Eleições 2018: como se proteger da tristeza, da raiva e do medo?

Mulher tristeSegundo pesquisa Datafolha, 79% dos entrevistados disseram estar tristes em relação ao Brasil

Desde 2014, o Brasil vem enfrentando momentos de muita turbulência, e a grave crise política que se instalou por aqui, permeada pela desilusão em relação aos políticos e pelo exacerbado confronto entre as pessoas – estimulado, inclusive, pelo discurso de alguns candidatos em suas campanhas eleitorais – só fez piorar este cenário.

O fato é que, na véspera do primeiro turno da eleição deste ano, os sentimentos negativos dominaram de vez a vida dos cidadãos, o que foi confirmado em pesquisa, não sendo fruto apenas de observações feitas nas redes sociais ou em conversas por aplicativos.

Em levantamento realizado no dia 2 de outubro com 3.240 eleitores de 225 municípios, o Datafolha, além da intenção de voto, fez a seguinte pergunta: “Quando pensa no Brasil de hoje, você sente…?”

As opções de resposta eram: seguro ou inseguro, feliz ou triste, animado ou desanimado, tranquilo ou com raiva, confiante ou com medo do futuro e com mais esperança do que medo ou com mais medo do que esperança.

O resultado mostrou que existe uma nuvem bem carregada pairando sobre a cabeça da população: 88% se declararam inseguros, 79% tristes, 78% desanimados, 68% com raiva, 62% com medo do futuro e 59% com mais medo do que esperança. No geral, o pessimismo foi mais relatado por mulheres, pelos mais jovens e pelos mais instruídos.

Apesar de não ter relação com as eleições, a edição de 2018 do Relatório Mundial da Felicidade também merece destaque. Produzido por pesquisadores independentes e organizado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (SDSN), ele revelou que o Brasil caiu seis posições no ranking dos países mais felizes, ocupando agora o 28ª lugar dentre os 156 analisados – o líder é a Finlândia e o lanterna, o Burundi.

Trechos do documento citam que, por aqui, assim como em outros locais da América Latina, a percepção de corrupção generalizada, as dificuldades econômicas e os índices de violência contribuem para a perda na satisfação em relação à própria qualidade de vida.

Levando em conta tudo isso, além da cada vez mais crescente polarização, as discussões acaloradas e a tensão por todos os lados, a questão que fica é: como lidar com os sentimentos negativos?

Como lidar com os sentimentos negativos?

Título de eleitorPara psicóloga, o primeiro passado para fugir dos sentimentos ruins relacionados às eleições é ‘buscar o equilíbrio’

De acordo com a psicóloga Denise Pará Diniz, coordenadora do Setor de Gerenciamento de Estresse e Qualidade de Vida da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o primeiro passo, por mais óbvio que seja, é buscar o equilíbrio.

“Estamos diante de um processo de mudança, que por si só já é um fator estressor. Dessa forma, o que precisamos fazer é encontrar o meio termo, e é cientificamente comprovado que temos capacidade e ferramentas para controlar nossos sentimentos e emoções”, afirma.

A especialista salienta que é importante entender que, em toda situação, existe uma escolha: vivenciá-la com saúde ou com estresse. “A liberdade de escolha pelo gerenciamento dos pensamentos e das emoções depende apenas de nós e pode resultar em comportamentos saudáveis e produtivos.”

Na avaliação do psicólogo e diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental – Equilíbrio (Casme), Yuri Busin, o brasileiro está passando por um grande movimento de transferência de raiva.

“Ao invés de debater e buscar em conjunto um novo caminho ou formas de evoluir, o que tem acontecido é a pessoa despejar seus medos, frustrações e ira nos outros, resultando em amizades desfeitas, parentes se distanciando, casais se desentendendo… O que todos necessitam agora, mais do que nunca, é compreender a fundo seus sentimentos e aprender a debater sem brigas e ataques.”

Outra questão apontada pelo profissional para lidar com tanta negatividade é evitar as chamadas bolhas sociais – ou seja, só se relacionar com quem pensa igual ou parecido e com quem se tem mais afinidades -, por mais tentadoras e seguras que elas possam parecer.

Para ele, bloquear e excluir vozes dissonantes quase sempre gera mais abismo, isolamento e uma visão distorcida do mundo, além de provocar uma falsa sensação de verdade absoluta e roubar a possibilidade de aprender com o outro.

“Afastar, bloquear ou ‘eliminar’ alguém do convívio, suspendendo o diálogo e a negociação, realmente não são as melhores maneiras de lidar e acabar com a raiva e o ódio”, concorda o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Christian Ingo Lenz Dunker.

Segundo ele, o caminho inicial para isso é conhecer a fundo o conflito existente e, a partir daí, fazer uma análise complementar para identificar se ele pode ser tramitado a produzir algum tipo de transformação positiva, seja pessoal ou no mundo.

Símbolos de rosto feliz e tristeAceitar a derrota de seu candidato e fugir de discussões acaloradas podem ser estratégias para evitar a tristeza e a raiva

Dunker informa ainda que é preciso convidar as pessoas a não se levarem tão a sério. “Por um lado, temos de ser mais consequentes com o que pensamos, dizemos, em quem votamos, com os nossos afetos, mas, por outro, necessitamos de menos seriedade em relação a nós mesmos e de menos convicções de que sabemos tudo”, complementa.

E isto se encaixa bem com o que ainda está por vir, já que, independentemente do resultado da eleição, alguém sairá das urnas derrotado.

“Infelizmente, o que está ruim pode piorar. Para evitar que isso aconteça, o lado vencedor, seja qual for, deve adotar uma posição de humildade em relação ao outro, e, o perdedor, aceitar o resultado. Teremos de ter cuidado com os discursos triunfalistas da vitória e com os ressentidos da derrota. Só assim não entraremos em uma fase de destruição, violência e mais negatividade”, acrescenta o psicanalista.

As maneiras de evitar as emoções e os sentimentos ruins em momentos tumultuados passam ainda por questões como trabalhar a flexibilidade e o autocontrole, não se achar o dono da verdade ou se encher de culpa, não incentivar brigas ou fazer provocações, não alimentar aquilo que te faz mal, ter calma, mudar o foco, respeitar e aceitar quem tem ideias contrárias, ter empatia, ficar atento à maneira como se comunica com os demais, não agir de cabeça quente e se afastar antes que as coisas saiam do controle.

Para quem tem dificuldade de lidar com tudo isso sozinho, a terapia é a ferramenta mais indicada. O importante neste caso é encontrar um profissional e um método com os quais você se identifique e estar realmente disposto a se abrir e a mudar.

Junto a isso, adotar um estilo de vida mais saudável e positivo, que inclui atividade física, exercícios de respiração e relaxamento, meditação, leitura e passeios agradáveis e ajuda espiritual, é mais uma maneira de buscar a paz interior, acalmar a mente e, consequentemente, diminuir os pensamentos negativos.

Os efeitos da negatividade

Claro que, em períodos de muita tensão, como o que o Brasil vive atualmente, é normal não se sentir feliz o tempo todo. O problema é quando isso se torna algo exagerado, a ponto de comprometer as relações pessoas, sociais e profissionais.

A psicóloga Marilene Kehdi, pós-graduada em Psicossomática e autora de sete livros, entre eles Organize Suas Emoções e Ganhe Qualidade de VidaUm Convite à felicidade e Vivendo e Compreendendo, destaca que este excesso de negatividade pode se converter em sintomas e até provocar doenças.

“O físico e a mente estão diretamente ligados, então, quando carregamos muitas emoções ruins ou enfrentamos longos períodos de completa instabilidade e estresse, é bem provável que o organismo reaja”, explica.

E ele fará isso liberando uma quantidade extra de hormônios, em especial a adrenalina e o cortisol, sendo que ambos podem deixar sequelas no corpo.

Alguns dos efeitos nocivos são: aumento dos batimentos cardíacos e da pressão arterial, dores musculares e de cabeça, problemas gastrointestinais e na pele, queda de cabelo, insônia, irritabilidade e infecções recorrentes.

Além disso, os quadros de depressão e ansiedade podem se agravar ou até mesmo se instalar, assim como a busca por comportamentos violentos e disfuncionais, por exemplo, o consumo excessivo de álcool e drogas.

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