MP acusa oito pessoas de omissão no rompimento da barragem de Brumadinho

Ministério Público afirma que os problemas na estrutura da barragem que se rompeu eram conhecidos da Vale e aponta omissão por parte da empresa. Em ações em Minas, no Rio de Janeiro e em São Paulo, oito funcionários da mineradora são presos


Funcionário é detido: presos teriam envolvimento na emissão de relatórios e no planejamento de segurança da barreira que se rompeu(foto: Paulo Filgueiras/Estado de Minas)
Em mais uma operação policial relacionada ao rompimento da Barragem 1 da Vale, oito funcionários da empresa foram presos, acusados de envolvimento na emissão dos relatórios e no planejamento de ações de segurança do empreendimento que entrou em colapso na região de Brumadinho (MG). De acordo com o Ministério Público, existem provas suficientes de que funcionários sabiam do desastre e, mesmo sob diversos avisos, “ficaram inertes” diante do risco. Na decisão que autoriza o cumprimento dos mandados, o juiz Rodrigo Heleno Chaves destaca declarações de empregados da mineradora ressaltando que a situação de instabilidade era conhecida havia meses.
Foram cumpridos, em Minas Gerais, 14 mandados de busca e apreensão e oito de prisões temporárias (válidas por 30 dias), o que revela que as detenções estão fundamentadas na lei que trata dos crimes hediondos. As ações também ocorreram no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na decisão, o magistrado afirma que os presos “tinham pleno conhecimento da situação de instabilidade da barragem B1”, na Mina do Córrego do Feijão. Ele cita o depoimento do funcionário Luciano Henrique Barbosa Coelho, filho de Olavo Henrique, empregado que atuou durante 35 anos na Mina.
De acordo com o depoimento de Luciano, prestado ao Ministério Público, o pai dele relatou que foi procurado “há uns sete ou oito meses” para avaliar um vazamento de lama na barragem. Ele disse que orientou os responsáveis, inclusive os presos na ação de ontem, a “retirar todo mundo de lá”, pois a estrutura estava comprometida e nada poderia ser feito para recuperá-la. No entanto, de acordo com o Ministério Público, os procedimentos não foram realizados, o que resultou na tragédia humana que se abateu sobre a região.
“Os chefes, técnicos e gerentes presentes disseram que não poderiam tirar o pessoal de lá porque é muita gente envolvida e empregos, dizendo que iam contratar empresa especializada de urgência para consertar a Barragem I”, contou Luciano. O pai dele morreu no desastre. Ele não tinha formação técnica na área, mas, por conta da experiência com a estrutura, sempre era chamado para avaliar os problemas.

Pressão

Entre os presos está Alexandre de Paula Campanha, um dos gerentes da mineradora. Ele foi citado por engenheiros da empresa TÜV SÜD — que tinham sido presos em 29 de janeiro —, contratados pela Vale para emitir laudos atestando a segurança da barragem. Campanha teria pressionado os engenheiros a assinar o documento, ameaçando que, caso não o fizessem, perderiam o contrato.
O delegado Bruno Tasca, chefe do Dema, destaca que os presos vão responder por perdas naturais e humanas em decorrência do desastre. “Eles podem responder por crimes ambientais e homicídios qualificados, porque não houve possibilidade de defesa das vítimas, já que a lama veio daquela forma”, afirmou.
Em nota, a Vale considerou “as prisões desnecessárias porque os funcionários já haviam prestado depoimento de forma espontânea e sempre estiveram disponíveis para esclarecimentos às autoridades”. A mineradora afirmou ainda que seguirá “contribuindo com as investigações”.

Funcionários detidos

» Alexandre de Paula Campanha
Gerente executivo da Geotécnia Corporativa da Vale
 
» Artur Bastos Ribeiro
Integrante da Gerência de Geotécnia
» Renzo Albieri Guimarães Carvalho
Integrante da Gerência de Geotécnia
» Cristina Heloíza da Silva Malheiros
Integrante da Gerência de Geotécnia
 
» Felipe Figueiredo Rocha  
Integrante do setor de Gestão de Riscos Geotécnicos
» Hélio Márcio Lopes da Cerqueira
Integrante do setor de Gestão de Riscos Geotécnicos
» Joaquim Pedro de Toledo
Gerente executivo da Geotécnia Operacional da Vale
 
» Marilene Christina O. Lopes de Assis Araújo 
Integrante do setor de Gestão de Riscos Geométricos

Só segmentos de corpos

Bombeiros localizaram ontem dois corpos incompletos durante buscas em Brumadinho. O número oficial de mortos, porém, se mantém em 166, e o de desaparecidos, caiu para 144. As informações foram repassadas em coletiva de imprensa ontem. Todos os corpos localizados até agora foram identificados. Entretanto, essa quantidade pode aumentar nos próximos dias. Isso porque o IML recebeu 302 segmentos de corpos. Desses, três já foram comprovados de que não eram humanos e excluídos da contabilização.

Cento e cinquenta corpos foram identificados por papiloscopia (impressões digitais), 13 por exames odontolegal e dois por cicatrizes, tatuagens, sinais profissionais, mutilações. Ontem, o primeiro corpo identificado por DNA foi liberado. “A identificação por meio dele é mais complexa, demora mais tempo que os demais”, explicou o delegado da Polícia Civil Arlen Bahia.

O tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros, afirmou que não há previsão de término das buscas. “Enquanto houver a possibilidade de resgate de corpos, vamos continuar as buscas”, disse.

100 casas vistoriadas

Cerca de 100 casas atingidas pela lama da barragem de Brumadinho foram vistoriadas pela Defesa Civil até ontem. Com isso, aumenta a expectativa do retorno das pessoas às suas residências. De acordo com o tenente-coronel e porta-voz do órgão, Flávio Godinho, 45 laudos já foram emitidos e devem ser entregues nos próximos dias. “A expectativa é de que algumas pessoas possam voltar para suas casas. Outras ainda devem permanecer nos hotéis”, afirmou.

A Caixa Econômica Federal anunciou a liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para trabalhadores que tiveram as casas afetadas. Atualmente, a Lei nº 8.036/1990, que trata do FGTS, permite que os beneficiários movimentem suas contas em caso de “necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”. Desde o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), em 2015, esse tipo de tragédia passou a ser equiparado a desastre natural para que as vítimas pudessem movimentar esses recursos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *