UFMG censura exposição de aluna do Belas Artes

Exposição ”Corparte: corpo e arte, parte e cor” foi considerada inapropriada para exposição por causa de menores que circulam pelo câmpus


(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)
A exposição “Corparte: corpo e arte, parte e cor”, em que a estudante de Artes Visuais da UFMG, Sylvia Triginelli, retrata corpos nus de mulheres negras e gordas, foi alvo de censura pela escola de Belas Artes da universidade.
O trabalho mistura pintura e fotografia “usando apenas a câmera, sem edições”, como define a artista e foi considerado inadequado para exposição no prédio.
(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)

A exposição é “resultado do trabalho final da disciplina de fotografia do curso”, explica a aluna. “Conversei com o professor, pedi ajuda para consolidar a proposta e elaborei um relatório para ele. A ideia era trabalhar com modelos negras e gordas”, revela. “Ele achou ótima e disse que eu poderia expor o trabalho”.

Sylvia Triginelli conta que, durante os meses nos quais se dedicou à produção das fotografias, usou material da UFMG, como câmeras profissionais, e trabalhou com três modelos. “Comecei a estudar pintura e percebi que havia um padrão de corpo nas mulheres que eram representadas. Quis fazer aparecerem os desenhos naturais do corpo, queria captar a beleza natural”, explica.
(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)

O trabalho, exposto no dia 13 de junho, foi censurado logo após a montagem. “O superintendente da escola de Belas Artes veio falar comigo. ‘Você tem permissão?’ De quem? As fotos são de nudez explícita! Não podem ficar aqui”.

A aluna explica que o professor dela, que autorizou a exposição, também é vice-diretor da escola de Belas Artes e teve uma conversa com o superintendente. “Me deram duas opções. ‘Ou você tira as obras, ou censura a nudez’”, diz. De acordo com alunos ouvidos pela reportagem, o superintendente teria alegado que a censura das imagens se deu por elas estarem expostas em um local de passagem de menores, em referência aos alunos da Cruz Vermelha que transitam pela UFMG.
Repercussão
(foto: Sylvia Triginelli/Acervo Pessoal)

A decisão de censurar a exposição indignou alunos e professores da escola de Belas Artes. “Não é a primeira vez que isso acontece na escola, os alunos pegaram a minha dor”, conta Sylvia.

Dias após a censura, uma intervenção no prédio em protesto ao ocorrido foi realizada. “Na quarta-feira fizemos um protesto silencioso. Mais de 50 artistas e professores participaram. Ficamos sentados sem roupa, mas com papel vegetal por cima do corpo”, explica.
Além do apoio dos alunos, o professor do Departamento de Artes Visuais da UFMG, Marcos César de Senna Hill, publicou uma carta aberta em repúdio à atitude da universidade. “Me senti fortemente atingido pela situação constrangedora de cerceamento da liberdade de expressão e sem nenhuma possibilidade de diálogo”, escreveu. No texto, o professor cita o “Guia Prático de Classificação Indicativa”, produzido em 2012 pela Secretaria Nacional de Justiça a partir do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça. No documento, há uma determinação que permite a classificação “livre” para obras que tenham “nudez de qualquer natureza, desde que exposta sem apelo sexual, tal como em contexto científico, artístico ou cultural”.
(foto: Sylvia Triginelli/Acervo Pessoal)

A comissão de Direitos Humanos da OAB-MG também emitiu uma nota de repúdio à censura, na qual afirmou que “não há nada de apelativo ou erótico” na exposição e classificou o episódio como um “fantasma da censura”.

Para Sylvia, a repercussão da obra e a censura estão relacionadas a velhos preconceitos. “Tenho duas visões em relação ao que aconteceu. A primeira é que hoje está acontecendo uma onda conservadora que está revivendo velhos preconceitos”, explica. A outra razão é a nudez de mulheres gordas e negras. “Outros alunos já me relataram que fizeram exposições parecidas só que com mulheres dentro dos padrões de beleza e nada disso aconteceu. Não é só o conservadorismo. Na porta do Belas Artes têm uma Vênus de Nilo”, argumenta. “Pretendo continuar trabalhando com esses corpos, se deu essa repercussão é porque eles ainda incomodam. Em setembro, vou levar a exposição para o Pará”, conta.
Procurada, a escola de Belas Artes da UFMG não retornou contato. Assim que isso acontecer, esta reportagem será atualizada.
*Estagiário sob supervisão do editor Benny Cohen

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