Generais franceses na Argélia tentam aplicar golpe de Estado

Chefes militares na colônia francesa sentem-se traídos pelo anticolonialismo de Charles de Gaulle e se revoltam, sem sucesso
Na noite de 21 para 22 de abril de 1961, quatro generais franceses tentam sublevar os militares estacionados na Argélia e os “pieds-noirs” – franceses que habitavam os países do norte da África – num esforço desesperado para manter a Argélia no interior da república francesa. Era o putsch de Argel.

Três anos antes, em maio de 1958, o general Charles de Gaulle teve de enfrentar uma verdadeira tentativa de golpe de Estado provocada por seus fiéis aliados, partidários de uma Argélia francesa e irritados com a renúncia de dirigentes da IV República a este objetivo.

Ninguém conhecia a convicção íntima de De Gaulle. No passado, havia se  mostrado favorável à colonização mas estava consciente das novas realidades que mostravam ser impossível integrar o conjunto dos argelinos muçulmanos à comunidade nacional dentro de um estatuto de inferioridade.

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Da esquerda para direita, gen. André Zeller, Edmond Jouhaud, Raoul Salan e Maurice Challe, em 23 de abril de 1961

Em 19 de setembro de 1958, a Frente de Libertação Nacional de argelinos rebelados constitui um governo provisório da república visando oferecer um interlocutor válido às autoridades francesas.

Em 23 de outubro, de Gaulle promete uma “paz dos bravos” ao inimigo. O surgimento da V República e o referendo sobre a Constituição em dezembro acompanharam uma primeira descolonização, a da Guiné.

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Em 16 de setembro de 1959, em pronunciamento televisionado de grande repercussão,  de Gaulle fala pela primeira vez do “direito dos argelinos à autodeterminação”.


Charles de Gaulle em 30 de outubro de 1941, ainda como general durante II Guerra, antes de se tornar primeiro presidente da V República

Os militantes da Argélia francesa que ajudaram a levar de Gaulle ao poder começam a se rebelar por se sentirem traídos. Em 23 de janeiro de 1960, o presidente destitui o general Massu. Os “pieds-noirs”, contrariados, se insurgem em Argel no curso de uma sangrenta “Semana das Barricadas” de 24 de janeiro a 1º de fevereiro.

No começo de março de 1960, de Gaulle dá um passo a mais em direção à descolonização. Anuncia uma “Argélia argelina ligada à França”. Ao mesmo tempo, as colônias francesas da África – Camarões, Togo, Madagascar – uma após a outra celebram sua independência política, embora ainda estreitamente dependentes de Paris.

Em 4 de novembro de 1960, assinala pela primeira vez uma “República Argelina”. Preparava aos poucos a opinião pública francesa e argelina para a inelutável independência de 3 departamentos argelinos.

Em 8 de janeiro de 1961, o povo francês aprova por referendo o princípio de autodeterminação de todos os argelinos – 75,25% pelo “sim” na metrópole e 69,09% em território argelino. Dois meses depois, em 30 de março de 1961, o governo anuncia oficialmente a abertura de negociações com o governo provisório argelino.

Enfim, numa coletiva de imprensa em 11 de abril de 1961, de Gaulle fala da Argélia como um “Estado soberano”. A opinião pública tinha pressa em acabar com uma guerra de sete anos que já havia ceifado numerosas vítimas de jovens soldados.

Na Argélia, muitos europeus temiam pela sua sorte e não acreditavam na possibilidade de coexistência com a maioria muçulmana. Essa desesperança atraiu numerosos militares que entreviam um novo recuo da França após a derrota na Indochina.

O general Maurice Challe, nomeado comandante-em-chefe na Argélia em substituição ao general Raoul Salan, tinha estado à frente de várias vitórias militares, entre elas, o “Plano Challe”, de 6 de fevereiro de 1959 a 6 de abril de 1961 que causaram a morte de 26 mil inimigos, 10.800 prisioneiros e a recuperação de 20.800 armas.

Após a conferência de imprensa presidencial de 11 de abril de 1961, Challe decide atravessar o Rubicão. Convence os generais Edmond Jouhaud e André Zeller de a ele se juntar numa nova “revolução”.

Em 20 de abril de 1961, Challe recebe discretamente em Argel o comandante Hélie de Saint Marc, chefe do 1º Regimento de Paraquedistas da Legião Estrangeira. Convida-o a se juntar aos líderes do complô.

Assim, os paraquedistas de Saint Marc tomam o controle de Argel na noite de 21 para 22 de abril.

Ao amanhecer de sábado, 22 de abril, às 8h45, o general Challe faz um pronunciamento na Rádio-Alger : “Estou em Argel com os generais Zeller e Jouhaud e em ligação com o general Salan para manter o nosso juramento: preservar a Argélia”.

Enquanto os golpistas se movimentavam em Argel, De Gaulle assistia a uma representação de “Britannicus” na “Comédie Française” em companhia do presidente do Senegal Léopold Senghor, mas era informado minuto a minuto dos acontecimentos.

Naquela noite de 21 para 22 de abril, o governo em Paris já havia aprisionado os simpatizantes dos golpistas, há muito identificados. Tudo terminou às 6h00, sem maiores contratempos.

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(Pôster de 1962, ano da independência da Argélia: “A revolução argelina, um povo em guerra contra barbaridade colonialista”)

Na Argélia, Challe se resumiu em prender os representantes do governo provisório, recusando-se, todavia, a armar os piedsnoirs que os respaldavam. Teve, porém, a satisfação de receber pessoalmente o apoio do prestigioso general Raoul Salan, que deixara o exílio espanhol às barbas das autoridades, chegando à cidade no domingo, 23 de abril.

Os quatro generais chegam a formar um “Conselho Superior da Argélia”, mas não conseguem o apoio dos altos oficiais e se deparam com a hostilidade dos jovens soldados convocados, indiferentes em grande maioria às querelas envolvendo o futuro da Argélia.

De Gaulle deixa os generais facciosos enredarem-se no secreto desejo de dramatizar a situação e pouco depois os derrota inapelavelmente.

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