“Queimadas são resultado de má fé, preguiça e ignorância”

Na Amazônia, focos de incêndio nos primeiros 20 dias de agosto superaram marcas registradas nos últimos nove anos. Em entrevista à DW, pesquisador do Inpe aponta que cenário pode ser ainda pior até o fim do ano.

    
Amazonas Abholzung des Regenwaldes (Getty Images/AFP/R. Alves)

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que as queimadas no Brasil aumentaram 83% quando comparadas as ocorrências registradas entre janeiro e 18 de agosto de 2019 às do mesmo período no ano passado.

Segundo o Programa Queimadas do Inpe, nos primeiros oito meses deste ano foram registrados 72.843 focos de queimadas contra 39.194 no ano anterior.

Apenas na região Amazônica, foram detectados 22 mil focos incêndios florestais entre 1° de 19 de agosto, superando marcas dos últimos nove anos, que ainda consideravam o total de dias do mês.

Nos primeiros 20 dias de agosto, o Pará registrou 7.130 focos de incêndio e o Amazonas conta até agora com 5.305 focos – taxa mais alta verificada no Estado desde 2005. Mato Grosso e Rondônia são os próximos no ranking, com 4.905 e 4.424 focos de queimadas respectivamente.

Sete vezes ao dia, imagens de pelo menos oito satélites são atualizadas no sistema para indicar os focos detectados. As informações são públicas e podem ser consultadas livremente.

Em áreas de monitoramento especial, como unidades de conservação, e-mails de alerta são enviados aos órgãos responsáveis seis vezes ao dia – ou em forma de resumo diário às 23h20 (horário de Brasília).

Os satélites usados no programa têm capacidade de detectar frentes de fogo a partir de 30 metros de extensão por 1 metro de largura. É na temporada de seca na Amazônia que os números disparam, entre junho e outubro.

Proibidas pela legislação de uma forma geral, as queimadas provocam morte de animais e devastação da vegetação, deixam o solo mais pobre e reduzem a absorção de água pelo solo.

Em entrevista à DW Brasil, Alberto Setzer, pesquisador do Inpe e coordenador do Programa Queimadas, alerta para novos recordes no número de focos de incêndio em 2019.

DW Brasil: Como vocês têm percebido pelo monitoramento o comportamento do fogo na Amazônia nesta temporada de seca?

Alberto Setzer: : Os dados estatísticos mostram que na Amazônia Legal e Bioma Amazônia estamos próximos das médias no período de seca (junho a outubro).

Já no período específico de 1° de janeiro a 19 de agosto de 2019, as detecções de focos de queimadas/incêndios que consideram os Estados da Amazônia e o restante do Brasil já são as maiores em anos recentes.

Especificamente na Amazônia, 2019 também está sendo mais seco que o normal. Então são esperados totais anuais próximos ou mesmo superiores a 2017, um dos anos com maior registro de focos na região.

Qual tem sido o impacto desses incêndios florestais na região e em outras partes do país?

Pelo o que se acompanha na mídia, o impacto está sendo negativo com dezenas de milhares de internações em hospitais devido a problemas respiratórios causados pela fumaça das queimadas/incêndios, mortes em acidentes rodoviários e em áreas rurais, perdas de propriedades e plantações, interrupção do tráfego aéreo, etc.

Vários Estados declararam situação de emergência devido ao uso indevido do fogo, como Acre, Amapá, Pará, Maranhão, Rondônia. A fumaça alcança outras regiões, algumas distantes milhares de quilômetros. Mantemos alguns exemplos no nosso mostruário de validações.

O que é possível comentar sobre as causas dos incêndios a partir das observações ?

A causa em 99,9% dos casos é a atividade humana – proposital ou acidental. Costumo fazer menção a José Bonifácio de Andrada e Silva (estadista do Império), que há uns 200 anos referiu-se às queimadas como “resultado da ignorância aliada à preguiça e à má fé”.

Como hoje em dia os efeitos das queimadas são amplamente conhecidos, precisamos apenas alterar a sequência e nos referirmos às queimadas como “resultado da má fé associada à preguiça e à ignorância”.

Como os dados do programa de monitoramento de queimadas têm sido usados?

Eles são usados amplamente nas operações e na gestão administrativa de combate às queimadas, para autuar infratores, e em trabalhos científicos diversos.

Iniciativas como o Centro Integrado Multiagência de Coordenação Operacional e Federal em Brasília (Ciman) são alimentadas e mantidas pelos dados de queimadas do Inpe. Entre os inúmeros usuários destacam-se as secretarias estaduais de meio ambiente, Ibama, ICMBio, ANEEL, ONS, Corpo de bombeiros, Polícia Ambiental, Serviços Florestais estaduais, entre outros.

Possivelmente, nenhum outro trabalho técnico/científico no país é tão utilizado como os dados e resultados gerados pelo Programa Queimadas do Inpe.

O programa já recebeu recursos do Fundo Amazônia e também de parcerias de cooperação técnica internacional de agências alemãs. Há algum risco de sofrer com o corte de verbas anunciado pelos governos da Alemanha e Noruega?

Por enquanto não temos nenhuma informação a respeito. O apoio nos últimos que tivemos da Agência de Cooperação Alemã (GIZ) e Banco de Desenvolvimento Alemão (KFW), do Banco Mundial e do Fundo Amazônia para o Programa Queimadas foram para projetos que já se encerraram.

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