Fla resgata DNA antes da Libertadores, e avalia novas ações populares sem reduzir ingresso

Maracanã ficou lotado para o treinamento de terça-feira - Antonio Scorza
Maracanã ficou lotado para o treinamento de terça-feira – Antonio Scorza
Diogo Dantas

O treino aberto promovido pelo Flamengo ontem no Maracanã foi uma espécie de filme em tempo real sobre a história do clube. Imagens que refletem um passado que se foi e, aparentemente, não volta mais. A energia de uma torcida majoritariamente popular, que desapareceu do estádio, mas ressurgiu para contagiar jogadores para o terceiro jogo da Libertadores, hoje, contra o Santa Fé, de portões fechados. O sucesso da ação já faz a diretoria avaliar repetir a dose. O cenário de resgate após punição da Conmebol é reflexo não apenas da invasão ao estádio no ano passado, mas também de uma nova cultura dos clubes.

Com “shows” caros, afastou-se o torcedor mais humilde, e criou-se, em parte, mais animosidade para ver o time de perto entre os que não podem pagar um plano de sócio. Os que não se empurram em filas raras em bilheterias se afastam. Desta vez, o apelo por preços mais baixos ecoou ao lado dos pedidos de raça entre os 45.977 presentes nas arquibancadas. Nelas, bandeiras estavam liberadas e torcidas punidas exibiam seus uniformes ignorando os recentes episódios de violência. Sem apoio da Polícia Militar, o clima foi de paz total.

— É a primeira vez que meu filho consegue ver os jogadores. Deviam fazer isso mais vezes. A gente que não é sócio não tem como pagar, bastava baixar um pouco o valor — implorou o rubro-negro Henrique Santana, 27, que estava com a família e o filho Davy, de 2 anos.

Os genes do DNA rubro-negro foram percebidos por poucos atletas e dirigentes no encontro com a torcida. A festa e o apoio foram praticamente irrestritos. Embora tivessem seus nomes cantados antes, durante e depois da atividade, a interação do elenco com o torcedor, um dos objetivos do treino aberto, não foi vista. O grupo posou para foto no campo com o setor Norte de fundo, aplaudiu a presença da massa, mas quase nenhum jogador parou para fotos ou autógrafos. Apenas o lateral Klebinho foi até a mureta do estádio para saldar um conhecido. E Juan e Julio Cesar atiraram coletes na multidão. O presidente Eduardo Bandeira de Mello, por outro lado, que viveu um Flamengo raiz como torcedor, aproximou-se e ouviu reclamações e pedidos de foto. Posou, conversou, mas na hora de falar como dirigente descartou uma volta ao que se via no passado em termos de precificação e acesso ao povo.

— Praticamos uma política de preços que privilegia o torcedor, mas também a saúde financeira do clube. Não adianta nada colocar o ingresso a R$ 5. Vamos privilegiar os cambistas, ter problemas de acesso e pagar para jogar — defendeu o mandatário, cobrando novamente a abertura de nova licitação do Maracanã.

Selecionados para a coletiva, Juan, 39 anos, e Vinicius Jr, 17, simbolizaram um pouco dos torcedores presentes ao estádio. Ambos lembraram quando ocuparam a arquibancada pela primeira vez, e falaram da importância da relação com a torcida para o sucesso em campo.

— Realizei um sonho. Hoje o Flamengo realizou o sonho de muitas crianças. Sempre vim, sempre acompanhei. Lembro que ia na Gávea quando era menorzinho. Se não fosse jogador, certamente estaria aqui — disse o menino craque.

Juan analisou o pedido da torcida por ingressos mais baixos como quem entende os dois lados. E salientou que não é hora de criar divisão no torcedor.

— Depois da Copa, todos estádios viraram de primeiro mundo. Clubes pagam para jogar e colocar o verdadeiro torcedor e o povo no estádio. Ou cobra mais caro, e deixa esses de fora. Não entendo muito sobre isso. A gente gostaria de ver todo tipo de torcedor dentro do estádio. Futebol é democrático. O povo mesmo dentro do estádio. Infelizmente, nem sempre pode. Mas a torcida do Flamengo está em todas as classes — defendeu.

Na arquibancada, a diferença de perfil era clara em relação aos últimos jogos. Muitas famílias e crianças, negras, tendo a primeira oportunidade de contato com o clube. Brenda e Evelyn, de 10 e 5 anos, vieram da Praça Seca com os pais, Jadson e Elen Costa, que definiram o dia:

— Elas nunca vieram a um jogo e agora estão nessa festa. Flamengo é isso.

No campo, o treino aberto não teve esboço de time. Mas Mauricio Barbieri não deve promover surpresas. Sem Everton, confirmado ontem como reforço do São Paulo, Vinicius Junior é favorito para se manter no ataque ao lado de Paquetá, Diego, Everton Ribeiro e Henrique Dourado. Juan deixou claro por fim que o elenco apoia Barbieri, de 36 anos, hoje interino, mas que ganha corpo para ser efetivado em caso de bons resultados.

— Futebol não tem idade. É o nosso comandante. Maior respeito pelo Maurício. Já tinha como auxiliar, continuo tendo — enalteceu o zagueiro de 39 anos.

O Flamengo lidera o grupo 4 com quatro pontos, dois de vantagem para Santa Fé e River Plate.

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