Interior de São Paulo relaxa quarentena e acelera contágios: 13 polos podem espalhar coronavírus em “efeito cascata”

Estudo da UNESP para o Governo paulista mapeou a dinâmica da expansão da Covid-19 e identificou os principais eixos rodoviários pelos quais o vírus se dissemina

Várias pessoas caminham pelo centro de São Paulo na segunda-feira, 6 de abril.
Várias pessoas caminham pelo centro de São Paulo na segunda-feira, 6 de abril.FERNANDO BIZERRA JR / EFE

O Governo paulista registrou nesta terça-feira 67 novos óbitos nas últimas 24 horas, um recorde. Com isso, um total de 371 pessoas já morreram no Estado mais populoso do Brasil por causa do novo coronavírus, segundo o levantamento oficial, com 5.682 casos confirmados da doença. Apesar de a cidade de São Paulo ser o epicentro da Covid-19 no Estado e no Brasil, a preocupação do Governo João Doria (PSDB) vem recaindo nesta semana em cidades do interior, onde as medidas de isolamento social vem sendo menos efetivas, com registros de maior circulação de pessoas do que na capital, segundo os dados de mobilidade analisados pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). De acordo com um estudo feito pela instituição, a Covid-19 vem chegando a centros regionais fora da capital paulista a partir dos principais eixos rodoviários e têm potencial para atingir localidades nos arredores em “efeito cascata”.

Os pesquisadores da UNESP, que integram o Centro de Contingenciamento do Coronavírus do Estado, se debruçaram sobre vários dados e estudos do IBGE para identificar os principais eixos rodoviários que ligam a capital paulista a outros centros regionais do Estado. “Na medida que o tráfico aéreo foi interrompido, essa difusão se dá pelo asfalto por esses eixos e num efeito cascata”, explica o professor Raul Guimarães, do Laboratório de Geografia da Saúde na UNESP. O levantamento identificou 13 municípios de médio porte que são o destino da Covid-19: Araçatuba, Araraquara, Bauru, Campinas, Marília, Piracicaba, Santos, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José dos Campos, Sorocaba e Votuporanga.

“Então, para além da metrópole, estão aparecendo casos nesses 13 principais centros e, em seguida, em municípios predominantemente urbanos que tem forte relação com esses centros”, acrescenta Guimarães. De acordo com o professor Carlos Magno, epidemiologista da Faculdade de Medicina da Unesp (Botucatu), trata-se, em primeiro lugar, de um “modelo hierárquico”, em que coronavírus faz seus principais “saltos” da metrópole para outras cidades a partir desses eixos rodoviários; e depois, “um modelo de contiguidade”, em que o vírus se espalha para as localidades vizinhas.

A boa notícia diz respeito à velocidade de expansão do coronavírus no Estado, explica Magno. Os indicadores de velocidade mostram que, se antes uma pessoa podia contagiar outros 4,5 indivíduos, essa taxa caiu para 2. “O isolamento social é até hoje a única medida conhecida para reduzir o número de mortes e de internação”, explica. A curva de crescimento no interior, porém, se encontra “duas ou três semanas” atrasada. “O isolamento deve ser feito em todo o Estado, não faz sentido decretar em algumas cidades e em outras não”.

O mecanismo

Um exemplo de como o vírus se espalha facilmente por cidades vizinhas se dá nos arredores da capital paulista. A segunda cidade com mais contágios registrados é São Bernardo, polo industrial vizinho da principal metrópole da América Latina. Lá foram registrados 129 casos e 6 óbitos até esta terça.

Porém, até agora, dos 645 municípios do Estado, 121 já possuem ao menos um caso da covid-19. Isto é, 20% do total. Por ora, os municípios rurais do entorno não vem registrando muitos casos. “Mas é uma questão de tempo. A partir do momento que espalhar, você entra naquela fase descontrolada [da epidemia]”, alerta Guimarães, para quem apenas as medidas de isolamento social poderiam frear a dispersão pelo interior.

Essa foi uma das motivações de Doria para estender a quarentena por mais 15 dias, até o dia 22 de abril. De acordo com o professor Magno, a taxa de circulação de pessoas na capital paulista ficou em torno de 60%, mas caiu para pouco mais de 40% em cidades do interior. A média do Estado ficou em 54%. “A orientação é aumentar o rigor. Se houver necessidade de mais medidas restritivas não teremos hesitação em fazer”, afirmou o governador em coletiva de imprensa nesta segunda-feira. O professor Magno acredita que existe “uma falsa sensação de segurança” no interior, o que reduz “a eficácia da mensagem de isolamento”.

Durante a coletiva de imprensa, Doria ainda avisou que a Polícia Militar está autorizada não só a dar orientações como também evitar aglomerações, lançando mão de medidas coercitivas que podem, inclusive, “penalizar as pessoas com penas previstas em lei” e “levar à prisão”. É para medidas como essa que, segundo Magno, reside a importância de identificar a dinâmica da expansão do coronavírus. “Você não vai poder colocar medidas de vigilância nos 645 municípios, mas você pode escolher os 30 mais relevantes nos quais, se houver um grande isolamento social, você protege os vizinhos”, explica o professor da UNESP, que defende implementar a quarentena em todo o Estado e não apenas em algumas cidades. Ainda nesta semana, o Ministério da Saúde falou em flexibilizar as medidas de isolamento em cidades menores onde menos de 50% da rede de saúde esteja comprometida.

Para o infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus, é preciso aumentar o distanciamento social em até 70% para evitar um colapso do sistema de saúde. “Se nós conseguirmos aumentar o distanciamento social, que estava em média de 54%, para 70%, o número de leitos no estado de São Paulo será suficiente para essa primeira onda epidêmica. Se nós não aderirmos a essa proposta do estado, nós teremos mais dificuldade com leitos”, afirmou nesta terça em coletiva de imprensa.

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