Súplicas da Imperatriz: quando uma carta de Leopoldina contribuiu para a Independência do Brasil   

“Pedro, o Brasil está como um vulcão”, afirmou a esposa do imperador em um texto escrito em meio ao caos político do país

Vanessa Centamori
D. Pedro I e Imperatriz Leopoldina reunidos em retrato oficial
D. Pedro I e Imperatriz Leopoldina reunidos em retrato oficial – Arnaud Pallière via Wikimedia Commons

Casada com D. Pedro I por procuração em novembro de 1816, Dona Leopoldina era conhecida por sua vasta inteligência, sendo uma mulher bastante estrategista. E, embora tenha ficado nos bastidores do desligamento de Portugal com o Brasil, o seu papel foi, na verdade, de protagonista. Sem ela, o imperador talvez tivesse pensado duas vezes antes de gritar “Independência ou morte!”.

Como princesa real, Leopoldina já calculava à frente. Isso porque a atuação política de vossa alteza antecede até mesmo sua fase de imperatriz consorte. O seu maior talento talvez seja a influência — em especial sob o seu marido. Por isso, o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822), foi tanto uma vitória dos brasileiros quanto da princesa.

Substituindo o traidor

Pedro era um infiel que traía Leopoldina com inúmeras amantes, sendo a mais conhecida delas Domitila de Castro, a famosa Marquesa de Santos. Apesar da relação ter sido um fiasco, provando que possuía intelecto e objetivo, a princesa assumiu o papel de regente no lugar do marido adúltero, que assim permitiu.

Como Príncipe Regente, ele havia viajado para São Paulo, em agosto de 1822, para esfriar os ânimos antes da independência. O calor vinha dos temores de que uma guerra civil podia separar a Província de São Paulo do resto do Brasil.

Dona Leopoldina / Crédito: Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Enquanto isso, por causa do seu estado de gravidez, Leopoldina não pôde acompanhar o esposo até o território dos paulistas e permaneceu no Rio de Janeiro. Foi aí que no dia 13 daquele mês de agosto, Dom Pedro nomeou a mulher como chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina do Brasil.

Neste ínterim, a agitação em Portugal era imensa e os brasileiros estavam cientes que os portugueses podiam chamar D. Pedro I de volta, rebaixando novamente o Brasil ao status de colônia. Dona Leopoldina não podia esperar mais pelo marido. Tomou uma rápida decisão.

Com os conselhos de José Bonifácio de Andrada e Silva, no dia 2 de setembro de 1822, ainda como chefe interina, Leopoldina presidiu uma reunião do Conselho de Ministros e assinou o decreto da Independência, declarando o Brasil separado de Portugal. No entanto, ainda era necessário que o imperador sancionasse a resolução da esposa.

Leopoldina como Princesa Real-Regente do Reino do Brasil, presidindo a reunião do Conselho de Ministros, em 2 de setembro de 1822 / Crédito: Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

A carta atormentada

Após assinar o decreto, no mesmo dia, a regente enviou uma carta ao marido, pedindo que ele proclamasse a Independência do Brasil. Ela queria que o príncipe visse seu posicionamento antes que o despacho oficial chegasse até São Paulo. Então, Leopoldina deu um jeito de atrasar o correio e escreveu a correspondência.

O documento original, porém, não mais existe. No entanto, seu texto foi preservado em um folheto raro de 1826, onde foi publicado pela primeira vez. O papel chegou até D. Pedro I em 7 de setembro de 1822, mesmo dia em que ele proclamou o Brasil livre de Portugal.

Na carta, Leopoldina escreve: “Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários. Até oficiais das tropas são revolucionários. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho de Estado aconselha-vos para ficar”.

Além disso, a regente interina alerta o esposo, ao dizer que, se fossem à Lisboa, o destino também não seria o melhor de todos. O rei e a rainha de Portugal estavam submetidos às mãos das cortes liberais. E Leopoldina argumentava também que o Brasil queria D. Pedro I como monarca. Portanto, ele deveria anunciar a emancipação de uma vez por todas.

A independência, conforme foi descrito pela princesa, era já inevitável. “Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação”, registrou. Nesse fogaréu, D. Pedro I cedeu. Às 16h30 do fatídico dia 7 de setembro de 1822 — mesmo que com dor de barriga — nas margens do Rio Ipiranga, ele declarou a independência do Brasil. Vitória dos brasileiros e, em parte, de Leopoldina.

Pintura de Dona Leopoldina / Crédito: Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Veja abaixo o texto da carta de Dona Leopoldina ao marido na íntegra:

Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários. Até oficiais das tropas são revolucionários. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho de Estado aconselha-vos para ficar. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa. Sabemos bem o que tem sofrido nossos pais. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mais, são governados pelo despotismo das Cortes que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito. Chamberlain vos contará tudo o que sucede em Lisboa. O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa, que, além de vosso ministro fiel, é o maior de vossos amigos. Ouvi o conselho de vosso ministro, se não quiserdes ouvir o de vossa amiga. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão nada podem fazer. Leopoldina”.

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