Pernambuco tem alto índice de crianças infectadas com AIDS; casos podem ser evitados

O Estado lidera índices de casos na região Nordeste. Para evitar a transmissão vertical de AIDS, é necessário que a gestante realize exames, tome a medicação necessária e não realize o aleitamento materno

Laís Araújo

teste sangue
O primeiro passo para que o índice diminua pode parecer um tanto óbvio: é preciso que a gestante seja diagnosticada com HIV ou AIDS. Muitas mulheres desconhecem a própria condição

Pernambuco se destaca do Nordeste por um dado preocupante: mais de 34% das crianças até cinco anos diagnosticadas com AIDS na região estão concentradas no estado. A informação, referente ao último ano que a pesquisa foi realizada, é especialmente inquietante, já que esta transmissão acontece verticalmente – passada de mãe para filho – e pode ser evitada. Os dados comparativos estão disponíveis no Observatório da Criança e do Adolescente, site lançado hoje pela Fundação Abrinq, que reúne e possibilita o acesso a indicadores sociais diversos – de educação à violência – da população com 18 anos ou menos, em todas as regiões do país.

Alaíde Elias da Silva dedicou 20 anos de sua vida para diminuir o sofrimento de famílias e crianças com o vírus no Recife. Ela engajou nesta luta, tendo como suporte uma pequena casa na Boa Vista, após a morte de seu próprio filho, Rachid, que com um ano de idade contraiu HIV a partir de uma transfusão de sangue. Alaíde conviveu com inúmeras famílias a partir da ONG Viva Rachid, criada por ela, e acredita que há uma série de fatores que se retroalimentam e contribuem para o alto número de crianças infectadas. “Não é apenas um fato isolado que gera esta situação, mas uma situação complexa. Às vezes não há o uso do preservativo por causa de um homem machista, que não aceita. A mulher também pode estar submetida a uma situação de violência, e ambos podem ser ignorantes quanto ao risco real da doença. E a situação se agrava com o começo da gravidez.”

dona preocupada
Rachid, filho de Alaíde, morreu após contrair HIV em uma transfusão de sangue

Além do ambiente que propicia a contaminação de mulheres, existe a falta de informação quanto à prevenção necessária durante a gestação. “Existe uma dificuldade de acesso aos testes, às medicações necessárias e ao leite”, ela afirma, citando as formas da prevenção da transmissão vertical – como a medicação por meio de antirretrovirais e a nutrição do bebê por vias alternativas ao aleitamento materno. “Famílias que moram no interior podem não conseguir sequer transporte para ao hospital – e nem sempre a instituição possui infraestrutura e suprimentos para todas as mães. Eu já vi mães paupérrimas, cientes dos riscos de seus filhos, que entendem que o leite materno pode transmitir o HIV, mas, que diziam: ‘eu vou deixar meu filho morrer de fome? Que alternativa tenho?’”, narra, acrescentando que costumava realizar entrega de leite infantil para famílias nestas condições.

Alaíde acredita que o índice só vai diminuir quando houver sintonia entre o Governo do Estado, as entidades colaborativas e as crianças e mães soropositivas. “É preciso que todo mundo siga a mesma demanda e trabalhe junto para terminar a transmissão vertical. É possível evitar.” Ela não coordena mais a ONG Viva Rachid. Após uma campanha para arrecadação de verbas para manutenção dos serviços oferecidos – como apoio psicológico e doações de leite, alimento e materiais de higiene –, Dona Alaíde afirma que se viu “sem autonomia” e sem condição de manter o trabalho que realizava.

Formas de controle da transmissão

O primeiro passo para que o índice diminua pode parecer um tanto óbvio: é preciso que a gestante seja diagnosticada com HIV ou AIDS. Os testes podem ser realizados em Unidades Básicas de Saúde e maternidades. “É preciso que o vírus seja identificado no pré-natal e também a partir do Teste Rápido. Mas o que é especialmente complicado é que as pessoas com HIV podem transmitir o vírus, mesmo que não possuam os sintomas e não saibam da situação. Às vezes elas se sentem bem e não imaginam a condição”, explica François Figueirôa, coordenador do Programa Estadual de DST/Aids da Secretaria Estadual de Saúde. Ele ressalta a necessidade da detecção nas primeiras consultas, ainda no primeiro trimestre. “Mas, há ainda as gestantes que contraem o vírus durante a gestação, o que dificulta mais ainda que ele seja identificado.”

Caso o HIV seja determinado durante o exame pré-natal, deve ser iniciado tratamento com medicamentos antirretrovirais. Se a carga viral do sangue estiver suficientemente baixa, é possível que o bebê nasça de parto normal. “Mas se a carga for detectável, não estiver baixa, a cesárea deve ser realizada com os procedimentos padrões que evitam a contaminação”, afirma François. Após nascer, o bebê deve receber o “xarope” – como por vezes é chamado o medicamento antirretroviral – por quatro semanas, sendo acompanhado neste tempo por profissional especializado. Os hospitais de referência neste tratamento no Recife são o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), o Hospital Barão de Lucena e o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), conhecido como Maternidade da Encruzilhada.

A contaminação também pode acontecer através do leite materno, então a criança deve ser nutrida a partir de fórmula infantil disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Razões para os altos números
Segundo o Boletim Epidemiológico AIDS/DST de 2014, realizado por departamento especializado do Ministério da Saúde, Pernambuco possuía o maior número de gestantes com HIV no Nordeste durante o ano passado – foram 144 mulheres. No relatório também é identificado que, contabilizando os óbitos desde 1980, o estado tem o maior número de mortes na região. Somente no ano passado, 550 pessoas morreram em Pernambuco devido à síndrome.

François afirma que a grande quantidade de casos em comparação ao restante da região pode ser causada pelo alto investimento da Secretaria em registrar os casos – ele acredita ser possível que em outros estados haja uma subnotificação. Mas acrescenta: “registramos os casos que existem, então o número é realmente alto”. Para o coordenador, quando se trata de transmissão vertical, o consumo de crack pode ser uma razão para os números. “Talvez essa seja uma característica que nos diferencie. Muitas usuárias não aderem ao tratamento, e é sempre a gestante que deve procurar esse atendimento, ele não pode ser imposto.”

É preciso também que, caso o vírus seja identificado, a grávida faça o que é recomendado nas unidades de saúde. “Essa transmissão é evitável, grávidas com HIV podem ter filhos sem o vírus. É preciso que haja disseminação de informação, que elas recebam o tratamento.”

Fonte: Diário de Pernambuco

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