematográfico estava surgindo, novas modas podiam alcançar mais pessoas mais rápido do que nunca.

Hollywood estava chegando ao conhecimento popular com uma explosão de filmes no mundo inteiro e o surgimento de grandes estrelas – como a glamourosa Gloria Swanson com seus elaborados enfeites de cabeça e a rebelde ‘it girl’ Clara Bow.

A jogadora de tênis Suzanne Lenglen
A jogadora de tênis Suzanne Lenglen ganhou a medalha de ouro na competição feminina nas Olimpíadas de 1920 e representou a mulher esportiva dos anos 1920 | Foto: Wikipedia

Nos extravagantes vestidos “robe de style” da estilista francesa Jeanne Lanvin e nos onipresentes boás e franjas, havia um novo sentimento de dinamismo – perfeitamente captado pela ilustradora americana Gordon Conway, ela mesma uma melindrosa de carreira, cujo trabalho abrange música, sensualidade e glamour da época.

“Essas roupas foram feitas para se mover e dançar, e algumas peças literalmente caíam dos corpos das mulheres conforme elas se mexiam”, diz Nothdruft.

Uma nova sensação de movimento e velocidade permeava a cultura – o carro a motor havia chegado e até o tênis virou um esporte competitivo para as mulheres.

“Havia uma explosão de atletismo”, diz Nothdruft, cuja exibição reserva uma sessão às roupas esportivas da era. O tênis feminino até então era um passatempo distinto, com mulheres usando vestidos longos e casacos pesados cruzando campos com delicadeza.

Mas, em 1920, a primeira estrela feminina do tênis, a francesa Suzanne Lenglen, transformou o jogo feminino com seu estilo firme e rápido de jogar (considerado por muitos comentaristas “impróprio para senhoras”) e seus modos de diva.

Ela sempre chegava à quadra com um casaco de pele, não importando a temperatura, e jogava com trajes de melindrosa – vestidos de seda vermelhos ou laranja acinturados e com pregas. Ela também fumava e bebia conhaque na quadra – para acalmar seus nervos, dizia. Ela chocava a plateia com seus movimentos ousados do tênis e ficou conhecida como “a deusa”.

Quebrando paradigmas

Também foi a primeira vez que comportamentos “masculinos” entraram na moda. “Havia uma tendência de mulheres usarem ternos e smokings. Coco Chanel pegou o dela emprestado de seu namorado, assim como suéteres e tweeds masculinos”, diz Nothdruft.

“E ser lésbica também entrou na moda pela primeira vez, obviamente na ‘café society’ de Paris, Londres e Nova York.”

Entre as estrelas lésbicas estilosas e talentosas da época estavam a pintora Romaine Brooks e sua companheira, a escritora Natalie Barney, além da poeta e escritora do livro O Poço da Solidão Radclyffe Hall.

Mulheres como elas influenciaram as décadas seguintes e seu estilo andrógino e chic se mostrou duradouro – a vestimenta andrógina e o uso de roupas masculinas por mulheres apareceram em intervalos regulares nas décadas seguintes e agora, quase um século depois, o look vive ainda outro renascimento, especialmente com a marca francesa Céline.

Em Nova York, acontecia a era do Renascimento Harlem, com uma onda de energia criativa de artistas negros, músicos e escritores, notavelmente o escritor e ativista Langston Hughes, um dos primeiros inovadores da poesia do jazz.

Enquanto isso, na Europa, fronteiras raciais eram cada vez mais questionadas, com músicos afroamericanos de jazz sendo homenageados e a dançarina de cabaré Josephine Baker se tornando um ícone da era.

O Grande Gatsby
A obra O Grande Gatsby, de F Scott Fitzgerald, imortalizou a era – inclusive com uma mulher esportista no estilo Lenglen, através da personagem Jordan Baker | Foto: Warner Bros

Era uma época de liberação e rompimento de barreiras, diz Nothdruft.

“A mulher que se dedicada a uma carreira nasceu e pela primeira vez as mulheres podiam escolher não casar. Mulheres jovens trabalhavam durante o dia e saíam desacompanhadas em clubes de jazz, ‘covis’ em Chinatown e bares”. A festa durou 10 anos e então, como Fitzgerald diz, “morreu em um salto espetacular em outubro de 1929”.

Brilhante, mas trágica, bonita, porém maldita, a geração emocionalmente perdida e falida – é assim como as pessoas da era do jazz frequentemente são descritas. Mas é no seu humor e na sua estética, sem falar em seu absoluto progressismo, que a era do jazz continua sendo possivelmente a época mais cativante e culturalmente influente de todas. E divertida enquanto durou.

Como escreveu Fitzgerald em Ecos da Era do Jazz, seu ensaio para uma edição de 1931 da revista Scribner, “após dois anos, a era do jazz parece tão distante quanto os dias antes da guerra. Foi um tempo emprestado de qualquer forma – toda a elite de uma nação vivendo com a despreocupação de duques e a casualidade de uma corista. Mas ser moralista é fácil agora e foi agradável estar na casa dos 20 anos em um tempo tão seguro e despreocupado”.

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