Justiça Concede Liminar Pelo Fim Queima Da Cana De Açúcar Pela Agrovale

Justiça em Petrolina concede liminar para Ação Civil Pública do MPPE que proíbe a queima da cana de açúcar enquanto durar a pandemia.

Saiu hoje (13), a liminar da Justiça de Petrolina que obriga a empresa AGROVALE a suspender a queima da cana de açúcar enquanto durar a pandemia do Covid19. Cabe recurso, ou seja, a empresa ainda pode recorrer desta decisão, mas precisa parar de imediato e caso contrário, a partir de hoje (13), irá pagar multa diária de R$10 mil reais.

Aduz o Ministério Público, através dos Excelsos Representantes Drs. ROSANE MOREIVA CAVALCANTI, ANA PAULA CARVALHO E CARLAN CARLO DA SILVA, em sua peça de ingresso (fls. 01/37), em resumo:

i) Instaurado Inquérito Civil em meados do ano de 2005, com o objetivo de apurar potenciais danos ambientais;

ii) Na colheita de cana de açúcar para a produção de derivados desta, a empresa utiliza duas práticas de manejo, cujos potenciais efeitos lesivos ao meio ambiente são distintos: colheita mecânica e colheita manual;

iii) Pratica, como praxe, a colheita manual, com queima livre da palha da cana de açúcar, com difusão de fuligem para além do município no qual se encontra a empresa, afetando cidades vizinhas, entre as quais, Petrolina, no Estado de Pernambuco, fato atestado desde o ano de 2008, conforme ofício da Agência do Meio Ambiente do Estado de Pernambuco nº 022/2008;

iv) O dano ambiental sofrido pelas comunidades é fato público e notório (art. 374, I, CPC);

v) Decorre da queima da palha graves incômodos, com a produção de partículas sólidas,

conduzidas pelos ventos, causando mortes indiscriminadas de espécies animais, empobrecimento orgânico do solo, facilitando erosões, bem como, causando o fenômeno conhecido como desertificação;

vi) A Agência do Meio Ambiente de Pernambuco (fls. 16/17) já atestou que a fuligem invade os imóveis do município de Petrolina;

vii) Restaram infrutíferas as tentativas do MP de fazer a empresa reduzir o impacto de sua pratica danosa ao meio ambiente;

viii) As manifestações de cientistas das mais diversas matizes têm apontado os danos ao meio ambiente e à saúde humana, decorrentes da queima da palha;

ix) A população de Petrolina convive há décadas com a pratica da queima da palha, sem que medidas enérgicas tenham sido adotadas para cessar a pratica lesiva;

x) O objeto da demanda é a reparação dos danos causados pela sujidade produzida pela fuligem, de responsabilidade da demandada;

xi) A situação se agrava nos tempos atuais com a pandemia do SARS-COV-19, com o aumento de complicações respiratórias, ante a correlação inafastável entre poluição e as taxas de mortalidade (conforme Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, Dr. NELSON GOUVEIA);

xii) Cita estudos que apontam os males da poluição decorrente da fuligem, de responsabilidade inafastável da empresa demandada;

xiii) Aponta pela competência da Justiça Estadual (art. 2º, da Lei nº. 7.347/85), bem como, da legitimidade ativa do Ministério Público Estadual;

xiv) Adentra aos fundamentos jurídicos, invocando a questão do meio ambiente ecologicamente equilibrado, à responsabilidade civil objetiva, decorrendo o dever de indenizar pela poluição de atividade licenciada, pelo dano moral ambiental;

xv) Diz que a pratica é notória;

xvi) Requesta tutela de urgência para interromper o lançamento da fuligem na atmosfera (art. 294, Parágrafo Único, CPC), vez que presentes os requisitos para a concessão da medida;

xvii) Requer a liminar para que se determine s suspensão da queima e difusão da fuligem da palha da cana de açúcar pela demandada no Município de Petrolina, Estado de Pernambuco;

xviii) Requer, finalmente: a) inversão do ônus da prova;

b) condenação da demandada à obrigação de não fazer, ‘consistente em abster-se de utilizar fogo para limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita de cana de açúcar nas áreas per ela exploradas, sob pena de multa diária de R$-10.000,00 (dez mil reais), para ser revertida ao Fundo Municipal do Ambiente de Petrolina, sem prejuízo de medidas outras de natureza administrativa, cível e criminal;

c) condenação definitiva da empresa demandada a promover a recuperação e compensação dos danos ambientais e sócio econômicos provocados em razão de suas atividades, fixando o dano no importe de R$- 534.500.000,00 (quinhentos e trinta e quatro milhões e quinhentos mil reais), valor apurado em parecer contábil específico;

d) condenação em danos morais coletivos, no importe de R$-5.000.000,00 (cinco milhões de reais) a ser revertido ao Fundo Municipal Ambiental; e) produção de prova em geral e condenação em despesas processuais.

É Relatório. DECIDO.

A ação civil pública, no dizer de José Afonso da Silva, (in O Mandado de Segurança e outras ações constitucionais típicas), disciplinada pela Lei n°. 7.347/85, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 1º), protegendo assim os interesses difusos da sociedade.

Meio ambiente, para fins da ação civil pública, é o conjunto de elementos da natureza – terra, ar, flora e fauna – ou criações humanas essenciais à vida de todos os seres e ao bem-estar do homem na comunidade.

Em matéria de ação civil pública, da mesma forma como se verifica com o remédio heroico do mandado de segurança, o provimento da medida liminar exige a presença de pressupostos necessários e cumulativos do fumus boni iuris e o periculum in mora.

O primeiro deles – relevância do fundamento do pedido -, há de resultar da perfeita adequação do fato e do direito, da clareza e precisão das razões e argumentos, expostos na inicial, de modo a sobressair, ressaltar, saliente, proeminente, protuberante, como importante e valioso, o fundamento, a base, o alicerce do pedido autoral (conforme escólio de José Afonso da Silva).

De outra forma, o perigo da demora, se vincula aos riscos decorrentes da postergação da concessão do provimento liminar, com perdas ou danos irreparáveis.

A causa primária dos pedidos dos autos, conforme exposto no relatório supra, é o cometimento de agressão ao meio ambiente, com a emissão e difusão de fuligem que polui as cidades de Petrolina e adjacências de partículas poluentes e com seríssima carga danosa à saúde humana e demais seres, causando sujidade nas unidades residenciais diariamente, além dos danos ao aparelho respiratório de todos que habitam essa região, e, em especial nos moradores de Petrolina, Estado de Pernambuco.

Registre-se, ademais, que o Ministério Público instaurou, conforme noticiado, inquérito civil, no qual se apurou a ocorrência de ilícitos que atentam contra os direitos coletivos ou difusos.

Tratando-se o inquérito civil de procedimento administrativo preparatório, cuja finalidade precípua é produzir informações visando subsidiar a propositura da ação civil pública, para tanto, goza o Ministério Público, conforme preceitua regramento específico, do poder de requisitar informações junto a particulares ou órgãos públicos.

Na verdade, o Ministério Público Estadual percorreu uma verdadeira ‘via crucis’, até chegar no ajuizamento desta ação civil pública, basta compulsar os documentos anexados neste caderno processual. Inúmeras reuniões, solicitações de instalações de equipamento de medição da poluição, solicitação de estudos técnicos, resultando em produção de estudos científicos capazes de apontar os danos e malefícios que a ação poluente causa ao ser humano e aos demais animais, ao meio ambiente, à água, ao solo, além dos efeitos danosos nos próprios trabalhadores daquela unidade empresarial.

Registre-se que, em reunião realizada em data de 02/08/2018, representantes da empresa demandada confessaram expressamente que somente 20% (vinte) por cento da área de produção da empresa se encontra realizando colheita mecanizada, sendo que as demais áreas, quer por decorrência do alto investimento, da topografia e das dificuldades de adequação do sistema de irrigação, se revelam de implementação da colheita mecanizada custosa ou impossível (documento nº. 62735536). Sendo que para amenizar o percentual ínfimo de mecanização, apesar do longo período já atuando na região, aduz que responde por 61 (sessenta e um) por cento da geração de empregos da cidade Juazeiro no Estado da Bahia.

Em nova reunião realizado pelo Ministério Público, com participação de vários outros agentes, a exemplo das anteriores (MPF, MP do Estado da Bahia, INEMA, CPRH do Estado de Pernambuco, entre outros), confessa novamente o seu desinteresse ou impossibilidade de mecanizar a colheita (documento nº 62735536).

Nova reunião (em 22.01.2019), conforme id 62735543, foram deliberadas medidas, sem contudo, se atingir o objetivo finalístico, qual seja, cessar a emissão da fuligem que tantos danos cometem à população desta urbe.

Por fim, produzido o parecer técnico (id 62735545).

Decorrente da demonstração dos documentos supra analisados, vislumbro que encontra-se presente a probabilidade do direito, que está perfeitamente caracterizada na inafastável lesão a direito Constitucional que tem a coletividade a ambiente saudável e que não lhe cause danos e transtornos.

No tocante ao perigo de dano, por sua vez, está concretizado na situação que acomete diariamente toda a população local, especialmente, nestes dias atuais, ante a pandemia que o pais e o mundo vivenciam, agravando sobremaneira os riscos de complicações respiratórias, podendo, em decorrência da poluição da fuligem tratada nestes autos, agravar situações diversas de moradores desta cidade.

Este Juízo não é insensível à força e grandeza do empreendimento empresarial que beneficia a região, não somente à cidade de Juazeiro, no Estado da Bahia, mas diversas outras, inclusive, Petrolina, no Estado de Pernambuco, no entanto, dada a gravidade da situação, os efeitos lesivos que a pratica da queima da palha de cana de açúcar causa, em razão da colheita manual, bem como, da expressa confissão dos representantes da empresa quanto ao desinteresse ou desimportância de buscar solução definitiva para o problema, considerando, ademais, que tal pratica vem sendo proscrita em diversas regiões (vide estatísticas que apontam que no Estado de São Paulo quase 100% (cem por cento) já pratica colheita mecanizada, sem emissão de fuligem, decide por deferir a liminar requestada, para determinar a cessação da queima da palha de cana de açúcar nos campos da empresa demandada, a partir desta data, fixando multa diária no importe R$-10.000,00 (dez mil reais), na forma requerida no exórdio da parte autora (Ministério Público Estadual), podendo a qualquer tempo majorar ou diminuir referida multa.

Para viabilizar o efetivo cumprimento desta determinação, determino que sejam oficiados: a) à Secretaria Estadual de Infra Estrutura e Meio Ambiente do Estado de Pernambuco, com vistas a adotar providências de monitoramento das queimadas, informando a incidência de queimadas na área da empresa, descrevendo os dias e horários de tais queimadas, fornecendo relatórios mensais a este Juízo, para fins de quantificação da multa ora fixada, se descumprida a medida; b) à Univasf, no setor de monitoramento por Satélite, para corroborar com tais informações.

Isto posto, e tendo como parâmetro os precedentes citados no requerimento formulado pelo Ministério Público, a teor do artigo 300 do Código de Processo Civil, defiro a tutela pretendida.

Já se operou a citação da demandada, conforme determinação deste Juízo e devidamente certificado nos autos, portanto, aguarde-se o prazo de resposta, após, desde que ofertada peça de rebate, sobre ela oportunize-se a manifestação do Ministério Público, no prazo legal.

 Com ou sem manifestação, após, faça-se conclusão. 

Cumpra-se.

Petrolina, 12/08/2020.

(Assinado Eletronicamente)

FRANCISCO JOSAFÁ MOREIRA

Juiz de Direito

Assinado

Confira a Decisão:

Concedida-medida-liminar-3988-05.2020

Fonte: Blog Opará

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