Salário atrasado atrapalha tratamento de servidores e saúde se torna preocupação

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– Foto: Thiago Freitas / Extra – Cidade
Nelson Lima Neto

O dia a dia na casa de Aurelinda Dávila Costa, de 95 anos, mudou desde o início da crise que atrasou os pagamentos de salários aos servidores estaduais. Aposentada pela Secretaria de Fazenda, a idosa mora com o filho, Wilson Cruvello, de 44 anos, e precisa de cuidados médicos 24 horas por dia, em função do mal de Alzheimer. O filho explica que, desde o ínicio do parcelamento dos vencimentos, a saúde da mãe piorou.

— Há três pessoas cuidando dela diariamente. Minha mãe precisa de geriatra, neurologista e fisioterapeuta, e tudo era contemplado pelo plano de saúde. Hoje, o pagamento está atrasado — disse Wilson, mostrando o rol de remédios usados por Aurelinda.

Segundo o filho, a idosa perdeu massa muscular e ficou mais fraca em função dos problemas ósseos.

— O gasto médio que temos por mês chega a R$ 6 mil, com assistência de enfermagem, medicamentos e exames. Minha mãe trabalhou 35 anos para o Estado, querendo uma aposentadoria digna, e hoje a colocam nessa situação — lamentou.

A situação da aposentada é comum entre os servidores. Nas redes sociais, relatos de internações e complicações de enfermidades são comuns. Os depoimentos mais frequentes são de aposentados e pensionistas que já têm doenças crônicas e são os mais afetados pelos parcelamentos salariais feitos pelo governo.

Andréa está com contas atrasadas
Andréa está com contas atrasadas Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Para Andréa Silva, que é pensionista da Polícia Militar, o transtorno causado pela crise gera dúvidas sobre o futuro de pessoas com doenças graves.

— Eu tenho linfoma, mas, graças a Deus, o problema está controlado. Eu não faço uso recorrente de remédios. Vou ao oncologista e faço acompanhamento. O problema é que não consigo pagar mais o plano de saúde. As contas estão se multiplicando, enquanto o salário vem entrando na conta em parcelas — lamentou.

Nas redes sociais, servidores estão criando grupos que buscam dar suporte ou publicidade aos casos mais complexos agravados pela falta de pagamento. Há também casos de pessoas que recebem ajuda de várias categorias para pagar as contas e, principalmente, comprar remédios.

Dispensa vira a opção

O deputado estadual Flávio Serafini (PSOL) enviou um ofício à Defensoria Pública do Estado do Rio, no dia 4 de janeiro, pedindo que o órgão interfira a fim garantir melhores condições de vida aos servidores que estão com os salários atrasados. No documento, o parlamentar informou que há diversos casos de pessoas com problemas de saúde ou sem condições financeiras de se deslocar para o trabalho. Segundo ele, uma ação mais efetiva do órgão poderia evitar mais desgaste para o funcionalismo.

“O trabalhador teme represálias, punições e cortes de ponto ao se ausentar do serviço, mesmo que por razões absolutamente justificáveis”, declarou no texto.

Entre os trabalhadores, o medo de sofrer represálias após qualquer tipo de reclamação persiste. Uma estatutária com problemas de saúde lembrou que a perseguição ainda existe no serviço público:

— Não posso aparecer. Falar ainda é muito perigoso — disse.

Licenças na PM são complexas

Apesar dos transtornos causados aos servidores, o governo do estado garante que o número de pedidos de licença por motivo de doença diminuiu nos últimos dois anos e meio. A Superintendência de Perícias Médicas e Saúde Ocupacional, vinculada à Secretaria estadual de Saúde, informou que há cerca de 4.700 funcionários públicos estaduais civis licenciados atualmente. O detalhe é que este grupo não inclui policiais militares e bombeiros que estejam fora de serviço em função de alguma enfermidade.

Segundo a PM, para ter o número exato dos militares fora de serviço, seria necessário fazer uma pesquisa minuciosa. O mesmo pedido foi feito ao Corpo de Bombeiros, que também justificou a falta de informações pela necessidade de se fazer um levantamento detalhado.

Durante a última semana, o número de policiais militares em busca de pedidos de renovação de licenças por motivo de doença chegou a gerar 12 horas de fila no Hospital Central da Polícia Militar (HCPM), no Estácio, na Zona Norte. Os agentes também estão sem tratamento psiquiátrico desde setembro, quando o setor que havia dentro da unidade de saúde foi fechado por falta de médicos. A orientação, segundo os próprios PMs, é custear o tratamento do próprio bolso.

 

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