Traficada, foi vendida e escravizada na Europa durante 20 anos

A mulher era obrigada a atender uma média de 30 homens por noite

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Fernanda Luna*

Quem pensa que o tráfico de pessoas é coisa de novela das nove, ou de filme estrangeiro, está muito enganado. Essa triste realidade existe e está mais próxima do que se pode imaginar.  A Bahia ostenta o ranking de 5º estado no Brasil com alto índice de tráfico de pessoas. O maior número de casos de tráfico internacional de pessoas ou turismo sexual, partem das zonas litorâneas como: Salvador, Ilhéus, Itabuna, Feira de Santana e Vitória da Conquista – de acordo informações da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e Desenvolvimento Social.

Com a proposta de trabalhar em um restaurante na Europa, Virgínia* (nome fictício), 42 anos, que voltou a residir em Salvador após o resgate, foi explorada sexualmente durante 20 anos, sendo obrigada a se prostituir na Suíça. Ela era transferida de um clube noturno para outro, tendo que atender uma média de 30 homens por noite, sob ameaça. A mulher ainda muito abalada após o resgate feito pela ONG Resgate Brasil (que tem atuação mundialmente), recebeu a proposta de ir para o exterior do namorado, um turista que a pediu em casamento. Quando chegou no país, ele a vendeu para um clube e tomou seu passaporte.

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Em entrevista ao Varela Notícias, ainda muito abalada, Virgínia contou como foi enganada e o que teriam prometido a ela quando surgiu a proposta de sair do país: “A pessoa que conheci aqui [em Salvador], me levou para a Espanha para trabalhar. Como só era permitido ficar seis meses lá, essa pessoa me levou para Suíça, para tentar o visto. Então ele fez com que eu casasse com uma outra pessoa para ter a documentação de lá”.

“Eu passei por situações que não vou esquecer nunca mais na minha vida. Fiquei sem documento e não fazia ideia que teria que casar com outra pessoa que não fosse ele [o namorado]. Eu passei por muita coisa ruim [nesse momento, Virgínia se emociona]. Eu atravessava fronteiras, tinha tempo que ficava nas ruas, não tinha onde ficar. Eu sofri e tenho sofrido muito”.

“Sofri abuso sexual de vários homens, dentro de um clube […] Colocavam drogas na minha bebida, na minha comida. Fui levada para trabalhar com essa pessoa, com a proposta de se casar comigo, e eu ia trabalhar no restaurante que ele tinha, mas foi completamente diferente. Não tive escolha, tive que trabalhar no clube de prostituição. Eu tinha 22 anos quando fui levada”.

Quando começou a contar o que passava, se chegou a ser espancada por exemplo, Virgínia entrou em prantos, lembrando dos maus-tratos: “Tinha que atender muitas pessoas e tinha tempos que nem tinha onde ficar [choro]”.

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De acordo com a Coordenadora dos Programas de Proteção da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Isaura Genoveva, o investimento dos traficantes é ‘pesado’: roupas caras, cabelo, maquiagem e passagem de avião. Isaura acompanhou o resgate de Virgínia e contou que “a foto dela estava estampada em um poster na frente do clube, com informações escritas no idioma suíço e ela não sabia o que tinha escrito. O valor que era pago pelo trabalho era irrisório. Ela não sabia nem quanto se cobrava pelo programa. O dinheiro pouquíssimo era para pagar a própria comida”.

Semana Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas

Durante a Semana Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que acontece de 25 a 30 de julho,  Isaura Genoveva fala sobre importância dessa mobilização para pessoas que estão em situação de vulnerabilidade: “Por Salvador ser uma cidade litorânea, e receber na alta estação muitos turistas, que viajam para a cidade com a proposta de turismo sexual e também de aliciamento para o tráfico, essa é uma campanha que dura o ano inteiro, mas, nesta semana, temos a mobilização nacional, que acontece no Brasil inteiro. A ONU é madrinha e, o símbolo é um coração azul que significa o sofrimento das vítimas que são traficadas para fora do seu país”.

A coordenadora explica ainda o que se caracteriza tráfico humano e, conta que não se limita a exploração sexual, vai muito além. “As pessoas não acreditam e não discutem a existência. O aliciamento, o recrutamento, o translado a remoção. Seja ela por meio de engano, ameaça, toda ação que se tira uma pessoa do seu local de origem, contra sua vontade ou sem sua consciência, configura-se tráfico. As pessoas acham que o tráfico de pessoas é só para prostituição, mas não é. Tem para trabalho escravo, transplante de órgãos, e um novo desdobramento – as ‘mães cegonhas’, mulheres que viajam com a finalidade de gerar filhos para serem vendidos. O aliciamento vem na maioria das vezes de forma velada, com uma proposta de trabalho, ou um convite de casamento”.

“A detecção é algo complicado. Apenas neste semestre, na Bahia, tivemos 78 casos, entre tráfico de pessoas e trabalho escravo. Uma coisa é correlata com a outra. As pessoa não tem consciência quando é trabalho escravo e quando é tráfico de pessoas. Aquela família classe média que vai no interior e tráz uma menina pobre para morar dentro de casa e fazer serviços domésticos, não entende que isso é tráfico humano e trabalho escravo. Acha que está ajudando, mas na verdade não. Você conscientizar a população dessa prática é o maior desafio. Às vezes, a pessoa é vítima e acha que não é vítima. Quando detectamos, até a própria pessoa não tem noção de que é um trabalho escravo”, completa.

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Como os traficantes atuam? Quais os perfis que aliciam no Brasil?

Às redes de traficantes são muito bem articuladas. Eles conseguem manter as mulheres presas, porque ameaçam a família, amigos, e a própria vítima de morte. Portugal, Suíça e Espanha, são os maiores receptores do tráfico internacional de mulheres, e o Brasil tem o perfil das mulheres que são desejadas pelos europeus.

Em geral, elas vão por encomenda – com perfil traçado. Em Lauro de Freitas o índice é altíssimo. Além do turismo sexual, o tráfico com as meninas de baixa renda é muito cruel – às vezes elas se submetem a situação por um creme de cabelo, saem do país e ainda acham que são privilegiadas.

Combate

Para o combate ao tráfico nacional e internacional de pessoas, durante toda esta semana, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e Desenvolvimento Social estará promovendo palestras e debates em comitê de formação. A política nacional e internacional de enfrentamento está sendo passada para para órgãos parceiros como Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Rodoviária Federal/Estadual, que compõem a rede de enfrentamento ao tráfico replicarem.

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Apesar de existir o Disque 100, onde as denúncias de aliciamento e tráfico de pessoas podem ser feitas gratuitamente, o maior número de identificações vem de ONGs parceiras. Quando resgatadas, a coordenadora Isaura explica que é feito um grande trabalho psicológico, para que essas pessoas consigam voltar a suas vidas normalmente: “Elas chegam vulneráveis, com o emocional abalado, e ai tem que haver um atendimento psíquico. E a ONG ajuda ainda na inserção do mercado de trabalho”.

Questionada sobre às ações de combate durante o período das Olimpíadas, a coordenadora disse que o esquema de combate já está sendo programado: “Temos uma coordenação de crianças e adolescentes na secretaria, fazemos um trabalho preventivo, já está com toda a articulação na rua para combater. O público alvo é criança e adolescente”.

Desde 2011, foi criado na Bahia o núcleo de prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas, situado no Pelourinho. Além disso, existe um comitê de enfrentamento ao tráfico de pessoas, composto por órgãos do Estado e entidades da sociedade civil. (Varela)

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