O que esperar de Temer após impeachment

1472242460966Hora do adeus: em ato político, em Brasília, na quarta-feira 24, a presidente afastada Dilma Rousseff  disse sofrer punição sem crime ( foto: Andressa Anholete/afp)
 No discurso de posse de presidente efetivo, Itamar Franco sugeriu, em 1992, que a nação alcançara uma maturidade histórica que não admitia mais retrocessos. À frente do Congresso, ele instigou um olhar adiante: “O Brasil está pronto para ocupar o futuro”. Num mandato de pouco mais de dois anos, o presidente e sua equipe legaram as bases estruturais que permitiram inaugurar um período novo de estabilidade econômica no País, com a criação do Plano Real, responsável por domar o dragão da hiperinflação. Falecido em 2011, Itamar conseguiu ver o Brasil colher frutos das reformas de então e sentir um gosto do futuro, ao experimentar, na década passada, um período continuado de crescimento. Não teve tempo, porém, para avaliar uma correção no seu diagnóstico do passado, sobre a possibilidade de o País evitar retrocessos como a recessão atual, nem tampouco para observar a efetivação de mais um presidente interino, o segundo em 31 anos de democracia pós-ditadura.

Se confirmado o prognóstico mais provável, o fim do processo de impeachment, nesta semana, dará a Michel Temer a possibilidade de reeditar a cena do pronunciamento da década de 1990. É bem provável que o discurso traga temas similares aos usados por Itamar, como confiança e estabilidade. Para além da sucessão de um presidente afastado, a semelhança entre os dois é mais do que uma coincidência. Revela o tamanho do desafio nas mãos da nova administração, que mais uma vez terá de encaminhar reformas para garantir a estabilidade de longo prazo. Desta vez, o ponto central é combater o desequilíbrio das contas públicas, fonte de desconfiança de empresários e investidores. De 1991 a 2015, as despesas do governo federal cresceram desenfreadamente, passando de 10,8% para 19,5% do PIB. Com o fim do período de bonança, resultados positivos se transformaram em déficit e escancararam a fragilidade fiscal, com projeções de que a dívida pública alcançaria até 100% do PIB.

Sem mudanças no atual sistema de Previdência, por exemplo, a carga tributária teria de ser ampliada em dez pontos percentuais até 2060 para sustentar o percentual de 17,2% do PIB, estimados pelo Ministério da Fazenda para as despesas com as aposentadorias e benefícios em período equivalente. Para evitar que o Brasil lidere a lista dos países que mais cobram impostos, a equipe econômica de Temer, comandada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aposta suas principais fichas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que limita a expansão dos gastos públicos à inflação do ano anterior. O exemplo da Fazenda mostra que se a regra tivesse sido aprovada há dez anos, o nível das despesas estaria em 10% do PIB hoje em vez de 19,5%. A medida é necessária, mas não suficiente para sinalizar um cenário de controle no futuro. Na fila dos projetos, há pelo menos mais uma reforma urgente na pauta, a da Previdência Social. Ambas dão uma dimensão do desafio político adiante, que pode ser comparado ao esforço necessário para aprovar o texto do Plano Real, em 1994. Na época, as resistências apareceram desde a primeira proposta e iam de partidos como o PT até empresários e membros do próprio governo. Quase 300 emendas foram incluídas na medida provisória que criou a Unidade Real de Valor (URV).

Para que Meirelles consiga repetir o êxito obtido por Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, numa das negociações políticas consideradas das mais difíceis da história, será preciso vencer duas votações na Câmara e no Senado, com maioria de dois terços dos votos, no projeto que limita os gastos. A expectativa é conseguir passar a medida até o começo de 2017. “O governo faz bem quando não antecipa um grande apetite de coisas e apresenta uma sequência razoável de medidas para que o Congresso se sinta sócio do processo”, afirma o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, um dos formuladores do Plano Real. “A experiência que tivemos só ensina que precisa ter muita habilidade para aproveitar as oportunidades no Legislativo.” Sinais de resistência e desgaste começaram a surgir já nas primeiras batalhas da equipe de Temer no Legislativo, como no caso das concessões feitas sobre reajustes de servidores. Em audiências públicas, parlamentares sinalizaram também uma indisposição em apoiar pontos da PEC dos gastos. Com o impeachment concretizado – cenário provável na avaliação de 100% dos cientistas políticos –, a expectativa é que as cobranças aumentem e o Executivo aperte a articulação no Congresso, assim como o esforço de convencimento. Em apresentação a senadores, na quarta-feira 24, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, ao lado de Meirelles, buscou sensibiliza-los citando o risco de o País repetir o exemplo da Grécia. “Ou controlamos a despesa ou deixaremos claro que não há sustentabilidade fiscal.”

Na segunda-feira 29, em seu ato final, a presidente afastada Dilma Rousseff vai proferir no Senado um discurso de defesa no qual deve se colocar como vítima de vingança. Em ato político no dia da abertura dos trabalhos, o ex-presidente Lula chamou o processo de “semana da vergonha nacional”. Na sexta-feira 26, ele e sua esposa Marisa Letícia foram indiciados pela Polícia Federal por suspeita de favorecimento da empreiteira OAS em imóvel no Guarujá. A temperatura política aumentou. No Congresso, os dois primeiros dias do julgamento do impeachment foram marcados por bate-boca e confusões, que quase ofuscaram depoimentos de testemunhas como o auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Carlos Carvalho, que admitiu ter consultado o procurador do Ministério Público de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, para escrever o parecer reprovando manobras fiscais do governo Dilma e que embasam o pedido de afastamento. Ouvido como informante, Oliveira voltou a acusar a petista de ter cometido crime de responsabilidade. “Decretos foram emitidos sem a observância do mandamento constitucional”, afirmou.

O fim do processo de impeachment deve ajudar a arrefecer a tensão política que se estende há meses, melhorando o clima de investimentos. “Se for confirmado o impeachment, acho que vamos assistir, em primeiro lugar, a uma alta da bolsa de valores, o que reduz o custo de capital para as empresas”, diz à DINHEIRO Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco. “Se há uma melhoria do ambiente econômico, as empresas vão se animando para investir e ampliar capacidade.” Os especialistas salientam, no entanto, que tudo dependerá da postura dos parlamentares. “A classe política ainda está de costas para a economia”, afirma Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. Segundo ela, o modelo de “presidencialismo de cooptação” sustentado nos últimos anos tornam o desafio político hoje maior do que na época do Real.

Na aprovação do Plano Real, os efeitos foram observados logo em seguida – a inflação caiu de 916%, em 1994, para 22% em 1995. Se tudo correr bem e o governo aprovar o limite de gastos e a reforma da Previdência, o déficit fiscal só será revertido em 2019. Para Gustavo Franco, se a sinalizações forem contundentes, as expectativas podem antecipar os efeitos positivos. “Depois do impeachment, as pessoas estarão muito curiosas para ver aquilo que por algum pudor não foi mostrado até agora, coisas para o futuro”, afirmou o ex-presidente do Banco Central. “O que a gente quer ver na economia é uma visão, qual é o plano maior.”

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