Em “A Invenção da Celebridade”, Antoine Lilti revela que o fenômeno gerou uma linhagem de heróis midiáticos destruídos em público

Reféns do sucesso

ESCÂNDALO Maria Antonieta em tela de Élisabeth Vigée Lebrun, exposta na Academia em 1783: o vestido de musselina virou moda e chocou a nobreza por mostrar a rainha na intimidade

Luís Antônio Giron

” Certo dia, acordei e descobri que era célebre”.

A frase soa plausível na boca de uma estrela pop atual como Ariana Grande. Mas é atribuída ao poeta Lord Byron, que a teria dito num resmungo. No início do século XIX, Com seus poemas satânicos, Byron protagonizou a primeira onda de erotismo feminino. Rebelde, belo e radical, tornou-se não só o ídolo de uma religião pagã, o romantismo, mas o amante secreto de cada uma das leitoras que se apaixonaram por sua imagem, fixada nas gravuras baratas. Como ele temia, o byronismo estava ridicularizado em 1840.

“A expansão da celebridade é ligada ao desenvolvimento da publicidade e a uma nova concepção do eu” Antoine Lilti, historiador

Não é de hoje que se criam figuras públicas com a promoção de seus nomes nos meios de comunicação para cedo ou tarde ser esquecidas e linchadas. É o que demonstra o historiador francês Antoine Lilti no livro “A Invenção da Celebridade (1750-1850)”, da editora Record. Lilti estará no Rio de Janeiro em São Paulo em 24 e 25/9 para divulgar a obra, resultado de dez anos de pesquisa.

Lilti explica os mecanismos da celebridade e como eles alteraram a forma de praticar e divulgar política, artes, filosofia, literatura, esportes e até crimes. A cultura das celebridades não é uma característica da sociedade hipermidiática, mas remonta ao século XVIII, no despontar do iluminismo, da opinião pública e das primeiras técnicas de comunicação à distância, como jornais, revistas, prensas de gravura e ateliês de moda. “A expansão da celebridade é ligada ao desenvolvimento da publicidade e uma nova concepção do eu”, afirma Lilti. “Essas duas revoluções constituem as duas faces da modernidade.”

Folheto pornô

A partir da nova esfera pública, a celebridade suplantou os dois outros gêneros clássicos de notoriedade: a glória e a reputação. A primeira se deve às façanhas póstumas. A segunda depende de um grupo e da socialização de opiniões. A celebridade desperta a curiosidade do grande público e estabelece com ele um pacto de “intimidade à distância”.

O teatro foi o primeiro local público a encenar o espetáculo midiático da celebridade. Cantoras e castratos rendiam colunas de fofocas e folhetins. Mesmo as atrizes trágicas padeciam. A inglesa Sarah Siddons e a francesa Rachel eram surpreendidas na intimidade por hordas de admiradores.

Os poderosos não fugiram à sina. Napoleão se vendeu como a personificação da revolução europeia. Estatuetas e ilustrações viraram febre. Maria Antonieta (1755-1793) ficou famosa por evitar rituais monárquicos. Ao posar para uma pintura como plebeia em 1783, causou choque e incentivou a circulação de folhetos sobre suas supostas aventuras sexuais. Os filósofos iluministas ganharam seu quinhão. Discípulos atormentavam Voltaire com visitas. Para seu horror, popularizaram-se gravuras do grande homem em atividades banais. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi o pioneiro a refletir sobre o tema. Mestre
da autopromoção, criava polêmicas e promovia tumultos. E propunha um vínculo sentimental com os leitores.

No auge da fama, renegou a fábrica de opinião que ajudou a elaborar. Não adiantou: admiradores o perseguiam. Rousseau foi o primeiro escritor a ficar célebre por não querer ser célebre. Morreu crente de que era vítima de um complô, como muitos que o sucederiam.

A celebridade encerra um paradoxo: é o sonho coletivo de ascensão social, mas alvo de críticas e ironias, por ser considerada superficial e efêmera. “A celebridade nunca foi legítima”, diz Lilti. “Mas nunca deixou de ser cobiçada.”