Militar vira réu na Justiça por crimes na Casa da Morte durante a Ditadura

Antônio Waneir Pinheiro Lima, o carcereiro da Casa da Morte de Petrópolis, na região serrana do Rio - Reprodução

 

Antônio Waneir Pinheiro Lima, o carcereiro da Casa da Morte de Petrópolis, na região serrana do RioImagem: Reprodução

Alex Tajra

O militar reformado Antônio Waneir Pinheiro Lima também conhecido como ‘Camarão’ se tornou réu hoje por crimes cometidos durante a Ditadura Militar, especificamente na Casa da Morte — órgão clandestino montado durante o regime pelo Exército em Petrópolis (RJ). A denúncia foi recebida pela 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Waneir é acusado pelo MPF de de cometer sequestro, cárcere privado e estupro de Inês Etienne Romeu, considerada a única sobrevivente da Casa da Morte.

Conforme a decisão do TRF-2, o militar responderá por sequestro e tortura. A decisão da Turma foi por maioria, e os votos decisivos foram da desembargadora federal Simone Schreiber e do juiz federal convocado Gustavo Arruda.

Os magistrados contestaram a fundamentação do juiz da primeira instância, o qual afirmou que não haveria indícios suficientes para a sustentação da denúncia. Responsável pelo acórdão, Schreiber afirmou em seu voto que, mesmo com a constitucionalidade da Lei de Anistia respaldada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os crimes praticados por ‘Camarão’ foram contra a humanidade, e, nestes casos, aplica-se a Convenção Americana dos Direitos Humanos.

A denúncia

Após a decisão da 1ª Vara Federal Criminal de Petrópolis de rejeitar a denúncia pela primeira vez, o MPF recorreu ao TRF-2 com o pedido para tornar ‘Camarão’ reú. O recurso, segundo o próprio MPF, foi “retido” peloa Justiça Federal, que postergou seu envio para análise dos desembargadores, “mesmo após pedidos reiterados”. A Justiça de Petrópolis argumentava que documentos incluídos nos autos deveriam ser traduzidos para o português.

Superado o entrave, o julgamento fora marcado para o dia 3 de julho, mas a desembargadora Simone Schreiber pediu vistas do processo.

O MPF sempre deixou claro neste caso que discorda da interpretação feita pela primeira instância em relação à Lei de Anistia. “O MPF contestou esse alcance da lei de 1979, pois os crimes cometidos foram de lesa-humanidade, segundo o Estatuto de Roma (ratificado pelo Brasil), o que os tornou imprescritíveis e não sujeitos à anistia. Para o MPF, a palavra da vítima devia ser considerada, ainda mais em crime sexual como o estupro.”, diz nota do órgão.

A Câmara Criminal do MPF (2CCR/MPF) também já se posicionou neste caso afirmando que “nenhuma mulher, ainda que presa ou condenada, merece ser estuprada, torturada ou morta. E tampouco pode o sistema de justiça negar desta maneira a proteção da lei contra ato qualificado no direito internacional como delito de lesa-humanidade”.

Caso emblemático

Morta em 2015, Ines Etienne Romeu foi a única sobrevivente entre os que foram presos pelo regime militar na Casa da Morte — chamado oficialmente de Centro de Informações do Exército (CIE), mas que funcionava como um órgão de tortura dos opositores da ditadura. A informação foi compilada a partir da Comissão Nacional da Verdade, órgão criado pelo governo brasileiro para destrinchar os crimes cometidos pelos militares durante a repressão.

Há a suspeita de que pelo menos 22 pessoas tenham sido assassinadas no local pelos militares.

A Casa da Morte consolidou-se, durante os anos da Ditadura Militar, como um dos principais centros clandestinos de tortura e extermínio do regime. Cinco anos após o fim da Ditadura, Romeu recorreu ao jurista Fábio Konder Comparato para detalhar tudo que viu e sofreu durante os 96 dias que permaneceu enclausurada na Casa da Morte. Diz Inês, segundo os documentos da Comissão Nacional da Verdade:

“Professor, eu não quero um tostão de indenização. Esse dinheiro de indenização vem do povo e a grande vítima é o povo. O que eu quero é que a Justiça do meu País reconheça oficialmente que eu fui sequestrada, mantida em cárcere privado, estuprada 3 vezes por agentes públicos federais pagos com o dinheiro do povo brasileiro”

De acordo com a CNV, a Casa da Morte “foi criada pelo Centro de Informações do Exército (CIE), no início do ano de 1971, para atender a uma nova estratégia de intensificação do combate às organizações armadas de esquerda pela ditadura.” O relatório cita bases secretas e equipes especializadas do Exército treinadas para uma “política de extermínio e desaparecimento forçado.”

A de Petrópolis, como suscitada pelo jornalista e historiador Elio Gaspari, autor de cinco livros sobre a Ditadura brasileira, era apelidade de “Codão” pelos militares. O apelido é referência aos Destacamentos de Operações de Informação (DOIs), e as Casas eram consideradas “dispositivos complementares” destes aparelhos. A Casa de Petrópolis constava no radar do auto escalão militar do governo, incluindo o então ministro do Exército e irmão do ditador Ernesto Geisel, Orlando Geisel.

“[Geisel] era sempre informado. Estava sabendo. Relatórios eram feitos e entregues ao chefe da seção com os EEI, Elementos Essenciais de Informações. Então, através desses EEI, eles sabiam tudo.”, disse o militar e torturador do regime, Paulo Malhães, em entrevista ao jornal O Globo em 2014.

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