Os malas: Doleiro diz que passou a perna Cunha quando deixou de repassar propinas

O empresário Alexandre Margotto, que firmou um acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF)
O empresário Alexandre Margotto, que firmou um acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF) Foto: Reprodução
André de Souza – O Globo
Valia a pena enganar e deixar de repassar propina ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). É o que contou o empresário Alexandre Margotto em sua delação premiada, homologada pela Justiça Federal de Brasília na semana passada. Segundo ele, era interessante para seu ex-sócio, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, “passar a perna” em Cunha na divisão da propina paga por empresários de olho nos recursos do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS). Nas palavras de Margotto, Funaro avaliou que “o risco valia a pena”, até porque ele sabia de muita coisa da vida de Cunha.

A delação de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa e ex-conselheiro do FI-FGTS, homologada no ano passado, já apontava que 80% da propina ficava com Cunha, e os 20% restantes eram divididos entre os outros três. Assim, do total, 12% iam para Funaro, 4% para Margotto, e 4% para Cleto.

— Oitenta a 20 é bem desproporcional. É quatro para um. Então, qualquer coisa de 100% que fique a mais para Funaro, ele vislumbrou que o risco valia a pena — afirmou Margotto, acrescentando:

— Se você fala de 1% numa operação de R$ 1 bilhão, são R$ 10 milhões e ele teria que repasar R$ 8 milhões (para Cunha). Então ficar com R$ 10 milhões é de grande relevância.

Em sua delação, Cleto também já tinha relatado um episódio em que Funaro passou Cunha para trás no repasse de propina. Questionado se o ex-deputado nunca desconfiou ou descobriu que era enganado, Margotto respondeu:

— Se descobriu, não tenho como dizer. Mas ele consentiu, porque, na verdade, ele falava para Fábio que (Funaro) era maluco: “deixa maluco, deixa maluco”. E na verdade Lúcio Funaro sabe muito de Cunha.Então não é de boa praxe a briga entre os dois. Me parece que eles são bem alinhados.

CLETO PRECISOU APRESENTAR CURRÍCULO

Segundo Margotto, Cleto teve de apresentar um currículo para Funaro e Cunha para que avaliassem se ele era a pessoa adequada a ser indicada para a Caixa Econômica e, assim, viabilizar o pagamento de propina. Cleto acabou sendo nomeado vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias do banco, onde, segundo a delação de Margotto e do próprio Cleto, tinha que seguir ordens de Cunha. Questionado se Funaro tinha pedido também seu currículo, Margotto respondeu:

— Não. Ele não pediu meu currículo, porque sabia que o currículo do Fábio, por Fábio ter mais experiência no que eles precisavam, emplacariam mais fácil o nome do Fábio que o meu.

Margotto confirmou ainda um ponto da delação de Cleto. Antes mesmo de assumir o cargo na Caixa, Cleto assinou uma carta de renúncia, que serviria como um seguro para Funaro e Cunha. Caso ele se recusasse a atender as demandas do grupo, a carta poderia ser sacada, deixando-o sem emprego.

— Eu estava na minha sala, na mesa de operações do fundo. O Lúcio me chama às pressas. Imprime um papel. Até não sabia do que se tratava. Na hora que eu li era uma carta de exoneração do cargo público mesmo ante de ele assumir o cargo, que era uma forma de garantia para que Fábio fizesse as coisas, atendesse as demandas do próprio Funaro — contou Margotto.

Empresário Alexandre Margotto delatou esquema de propinas no Macaeprev
Empresário Alexandre Margotto delatou esquema de propinas no Macaeprev Foto: O Globo

DELATOR FALSIFICOU ASSINATURA DA MÃE

Em sua delação, Margotto contou ainda detalhes de sua família, de sua intimidade e da relação com Funaro. Afirmou, por exemplo, que uma ex-namorada foi usada pelo doleiro em seu esquema, e que o segundo beijo que deram foi na casa do ex-sócio. Funaro, inclusive, segundo Margotto, era uma pessoa muito organizada, a ponto de dizer o teor de cada documento guardado no escritório. O delator disse ainda que assinou cheques em nome de sua mãe, Elisabeth Rosa, uma vez que, no papel, ela era sócia de uma empresa usada por Lúcio Funaro.

— Assinei até cheques passando pela assinatura da Elisabeth. Pode fazer uma perícia, não bate. E o Lúcio disse que não tinha problema nenhum — contou Margotto.

Vera Carla Silveira, advogada de Funaro, informou que já teve acesso à delação de Margotto, mas ainda não a analisou. De qualquer forma, adiantou que Funaro e Margotto são inimigos assumidos, e que isso tem que ser levado em conta. A defesa de Cunha também vem negando irregularidades envolvendo recursos do FI-FGTS.

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