Euclides na Biblioteca Nacional, por Walnice Nogueira Galvão

Como não podia deixar de ser, fotos de Flávio de Barros cobrindo a Guerra de Canudos são expostas como o documento único que de fato foram.

Em boa hora a Biblioteca Nacional assinala os 110 anos da morte de Euclides da Cunha, realizando uma exposição sobre Os sertões, coadjuvada por atividades correlatas como seminários e um Catálogo com ensaios da curadoria.

Exposições como essa costumam ter dois objetivos. Primeiro, divulgar os tesouros da casa – e, nessa bela e imponente Biblioteca especificamente, são inúmeros. Segundo, abrir canais de comunicação com o público, estimulando seu interesse pela cultura e pelo país.

A exposição em pauta, instalada no térreo, não deixa dúvidas quanto ao desvelo de sua curadoria. Divide-se em quatro módulos:  Os sertões/ Canudos/ A República imaginada e a vida carioca/ Canudos 2017 – Uma exposição fotográfica.

Para os dois primeiros módulos,  a Biblioteca possui materiais em escala quase infinita. Não faltam primeiras edições dos livros de Euclides e de outros autores que estiveram na Guerra de Canudos, manuscritos e revistas, obras de arte visual, fotografias. Quanto aos jornais, de que possui a mais completa coleção do país, já digitalizada, incluem-se todos os que deram cobertura à guerra, acionando a novidade dos enviados especiais. O próprio Euclides foi correspondente de guerra de A Província (hoje O Estado) de S. Paulo. Mandaria do palco do conflito uma série de reportagens que, afora constituírem o embrião de Os sertões, seriam reunidas num livro póstumo, intitulado Diário de uma expedição. 

Como não podia deixar de ser, fotos de Flávio de Barros cobrindo a Guerra de Canudos são expostas como o documento único que de fato foram.

Desdobra-se majestoso o módulo sobre a República, todo baseado em ampliações das maravilhosas fotografias com que tantos grandes artistas, como Marc Ferrez, Juan Gutierrez e Augusto Malta, fixaram imagens do Rio Antigo. A seção de Iconografia da biblioteca é reputada por sua riqueza e pelo bom estado de suas coleções, graças a uma manutenção atenta e zelosa. A cargo de especialistas, o módulo ficou extraordinário, pela beleza das fotos e por seu papel fulcral enquanto testemunho.  Antes da famosa e até famigerada Reforma Pereira Passos, com o Bota-Abaixo e suas violentas transformações, oferecem-nos o Rio Imperial, com seus principais pontos de referência e lugares de memória, como os palácios, o Passeio Público, o Jardim Botânico, a estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, os Arsenais da Marinha, o Itamaraty, o Quartel do Exército, o Hospital da Misericórdia, o Aqueduto da Lapa e tantos outros mais.

Tudo, enfim, que fez a acanhada capital da antiga colônia dar um salto no futuro graças a Napoleão que, ao invadir Portugal, impeliu o príncipe regente D. João com toda a sua Corte de 15 mil pessoas a fugir apressadamente para o Brasil, em 1808. Ainda na Bahia, antes mesmo de fundear no Rio, viu-se obrigado a cancelar o exclusivo colonial, abrindo os portos às nações amigas, portos que imediatamente ficaram movimentados. Desembarcando num arremedo de capital que nem calçadas tinha, dedicou-se a medidas civilizatórias para acomodar a Corte. Criou logo a Impressão Régia, quando até então era proibido imprimir qualquer coisa na colônia. Viriam em seguida o Jardim Botânico, a Casa da Moeda que passaria a cunhar dinheiro aqui mesmo, cursos de Direito e de Medicina, dispensando da obrigatariedade de estudar fora do país, a Escola de Belas Artes, a Escola Militar. Corroborou tudo isso a chegada da Missão Francesa, com o pintor Debret à frente, que viria lustrar os fastos com o necessário banho artístico.

Completam a exposição e se erguem em quarto módulo fotos clicadas no presente em Canudos, mostrando seu estado atual, seus moradores, suas paisagens, as iniciativas mais recentes e de importância ímpar, como a implantação do campus avançado da Universidade Estadual da Bahia, que abriga o Centro Euclides da Cunha.

Alguns poucos  objetos criteriosamente selecionados completam a mostra, como uma árvore sem folhas, garranchenta como as que Euclides descreve em Os sertões.

Preparem-se: a Biblioteca Nacional anuncia para o próximo ano uma exposição comemorativa dos 500 anos da morte de Leonardo Da Vinci, nos moldes desta.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

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