O polêmico herói da Lituânia acusado de colaborar com os nazistas

Cerimônia de inauguração de monumento em homenagem ao general Adolfas Ramanauskas-Vanagas, em 4 de maio de 2019Membros da família do general, bem como o ministro das Relações Exteriores da Lituânia participaram da inauguração do monumento

Um monumento recém-inaugurado em homenagem a um herói de guerra lituano na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, gerou polêmica após ser alvo de críticas da Rússia e do Centro Simon Wiesenthal – organização global de direitos humanos que pesquisa o Holocausto e o ódio em contextos histórico e contemporâneo.

Adolfas Ramanauskas-Vanagas – o homenageado – comandou a resistência da Lituânia à ocupação soviética após a Segunda Guerra Mundial.

Mas o Centro Simon Wiesenthal diz que ele também liderou uma milícia que perseguiu judeus após a ocupação nazista em 1941.

A Rússia fez críticas semelhantes e disse que a Lituânia “consistentemente (e ultimamente com o apoio da Otan e da União Europeia) glorifica colaboradores nazistas e carrascos do Holocausto, retratando torturadores como vítimas”.

Essa declaração, postada pela embaixada russa nos EUA, levou o Ministério das Relações Exteriores da Lituânia a convocar o representante da embaixada russa em Vilnius, capital lituana, para dar explicações. O órgão também exigiu que Moscou parasse de “espalhar desinformação” sobre o que chamou de “reputação impecável” de Ramanauskas, e se disse “decepcionada” com as “falsas acusações” do Centro Simon Wiesenthal.

Efraim Zuroff, chefe do Centro em Jerusalém, frisou, no entanto, que a Lituânia deveria encarar sua própria história.

“Eles não estão dizendo a verdade às pessoas e não estão lidando com a verdade”, disse ele à BBC News.

A ministra das Relações Exteriores da Lituânia, Linas Linkevicius, participou da cerimônia de inauguração do monumento no domingo em Chicago – cidade considerada centro da comunidade lituana nos EUA – ao lado da filha e da neta de Ramanauskas.

Quem foi Ramanauskas?

Conhecido como “o falcão”, Adolfas Ramanauskas-Vanagas liderou uma milícia no início da invasão nazista da Lituânia, em junho de 1941.

Os soviéticos tinham ocupado o país em 1940 e é o papel que ele exerceu nas primeiras semanas de ocupação nazista que está em questão.

Cerca de 220 mil judeus viviam na Lituânia quando os nazistas invadiram. O Centro Simon Wiesenthal diz que, durante esse período, Ramanauskas liderou um grupo que perseguiu membros da comunidade judaica de Druskininkai – e que ele mesmo menciona isso em suas memórias.

Não há evidências de que ele teve envolvimento pessoal em alguma morte. O governo lituano ressalta que o que ele fazia, na verdade, era dirigir uma “unidade de proteção à propriedade”, ativa de 23 de junho a 7 de julho de 1941, que apenas protegia casas e lojas e não tinha judeus como alvos.

Em julho de 1941, os nazistas criaram um gueto judeu em Druskininkai – e em questão de meses, restavam apenas 40 mil judeus na Lituânia.

Ramanauskas se tornou um herói nacional depois que os nazistas foram derrotados e a ocupação soviética retornou em 1944.

Ele se juntou à luta pela independência e se tornou chefe da resistência antes de ser capturado pelos soviéticos e executado em 1957. Seus restos mortais foram finalmente encontrados em um cemitério de Vilnius no ano passado e ele foi então enterrado como herói.

Na época, o Ministério da Defesa da Lituânia publicou imagens da cerimônia em que o caixão aparece em meio a soldados e a flores. O post dizia “Em 6 de outubro a #Lituânia deu o adeus final ao general Adolfas Ramanauskas – Vanagas (Falcão), um dos líderes notáveis do (grupo) Combatentes Lituanos Pela Liberdade e um símbolo da resistência da Lituânia contra a ocupação soviética. Seus restos foram encontrados no início deste ano”.

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Como a polêmica se desdobrou?

A embaixada russa nos Estados Unidos protestou contra a construção do monumento, classificando ela como “especialmente cínica”, já que quase coincidiu com o Dia da Lembrança do Holocausto e ocorreu pouco antes do Dia da Vitória na Europa.

Em um post no Facebook, os russos acusaram o grupo liderado por Ramanauskas, que chamaram de Frente Ativista Lituana, de “massacrar e saquear judeus e poloneses” antes de as forças alemãs entrarem na Lituânia em 1941.

Em resposta à Rússia, o Ministério das Relações Exteriores da Lituânia reagiu com indignação na terça-feira, dizendo que “vocês não vão nos arrastar ao nível de vocês”. O ministério afirmou que o grupo Combatentes Lituanos Pela Liberdade resistiu à ocupação soviética de 1944 a 1953.

O Ministério também disse ter ficado “muito desapontado” com o posicionamento do Centro Wiesenthal.

O que o Centro Wiesenthal diz?

Zuroff disse à BBC que não há evidências de que Ramanauskas tenha matado ninguém, mas que ele escreveu “em suas memórias como liderou este grupo vigilante”.

“Este foi um período crítico em que gangues formadas por milicianos perambulavam pelas ruas; judeus foram atacados em mais de 40 lugares antes que os nazistas aparecessem”, disse ele.

Fotografia de judeus lituanos e um soldado alemão durante o Holocausto na Lituânia em 1941Apenas 4% da população judaica da Lituânia sobreviveu aos nazistas

Efraim Zuroff também citou o caso do colaborador nazista lituano Jonas Noreika, um herói nacional que foi executado pelos soviéticos.

Noreika, também conhecido como General Storm, foi recentemente exposto pela própria neta, Silvia Foti, como colaborador nazista que fez “coisas monstruosas”.

Foti disse à BBC no início deste ano como se deparou primeiro com um panfleto antissemita de 32 páginas que ele havia escrito e depois encontrou documentos assinados por Noreika pedindo que judeus fossem mandados para um gueto. Ela também descobriu que ele havia roubado pertences de judeus.

Zuroff lembra que chegou a encontrar membros do Parlamento lituano, o Seimas, em 2017 para explicar suas preocupações. “Eles estavam determinados a homenageá-lo – não importava que ele (Ramanauskas) tivesse ajudado a perseguir os judeus. Isso não parecia incomodá-los.”

O Centro de Pesquisas de Genocídio e Resistência da Lituânia disse à BBC que Ramanauskas nunca colaborou com os nazistas e que a polícia secreta da era soviética KGB havia divulgado mentiras sobre ele para desacreditá-lo.

A instituição citou uma entrada do diário de 1952 registrada por Ramanauskas:

Os ocupantes soviéticos nos chamavam de “nacionalistas alemães”. Eles usavam esse termo para nos desacreditar dentro e fora do país – na esperança de que talvez algumas pessoas acreditassem que estávamos lutando pelas questões nazistas, ao mesmo tempo em que traímos nossa pátria “.

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