Conselho Municipal recomenda volta às aulas de forma escalonada

Modelo híbrido também faz parte das sugestões da entidade que são deliberativas e servem de norteamento às decisões futuras da Secretaria. Sindicato questiona retorno em 2020 e MPCE avalia protocolo como correto

Legenda: As aulas presenciais, quando forem liberadas, exigirão o distanciamento entre alunos
Foto: Helene Santos

O Conselho Municipal de Educação (CME), órgão consultivo e deliberativo da área na cidade de Fortaleza, publicou um parecer nessa quinta-feira (6), com recomendações que norteiam a retomada das atividades presenciais previstas para o próximo mês de setembro.

Entre as medidas, a volta às salas de aula de forma escalonada, com menos estudantes nas instituições (seja por turma, turno, dia ou semana) e por meio do ensino híbrido. O modelo proposto alterna as atividades entre presenciais e remotas, podendo ser usado, inclusive, conforme o parecer, para complementar a carga horária da aprendizagem.

Além de uma série de medidas sanitárias – como a alimentação em salas de aula e a marcação de distanciamento de 1,5m a 2m entre as carteiras -, o CME recomendou que seja feita a reorganização do Calendário Escolar de 2020 e o replanejamento de conteúdos.As sugestões devem ser avaliadas pela Secretaria Municipal da Educação e são direcionadas a gestores, professores, profissionais da educação e estudantes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.

Para o presidente do colegiado, Nonato Nogueira, essas discussões são as mais importantes para a educação após o retorno das atividades presenciais. “O calendário precisa ser reorganizado. Deve levar em conta o quanto já foi dado, quanto falta e como vamos complementar o que falta. Poderá organizar sábados, domingos, feriados, férias, isso vai depender de uma decisão da rede”, exemplifica.

Com relação ao replanejamento dos conteúdos, Nonato afirma que alguns direitos são imprescindíveis na formação de um aluno. Por isso, será preciso reformular o currículo, pois “não vai dar para cumprí-lo”. Ele ainda afirma que a gestão municipal não terá problemas com relação a essas questões porque não houve paralisação das atividades.

Plano

Em nota, a Secretaria Municipal da Educação (SME) afirmou que um grupo de trabalho está discutindo e elaborando um plano de retorno às aulas na Capital, levando em consideração aspectos pedagógicos, de provimento escolar, infraestrutura e gestão.

“O plano em elaboração trabalha com as várias possibilidades geradas pelo cenário ainda indefinido com relação ao retorno das atividades presenciais, com foco na estruturação da Rede Municipal de Ensino para o atendimento da comunidade escolar da melhor forma possível”, anota a Secretaria.

A Pasta ainda ressaltou que seguirá, rigorosamente, todas as medidas de segurança sanitária orientadas, além de interlocução com categorias profissionais.

Na visão do promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Defesa da Educação do Ministério Público do Ceará (MPCE), Elnatan de Oliveira, as diretrizes do Conselho estão em consonância com as medidas sanitárias já pensadas em diversas reuniões ocorridas entre o órgão que representa e as secretarias de educação.

“O Ministério Público, ao analisar o parecer, tem a opinião de que obedece ao protocolo das unidades públicas de saúde do Estado. Quanto à segurança, o MP tem que ver junto à comunidade escolar. Esse trabalho tem que ser sincronizado porque observo que a grande maioria dos pais não se sente segura da aula presencial na sua plenitude”, avalia o promotor.

Preocupação

Liduína do Nascimento, de 39 anos, tem três filhas matriculadas na rede municipal de ensino, uma de 5 anos e duas de 13. Para ela, a volta às aulas presenciais em setembro está fora de cogitação. “Enquanto não tiver vacina, não sou a favor do retorno. Não dá para garantir que vá ter todas as recomendações necessárias, especialmente com as crianças de 1 a 5 anos. Muitas delas são criadas pelos avós, podem acabar levando o vírus pra dentro de casa”, pondera.

A mãe ainda questiona o modelo de ensino remoto, adotado na tentativa de mitigar os prejuízos aos alunos.

“As atividades foram simplesmente impostas, não foram discutidas com os pais, não houve preocupação com a população vulnerável. Faltou esse suporte para dar garantia a todos os alunos”.

Autônoma, antes da pandemia, Liduína trabalhava vendendo din-din na porta das escolas e acabou perdendo a renda com as atividades paralisadas. Hoje, depende do dinheiro do Auxílio Emergencial.

Para o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará (Sindiute), a proposta de retorno seria fazer os dois anos (2020 e 2021) no ano que vem por meio de ciclos para que os alunos não fossem prejudicados. O documento aprovado pelo Conselho Municipal, porém, não delimita datas para retorno, uma vez que ainda depende das decisões das autoridades sanitárias.

“A Prefeitura tem conversado muito com a gente e revelado a intenção de proteger, mas não dá para assegurar que, em casa, a criança vá ter as mesmas condições de segurança, por exemplo”, diz a presidente do grupo, Ana Cristina Guilherme.

Por isso, o sindicato optou por se abster na votação, uma vez que, na opinião da presidente, “é uma exposição muito grande para uma doença ainda pouco conhecida, são muitos riscos. Anos se recuperam, aprendizagem se recupera, mas vida não. Qual é o prejuízo de uma criança perder os estudos de um ano em função de resguardar a vida?”.

Opinião

Ruy de Deus e Mello Neto, Professor de Política Educacional na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará

Há poucos meses, o Ministério da Educação anunciou o adiamento do Enem 2020, em função da pandemia de Covid 19. O isolamento social tornou mais assimétrica a já desigual disputa por vagas no ensino superior. Diferentes condições de acesso ao ensino remoto e a incerteza do futuro próximo contribuíram com o consenso, embora tardio, sobre a necessidade de repensar o calendário do exame.

A alteração das datas atende a uma demanda da sociedade civil, mas as discussões sobre os impactos de tal decisão ainda não parecem ter entrado em pauta. Vale lembrar que o Enem, além de processo seletivo, configura-se, em função das Leis nº 11.096 e nº12.711 (ProUni e Lei de Cotas), como uma ferramenta de diversificação e de redução da desigualdade no acesso ao ensino superior. O Enem — intermediado pelo SisProuni e o Sisu — consolidou-se como um eficiente instrumento de promoção de acesso de jovens pertencentes a grupos historicamente excluídos deste nível de ensino.

A realização do exame tornou-se, nos últimos anos, uma estratégia de ruptura com trajetórias familiares de não acesso aos níveis mais altos de formação educacional. O jovem de baixa renda passou a construir seus planos de ascensão social baseado em uma chance factível de sucesso no exame, que, de alguma maneira, modula os sonhos, desejos e, até mesmo, os limites do possível e do improvável. O jovem das camadas populares que hoje encontra-se concluindo o ensino médio frequentava o quarto ano do ensino fundamental quando a Lei de Cotas foi implementada. Assim, é muito provável que, quase que como uma força motriz, o Enem tenha se tornado o objetivo central da trajetória desse estudante. No jargão popular, o ensino superior deixou de ser “coisa de rico”.

Em contrapartida, esse mesmo jovem se depara hoje com incertezas em relação ao exame e, mais importante, com um modelo de educação remota que, embora necessário, funciona, quando muito, como um paliativo para o fato de que não há, e possivelmente não haverá, aulas presenciais por um longo tempo. O jovem que havia planejado sua vida escolar para fazer o Enem em 2020 se vê, neste mesmo ano, com quase nenhum estímulo para realização do exame, vivencia um natural distanciamento da vida escolar e, em função da crise econômica, enfrenta maior cobrança para entrar no — normalmente precário e sem perspectivas — mundo do trabalho possível. Toda uma trajetória escolar colocada em xeque, todo um planejamento de vida na berlinda e toda uma geração sob o risco de presenciar a destruição da noção de que políticas públicas podem transformar realidades.

Eis então um dos grandes desafios a serem enfrentados: não permitir ao jovem que o imaginário do “é possível, se eu me esforçar” retorne ao do “não é para mim”. Uma missão da sociedade civil, dos governos, das escolas, de todos.

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