Mentiras envenenam a imagem do presidente e ofuscam as boas notícias

Presidente afirmou que a jornalista Miriam Leitão, presa durante a ditadura quando estava grávida, nunca havia sido torturada. Afirmou, também, que a fome não existia no Brasil

Bolsonaro conversa com os jornalistas.
Bolsonaro conversa com os jornalistas. MARCOS CORRÊA/PR

O presidente Jair Bolsonaro recebeu nesta sexta-feira, 19, jornalistas da imprensa estrangeira no Palácio do Planalto, para abrir um diálogo mais fluído com o mundo e, segundo ele, para evitar a imagem distorcida no exterior, envenenada pelas notícias que o desfavorecem na imprensa brasileira. Bolsonaro, porém, faz uso de mentiras ou informações questionáveis que acabam por si só distorcendo a percepção que se faz sobre ele. Se ele é capaz de inventar uma história sobre o passado da jornalista Miriam Leitão por que se acreditaria que os dados de desmatamento que ele refuta são mentirosos, como afirmou na entrevista? Sua estratégia acaba jogando contra si mesmo, e pior, deixa em segundo plano as notícias importantes na área de economia, por exemplo.  Abaixo, algumas de suas frases, comentadas.

FOME | “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista”

Questionado pelo EL PAÍS, o presidente disse que não havia fome de provocar corpos esquálidos no Brasil e minimizou os informes que apontam que a insegurança alimentar persiste no Brasil. Mais tarde, em outro evento, voltou atrás e disse que no Brasil “alguns passam fome”. A FAO, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, coloca o país fora do grupo considerado grave na questão, mas ainda assim estima que um grupo de menos de 5,2 milhões de brasileiros ainda sofrem por comer menos do que o recomendado.

POVOS INDÍGENAS | “Vocês querem que os índios sigam na pré-história” “Há uma indústria de demarcação de terras indígenas”

Desde a campanha, Bolsonaro diz que há, em sua avaliação, terra demais para os povos indígenas, uma informação refutada por especialistas e ativistas da causa. As demarcações acontecem desde o governo de José Sarney, nos anos 80, tiveram um ápice nos governos de Fernando Henrique Cardoso nos anos 90 – quando 145 terras indígenas foram homologadas –, tiveram uma queda nos anos Lula (87 terras), caindo com Dilma Rousseff (21) e chegando a apenas uma terra homologada durante os dois anos e meio de Michel Temer no poder. Bolsonaro não faz esforço para mudar o quadro de paralisia. O Planalto, sob seu comando, tentou deixar a Funai, responsável pela demarcação de terras indígenas [etapa anterior à homolação, que precisa ser chancelada pelo presidente], no guarda-chuva do Ministério da Agricultura, mas foi contrariado pelo Congresso. Mesmo assim, Bolsonaro insistiu na mudança da Funai para a Agricultura por meio de um decreto, que foi derrubado por uma liminar do Supremo Tribunal Federal. Agora, a decisão final depende de uma análise do pleno da corte. Além disso, a Funai sofre, como outros órgãos, com o corte de verbas.

AMAZÔNIA |  “A Amazônia é nossa, não de vocês”, “Estou convencido de que os dados de desmatamento são mentirosos”, “Se o desmatamento que dizem existir no Brasil fosse verdade, a Amazônia não existiria”

O presidente diz que há uma “psicose” pelo meio ambiente. Questionou até os dados do oficial Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento das florestas brasileiras. Os questionamentos às políticas ambientais de Bolsonaro provocaram uma coalizão inédita de ex-ministros do setor, que acusam o Planalto de promover um “desmonte” na área.

MIRIAM LEITÃO | “Ela estava indo para a guerrilha do Araguaia quando foi presa em Vitória. E depois (Míriam) conta um drama todo, mentiroso, que teria sido torturada. Mentira. Mentira”

Bolsonaro mentiu ao falar da jornalista MIriam Leitão, do Grupo Globo. A jornalista, que foi presa e torturada quando tinha 19 anos durante a ditadura militar, em 1972, nunca esteve a caminho do Araguaia. Em 2014, ela contou detalhes da tortura que sofreu enquanto estava grávida. No mesmo ano, a Comissão Nacional da Verdade, documento oficial sobre as violações de direitos humanos do regime militar, descreveu a prática de tortura nos quartéis e anexou o depoimento de Miriam.

ACORDOS COMERCIAIS | “Acordos com China e Japão são bem-vindos” “Diziam que eu me queria me afastar da China, o que não é verdade” “Mercosul negocia acordo com os EUA”

O presidente aproveitou a reunião com jornalistas para enviar recados aos principais parceiros comerciais. Apesar da retórica anti-globalista de seu Itamaraty e de seus próprios comentários críticos a Pequim no passado, fez do mal-estar uma página virada. Ele confirmou a viagem à China em outubro.

VENEZUELA | “Tenho profundo respeito pelo Putin e espero que me ajude na questão de Venezuela”

Bolsonaro também fez uma aceno ao presidente russo, Vladimir Putin, um dos fiadores de Nicolas Maduro no poder. Não elaborou como espera que seja “essa ajuda”. Bolsonaro tem se alinhado a Donald Trump na questão de Caracas: defende a queda imediata de Maduro e reconhece Juan Guaidó como presidente do país.

IMAGEM EXTERNA | “A imprensa estrangeira está envenenada” “O mundo tem uma ideia totalmente distorcida de quem eu sou”

Bolsonaro se ressente de ter “má imagem” no exterior. São, porém, suas declarações como, por exemplo, as em defesa da ditadura ou de torturadores ou frases com mentiras, ou como a que proferiu sobre Míriam Leitão nesta sexta, que têm provocado as reações. Apesar das críticas na imprensa, o presidente goza de apoio explícito de um arco da direita populista, dos EUA de Donald Trump à Itália de Matteo Salvini.

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