Motoboys podem ter aposentadoria especial do INSS
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Motoboys podem ter aposentadoria especial do INSS

Uma alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em vigor desde 2014, é desconhecida de uma categoria de trabalhadores que cresceu muito no Brasil: os motoboys e todos aqueles que usam motocicletas para trabalhar, como repositores de mercadorias, vendedores e mototaxistas, entre outros. Esses profissionais já somam 544 mil pessoas no país, segundo um levantamento de 2021 realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O direito se deve à Lei 12.997/2014, que passou a considerar perigosa a atividade do trabalhador em motocicleta, o que garante o direito à aposentadoria especial do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) .

Especialistas em Direito Previdenciário explicam como comprovar o tempo de trabalho exposto a risco, inclusive para os que prestam serviços a empresas como autônomos e microempreendedores individuais (MEIs).

“A exposição do motoboy à periculosidade da atividade foi garantida pela legislação trabalhista, abrindo espaço para o enquadramento também como tempo especial”, explica Adriane Bramante, presidente do Instituto de Direiro Previdenciário (IBDP).

Para fazer jus ao reconhecimento do período especial, a especialista chama a atenção para o tipo de recolhimento previdenciário. Os MEIs têm que complementar a alíquota em mais 15%, além dos 5% recolhidos habitualmente. Já os autônomos, que recolhem 20% ao INSS, precisam ter documentos que comprovem a atividade sobre duas rodas.

É importante destacar que esse direito é válido somente para as atividades laborais com utilização de motocicleta ou motoneta no deslocamento do trabalhador em vias públicas, que são consideradas perigosas, de acordo com a Lei 12.997/2014.

É preciso comprovar ainda a exposição à periculosidade para ter direito à concessão da aposentadoria especial, mediante a entrega do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). A apresentação da carteira de trabalho e de contracheques com o recebimento do adicional de periculosidade pago pelo empregador também é um passo importante.

Cabe destacar que o PPP é o histórico-laboral do trabalhador que reúne dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica, durante o período em que ele exerceu atividades sujeitas a risco na empresa. O PPP tem por objetivo primordial fornecer informações para o profissional quanto às condições do ambiente de trabalho, o que é fundamental para o requerimento da aposentadoria especial ao INSS.

Thiago Santos da Conceição, de 34 anos, casado, pai de cinco filhos, morador de Magé, na Baixada Fluminense, conta que trabalhava como segurança, mas há cinco anos é motoboy.

“Não tenho registro em carteira, mas tenho CNPJ e faço minhas contribuições para o INSS porque sei que tenho direito à aposentadoria especial”, afirma o jovem, que destaca a periculosidade da atividade que desempenha: “Falta asfaltamento nas ruas, sinalização. O trânsito esta caótico.”

“Trabalho como motoboy há dois anos e meio, sendo o último ano como entregador. Antes, meu cargo era de repositor de mercadorias. O trânsito está muito violento, é perigo para todo o lado. Todos os dias, tudo o que eu quero é conseguir chegar em casa são e salvo para estar junto da minha família. É muita tensão, risco de acidente, buracos nas ruas, falta de sinalização, motoristas que jogam os carros em cima das motos e risco constante de assaltos. Está difícil trabalhar assim”, conta Jean Tavares, de 27 anos, morador da Penha, na Zona Norte do Rio.

O que não conta para aposentadora especial

Ficam excluídas do enquadramento em periculosidade “a utilização de motocicleta ou motoneta exclusivamente no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela; as atividades em veículos que não necessitem de emplacamento ou que não exijam carteira nacional de habilitação para conduzi-los; as atividades em motocicleta ou motoneta em locais privados; as atividades com uso de motocicleta ou motoneta de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido.”

É preciso comprovar a exposição à periculosidade para ter direito à concessão da aposentadoria especial, mediante a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), documento do trabalhador que reúne, entre outras informações, dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica, durante todo o período em que este exerceu suas atividades na respectiva empresa. O PPP tem por objetivo primordial fornecer informações para o trabalhador quanto às condições ambientais de trabalho, principalmente no requerimento de aposentadoria especial.
A apresentação da carteira de trabalho e contracheques com recebimento de adicional de periculosidade também é importante.

Ainda, a atividade especial desempenhada pelo motoboy pode ser comprovada por meio de perícia técnica individualizada.

Como comprovar o tempo especial?

O motoboy precisa comprovar que esteve exposto à periculosidade para contar como tempo especial o período trabalhado por meio do PPP. É neste documento que a empresa deve declarar que o motoboy exerce ou exerceu uma atividade perigosa, se houve uso de equipamento de proteção individual (EPI) como, por exemplo, capacete, luvas. Se esse EPI era eficaz, ou seja, se com o uso do EPI foi possível neutralizar ou reduzir o risco da atividade.

“Um campo muito importante também que demonstra que o PPP foi preenchido corretamente é onde se declara o código da guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP). O código GFIP 04 garante a aposentadoria especial com 25 anos de contribuição e declara que foi aplicada a alíquota suplementar para Financiamento da Aposentadoria Especial (FAE). Essa contribuição é paga pelas empresas para custear as aposentadorias especiais”, explica a advogada Jeanne Vargas.

Ela acrescenta que o trabalhador também pode apresentar o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) que, mesmo não sendo obrigatório, serve para validar as informações do PPP. Todo PPP é elaborado com base neste laudo.

“Além disso, a carteira de trabalho e os contracheques, demonstrando que aquele trabalhador foi contratado como motoboy e recebeu adicional de periculosidade, são fortes indícios para comprovar o agente perigoso. Ainda mais quando a empresa se nega a fornecer o PPP ou, quando fornece, o trabalhador verifica que o PPP não foi preenchido da forma correta”, complementa a advogada.

Ela finaliza informando que perícia no local também pode ser uma solução quando o INSS se nega a reconhecer o período especial e há problemas no preenchimento do PPP/LTCAT, ausência de pagamento do adicional de periculosidade, por exemplo.

Só vale para quem tem carteira assinada?

Segundo Jeanne Vargas, os motoboys que prestam serviços para empresas como contribuinte individual ou que trabalham por conta própria, em princípio, também podem contar o tempo especial.

“Quando o motoboy presta serviços para uma pessoa jurídica sem carteira assinada, é de responsabilidade dessa pessoa jurídica emitir o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP)”, diz.

Já quando o profissional trabalha por conta própria, a responsabilidade de emitir o PPP (com a ajuda de um especialista) é do próprio trabalhador, diz a especialista:

“O PPP é elaborado com base num laudo técnico. Para emitir esses os dois documentos, o PPP e o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), o motoboy que trabalha por conta própria deverá custear sozinho as despesas, contratando um engenheiro de segurança do trabalho ou um médico especialista em saúde do trabalho.”

Como contribuir para o INSS

Quem trabalha por conta própria e quer contribuir para o INSS, via de regra, recolhe 20% sobre sua renda mensal, limitado ao teto do INSS, ou 11% sobre o salário mínimo nacional, abrindo mão da aposentadoria por tempo de contribuição.

“Para o motoboy que presta serviços para uma pessoa jurídica, a contribuição para o INSS é retida no seu pagamento. Entretanto, não há contribuição para custear a aposentadoria especial por não existir previsão legal para isso”, diz a advogada Jeanne Vargas.

Para o motoboy que não tem de carteira assinada, a situação fica ainda mais complicada, porque, na prática, o INSS não aceita a contagem de tempo especial para aposentadoria.

“Esse adicional deve ser pago para os motoboys que trabalham com carteira assinada. Mas cria-se um problema, porque de um lado temos uma categoria de motoboys registrados e que têm a contribuição custeada pela empresa, e de outro lado temos aqueles que não têm”, diz a advogada, que adverte: “A briga vai ser na Justiça para que o INSS seja obrigado a conceder a aposentadoria especial para o motoboy que não trabalha de carteira assinada.”

Segundo ela, uma das alegações em favor do trabalhador é a de que a Lei 8.213/1991, ao falar da aposentadoria especial, não faz distinção entre segurados, podendo concluir que o motoboy que é contribuinte individual também deve ter direito à aposentadoria especial.

“A falta de previsão legal não pode impedir que o contribuinte individual exposto à periculosidade tenha uma aposentadoria especial, mesmo sem fonte de custeio por falta de previsão legal, uma vez comprovada a exposição a risco”, afirma.

Como é feito o cálculo do benefício

Para o segurado que atingiu o direito a aposentadoria após a reforma de Previdência, promulgada em novembro de 2019, a contagem das contribuições é menos vantajosa para calcular o valor do benefício, segundo o advogado Rodrigo Tavares Veiga.

“O cálculo é feito utilizando a média de todas contribuições desde julho de 1994 (sem desconsiderar as 20% menores), e do resultado dessa média o trabalhador vai receber 60% mais 2% para cada ano que ultrapassar 20 anos de contribuição, no caso do homem, 2% ou cada ano que ultrapassar 15 anos no caso da mulher”, diz.

“Por exemplo, um segurado trabalhou por 28 anos em atividade especial em 2022, ao atingir 60 anos de idade. Seu benefício será calculado com base em 60%, mais 16% (2% vezes 8 anos). Sua aposentadoria, portanto, terá 76% da média das contribuições. Se ele tem uma média de R$ 2 mil, por exemplo, sua aposentadoria será de exatos R$ 1.520.”

Pré e pós-reforma
Antes de 13/11/2019

Era preciso comprovar 25 anos de trabalho como motoboy, com um documento atestando a atividade perigosa, tendo, no mínimo, 180 meses de contribuição à Previdência Social (carência). A pessoa poderia se aposentar sem idade mínima ou qualquer outra exigência, se os requisitos fossem atingidos antes da reforma, explica o advogado Rodrigo Tavares Veiga.

Por pontos

Agora, há três requisitos para a obtenção da aposentadoria: 25 anos de tempo especial (trabalho sob condições de risco); 180 meses de carência (mínimo de contribuições) e 86 pontos (homem e mulher), sendo esse último a soma da idade, dos anos sob a contagem de tempo especial e, se houver, do tempo de atividade comum.

Idade mínima

Outra regra criada pela reforma da Previdência (artigo 19, § 1º, I da Emenda Constitucional (EC) 103/2019) foi a instituição de uma idade mínima para a aposentadoria, sendo necessário ter ao menos 60 anos de idade (homem e mulher), além de 25 anos de tempo especial e, no mínimo, 180 contribuições.

Conversão de tempo

Outra situação comum, segundo Veiga, é aquela em que o segurado trabalhou ou trabalha como motoboy, mas ainda não atingiu 25 anos nessa atividade. Nesses casos, há a possibilidade de converter o tempo especial em comum. Isso ajuda a antecipar a aposentadoria do trabalhador, já que há um acréscimo de 40%, no caso do homem, no tempo de contribuição especial. No caso das mulheres, o acréscimo é de 20%. Ou seja, se um homem trabalhou dez anos como motoboy em determinado momento de sua vida laborativa, ele vai poder considerar como tempo de contribuição 14 anos. No entanto, essa possibilidade somente é válida se a atividade tiver sido exercida até 19/11/2019, já que reforma da Previdência acabou com a possiblidade de conversão de tempo especial em comum.