Quem diz que o Supremo não erra?

Vou contar um segredo para vocês, só não espalhem: juízes erram, desembargadores erram, ministros do STJ erram e ministros do STF erram. Logo, o STF também erra.

Perdoe-se o truísmo, mas os ministros do STF não são seres sobrenaturais, mas seres humanos; e por isso erram. Digo e repito, para quem quiser e se dispuser a ouvir.

Recorra-se às palavras do Filho de Deus: “quem nunca errou que atire a primeira pedra”. Aliás, vou além: se nós homens fomos criados à semelhança e imagem de Deus (e somos todos seres errantes), Deus também deve errar, vez em quando.

Por que o STF é integrado por seres humanos é que não possui o poder de não errar. O privilégio que possui, se é que possui e se pode designar por privilégio, é o de errar pela última vez. Calamandrei, que juntamente com Chiovenda, Carnelluti e Capeleti formou o quarteto de processualistas mais famoso do mundo, disse, certa vez, que a coisa julgada (eficácia da sentença que a torna indiscutível e imutável) “transforma o que é preto em branco e torna o quadrado redondo”. O mesmo acontece com as decisões finais do STF. Errando ou acertando, o erro ou acerto são finais. Nada mais. Nem menos.

EMBARGOS INFRINGENTES

Por não melhores (ou diferentes) motivos, parece-me arrogante o argumento de que o STF, já tendo julgado determinada causa, não possa rever seu julgamento ou reformá-lo, ainda quando a lei, sempre a lei, institua o recurso cabível para tanto (princípio da taxatividade), no caso, os embargos infringentes.

O sistema judicial pátrio, ao criar os recursos, pensou exatamente nisso, no temido erro judicial. Nenhum ser humano, por mais célebre que seja, possui o dom de não errar. E é para diminuir o risco do erro, ou até mesmo para que se erre menos, especialmente quando se encontra em jogo um bem da vida caríssimo a qualquer cidadão (liberdade, propriedade), que existem os recursos.

A segunda opinião tende a conformar, se a primeira foi acertada; e a corrigir, se a primeira se deu com desacerto. Mas, em ambos os casos, a segunda opinião, sobrevinda com a apreciação do recurso, tende a conferir maior segurança jurídica ao que foi julgado.

E quem diz que o STF erra, ao menos pode errar, não sou eu, mas a lei, que presume a possibilidade de a maior Corte de Justiça do país errar, ao instituir no ordenamento jurídico pátrio o pedido de revisão criminal e a ação rescisória dos seus julgados.

REGIMENTO INTERNO

O Regimento Interno valia até semana passada, mas agora não vale mais? Por isso me parece pífia e inopiosa a argumentação de que o julgamento tem que acabar logo, para que se dê uma satisfação à sociedade e às vozes rueiras, em suma e em síntese, à opinião pública. O julgamento tem que acabar, mas respeitando-se as regras do jogo, do processo e as garantias fundamentais do cidadão previstas na constituição, caso contrário o Judiciário brasileiro não será maior que a Uganda, dos tempos do crudelíssimo Idi Amin Dadá.

Por outro lado, a explicação por não existir embargos infringentes no STJ e existir no STF é muito simples: quando a Constituição da República de 1967 autorizou o STF a criar e disciplinar os recursos afeitos à competência jurisdicional do Supremo (que assim agiu em 1980, publicando o seu regimento interno do Diário Oficial), o STJ ainda não existia, haja vista só ter sido criado pela Carta de 1988. E o legislador constituinte não é vidente ou tinha como consultar o Oráculo de Delfos, para adivinhar, em 1967, que um novo Tribunal Superior seria criado 21 anos após.

Se aprendi alguma coisa com a advocacia foi defender o direito alheio; mas como ensinou o gigantesco Eduardo Couture “luta pelo direito, mas se o direito se encontrar em confronto com a Justiça, luta pela Justiça”.  Esse foi o meu juramento: lutar pela Justiça. E não consigo acreditar em Justiça senão naquela que é igual para todos, independentemente do sentimento de simpatia ou antipatia que porventura se tenha pelo acusado.

Fernando Orotavo Neto é advogado, professor universitário e jurista.

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