Força Nacional e intervenção federal: entenda a diferença e quando são usadas nas crises de segurança

Agentes da Força Nacional em FortalezaEm caso de crise, o governo geralmente envia primeiro a Força Nacional, classificada como uma “tropa de pronta-resposta”

Virou roteiro recorrente no Brasil: o governador pede ao presidente da República um reforço na segurança porque a situação fugiu do controle no Estado que administra.

A atual crise de violência no Ceará, que começou o ano com registros de ataques a prédios públicos, bancos e viaduto, é o exemplo mais recente. Até a quinta-feira, o Ministério da Justiça já havia destacado mais de 400 integrantes da Força Nacional para atuar no Estado.

Tropas de Exército, Marinha e Aeronáutica não chegaram a ser enviadas nos primeiros dias e, se a situação for controlada no Ceará, as Forças Armadas não devem participar da ação.

Os nomes semelhantes e o emprego em situações de emergência podem gerar confusão. Qual é a diferença entre enviar a Força Nacional ou as Forças Armadas? Quando cada uma delas deve ser requisitada?

Em geral, o governo envia primeiro a Força Nacional, classificada como uma “tropa de pronta-resposta” e composta principalmente por militares estaduais, e só aciona o Exército, a Marinha e a Aeronáutica se o cenário piorar.

“Quando a ação é pontual, como no Ceará, é possível tentar primeiro com a Força Nacional e, em último caso, usar as Forças Armadas. Já em uma greve de polícia, por exemplo, a Força Nacional pode contribuir, mas tem efetivo pequeno e não tem capacidade de fazer o policiamento de um Estado completo”, explica o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Ademir Sobrinho.

A primeira grande diferença entre os dois grupos está na quantidade. As Forças Armadas têm um efetivo espalhado por todo o país de mais de 370 mil pessoas, considerando Exército (225,4 mil), Marinha (78,3 mil) e Aeronáutica (68 mil).

Militares se preparando para fazer segurança da posse de BolsonaroAs Forças Armadas têm um efetivo espalhado por todo o país de mais de 370 mil pessoas, considerando Exército (225,4 mil), Marinha (78,3 mil) e Aeronáutica (68 mil)

A Força Nacional é bem menor. O Ministério da Justiça não divulga a quantidade “por questões estratégicas e de segurança”, mas a legislação determina que o contingente mínimo deve ser de 500 pessoas para emprego imediato. Segundo integrantes do governo, foi nas Olimpíadas que o grupo chegou ao maior número, com 3 mil integrantes.

Responsável pela coordenação das operações em segurança pública que envolvem o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, Sobrinho defende que o governo federal dê apoio aos órgãos estaduais de segurança para fortalecê-los e, assim, evitar a necessidade de envio de tropas de militares federais.

Sobrinho, que assumiu o cargo em 2015, diz que houve crescimento do emprego das Forças Armadas na segurança pública nos últimos anos.

“Houve aumento, mas principalmente no Rio de Janeiro. Foi o Estado que mais requisitou as Forças Armadas para atuar e, depois, com a intervenção, isso foi prolongado.”

Para João Paulo Botelho, consultor do Senado na área de Segurança Pública, há uma banalização do emprego dos militares do Exército, Marinha e Aeronáutica.

“As Forças Armadas, em GLO (Garantia da Lei e da Ordem), deveriam ser usadas em último caso, mas isso tem sido banalizado. Só deveriam entrar em GLO quando houvesse falência total, esgotamento, e isso nunca houve”, afirma o especialista, que já foi perito criminal da Polícia Federal e oficial do Exército.

General do Exército Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira e o presidente Jair BolsonaroQuando há uma situação de esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, o presidente da República pode determinar uma missão de Garantia da Lei e da Ordem

Antes de o presidente Jair Bolsonaro apelidar o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, de “Posto Ipiranga”, o termo já era comum entre os militares para fazer referência ao que consideram um grande leque de atuação das Forças Armadas.

Outros falam em “canivete suíço” para argumentar que o governo federal tem empregado os integrantes do Exército na tentativa de solucionar os mais diversos problemas: ações de combate ao Aedes aegypti, operações em presídios, missões de segurança pública, entre outros.

Força Nacional foi criada em 2004

A Força Nacional, enviada ao Ceará pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi criada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004.

O decreto diz que a Força Nacional pode ser empregada em qualquer lugar do país, após solicitação do governador. Depois, cabe ao ministro da Justiça determinar a ação, que deve delimitar a área e o prazo das atividades.

Ela é composta por policiais militares, civis, bombeiros e peritos dos Estados e do Distrito Federal. Não é uma tropa federal, segundo esclarece o Ministério da Justiça e Segurança pública, porque a atuação nos Estados é dirigida pelos gestores daquele local. O entendimento é de que os outros Estados auxiliam o solicitante, apesar de o pagamento de diárias a esses profissionais ser custeado pelo Fundo Nacional de Segurança Pública.

“A Força Nacional é uma cooperação dos Estados para auxiliar em situação de necessidade em que o Estado não tem recursos para fazer face aos distúrbios”, explica Botelho.

Para ele, apesar de ser essencial fortalecer as polícias locais, o envio reforço da Força Nacional muitas vezes se faz necessário: “Como as facções são muito capilarizadas, não dá para prever o próximo ataque. Não tem inteligência e investigação que consiga saber isso. É um trabalho de enxugar gelo”, diz.

Botelho pondera, ainda, que “não adianta querer investir só em polícia”. “Isso é um trabalho paliativo: atua no sintoma, e não na causa da doença. O que precisa é educação em tempo integral, ensino técnico, ocupar a cabeça do jovem.”

Agentes da Força Nacional em FortalezaA Força Nacional pode ser empregada em qualquer lugar do país, após solicitação do governador

Antes da criação da Força Nacional, segundo Botelho, não havia o costume de mandar tropas de um Estado para o outro.

“A primeira vez que se pensou em contingente extra foi na [conferência ambiental] Rio 92. Aí, com o tempo, o pessoal teve a ideia de criar a Força Nacional para fazer intercâmbio entre os Estados. Antes, era só na esfera federal que enviava”, explicou.

A Força Nacional também tem atribuição de agir em combate a crimes ambientais e atuar em grandes eventos públicos de repercussão internacional, ações de defesa civil em caso de desastres e catástrofes, entre outros.

Emprego das Forças Armadas

Quando há uma situação de esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, o presidente da República pode determinar uma missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e empregar os militares federais para combater “graves situações de perturbação da ordem”. Isso pode acontecer motivado ou não por um pedido do governador.

O decreto que dá as diretrizes das operações de GLO diz que elas devem ser episódicas, em área previamente definida e ter a menor duração possível.

Nesse caso, cabe ao Ministério da Defesa planejar e coordenar as ações militares. A regra também prevê que a Polícia Militar do local, com anuência do governador, atuará sob o controle do comando militar responsável pelas operações quando for necessário.

O uso das Forças Armadas em GLO aconteceu, por exemplo, no Rio Grande do Norte e no Espírito Santo, além operações de pacificação no Rio de Janeiro.

Mais profunda do que a GLO, a intervenção federal na segurança pública prevê que o interventor – no caso do Rio, foi o general Walter Souza Braga Netto – assume a gestão da segurança estadual e fica subordinado ao presidente da República.

Na primeira entrevista após assumir o cargo, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, afirmou à BBC News Brasil que considera a intervenção na segurança do Rio uma solução radical e que não deve ser replicada.

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