Uma cidade que vive à espera de um médico

Município do Tocantins que ganhou primeiro médico na atenção básica com o Mais Médicos volta à situação de cinco anos atrás, após desistência de profissional que substituiu cubano

Mais Médicos

Moradores em uma região de Rio dos Bois, onde quase metade da população vive com menos de meio salário mínimo. PREFEITURA DE RIO DOS BOIS

A cidade de Rio dos Bois, no Tocantins, revive uma situação que parecia ter superado há cinco anos: a falta de um médico fixo e o atendimento diário. Localizada a 123 quilômetros da capital Palmas, o município ganhou seu primeiro médico na atenção primária ao aderir ao Mais Médicos e, com o programa federal, passou a ofertar atendimento nos cinco dias úteis da semana para seus 2.800 habitantes no único posto de saúde da cidade. Foi uma conquista, embora o município seguisse distante de atingir o parâmetro de atenção considerado ideal pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de um profissional para cada mil habitantes.

Quando Cuba decidiu encerrar a cooperação com o Brasil, em novembro passado, a cidade perdeu o médico cubano que atendia no posto, mas chegou a ter a vaga substituída por uma profissional brasileira. Três meses depois de começar a trabalhar, a médica renunciou ao programa, segundo funcionários da saúde do município, porque passou em um concurso em Goiânia — abriu-se, assim, uma das 1.052 vagas ociosas por desistências no Brasil que foram anunciadas pelo Ministério da Saúde. A vaga ainda não foi reposta, e já faz dois meses que Rio dos Bois oferece atendimento médico apenas dois dias na semana. Isso porque o município, que já financiava um plantonista para atender no único dia útil em que o profissional “titular” era liberado para atividades de formação previstas no programa, dobrou a carga horária dele.

“Como tem dia que não tem médico aqui, quando a gente tem uma dor mais forte vai mais é pra Miracema [a cidade vizinha, que fica a 47 quilômetros de Rio dos Bois]. Lá é mais certo ter médico, e eles passam um remédio pra passar a dor”, diz o morador Milton Medeiros de Morais, 27 anos, que trabalha na limpeza de um posto de gasolina do município. Ele conta que os profissionais do posto de saúde atendem bem aos pacientes, mas lamenta que só tenha médico nas quartas e quintas. “O atendimento  um pouco apertado depois que a médica saiu, mas pelo menos o município de referência fica perto”, afirma uma funcionária da saúde municipal, que não quis ser identificada, ao explicar que Rio dos Bois disponibiliza ambulâncias e carros pequenos para levar até Miracema os pacientes cujos casos não podem ser resolvidos ali. “Graças a Deus pelo menos ambulância a gente tem e basta ligar que a gente consegue ir [para Miracema]. Por que médico aqui não é todo dia”, declara Milton.

Ainda assim, ele conta que só se submete a esta viagem — que dura em média 45 minutos — em casos mais graves e que se acostumou a usar plantas medicinais e chás para cuidar da própria saúde.  “Eu tomo mais é remédio do mato. Todo dia eu faço uma garrafadinha [com mel e plantas] e tomo um pouquinho. Tem uns pezinhos de planta na minha casa, pense como é bom”, diz. O morador tem uma doença nos rins, mas diz que reduz as idas ao médico porque pode comprar os remédios que toma regularmente na farmácia com o salário que ganha na limpeza do posto de gasolina. Algo que nem todos da cidade podem fazer, já que quase metade da população (46%) vive com menos de meio salário mínimo — 499 reais — por mês, segundo dados do IBGE.

Os indicadores de saúde de Rio dos Bois também não são animadores. A taxa de mortalidade infantil média na cidade — de 22,73 óbitos para 1.000 nascidos vivos — é bem maior que a média nacional — de 14. Além disso, as condições urbanas não ajudam: apenas 2,5% dos domicílios têm esgotamento sanitário adequado, uma estrutura importante para evitar doenças como diarreia, hepatite A e verminoses, que são enfermidades geralmente tratadas e prevenidas justamente com a ajuda dos profissionais da atenção básica.

Moradores de Rio dos Bois em uma ação da Secretaria de Saúde do município.
Moradores de Rio dos Bois em uma ação da Secretaria de Saúde do município. ARQUIVOPREFEITURA DE RIO DOS BOIS

O EL PAÍS entrou em contato com a Secretaria de Saúde de Rio dos Bois para saber os impactos da ausência de médico fixo na cidade, mas a secretária Maria Vitalina não quis dar entrevista, afirmando que havia outros municípios na mesma situação. Ela se limitou a explicar que seria mais adequado conseguir as informações com a coordenação do Mais Médicosno Tocantins. Esta, por sua vez, afirmou que havia previsão de a vaga de médico ser ocupada na próxima semana por um profissional remanejado de outra cidade, mas não especificou qual era. O Ministério da Saúde também não confirmou essa reposição.

Pelo menos outras 18 cidades, localizadas em nove Estados diferentes, estão sem médicos na atenção básica por conta da desistência dos brasileiros que substituíram os cubanos no programa federal. Os dados são de um levantamento feito pelo EL PAÍS ao cruzar a lista de municípios com desistência disponibilizada pelo Ministério da Saúde com a lista de cidades que dependem exclusivamente do programa feita pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). A estimativa do Conselho considera municípios que têm apenas uma Equipe de Saúde da Família (ESF) participante do programa cujo médico responsável por ela até novembro era cubano.

O presidente do Conasems, Mauro Junqueira, diz que o provimento das vagas está garantido por lei e que o ministro Luiz Henrique Mandetta teria prometido a reposição nas cidades vulneráveis ainda no mês de abril. “A ideia é que seja já dentro do [novo programa] Mais Saúde, mas ainda não conhecemos a proposta como um todo”, afirma. Mandetta anunciou que enviaria ao Congresso uma nova proposta para substituir o Mais Médicos ainda neste mês.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que lançará o Mais Saúde “em algumas semanas”, mas ressaltou ter publicado uma portaria estendendo para seis meses o prazo de pagamento da verba para custeio de outros profissionais das unidades básicas de saúde para que os municípios não perdessem verba após dois meses sem médico, como determinava a portaria anterior. O Ministério paga 11.800 reais de salário dos médicos pelo programa e repassa 4.000 para ajudar no custeio das equipes que contam com esses profissionais. “Essas localidades que perderam profissionais do Mais Médicos poderão utilizar os recursos também para contratar seus próprios médicos”, sugere a pasta.

Uma conta difícil de fechar

Mas a desistência dos brasileiros não é o único buraco no programa. Antes de o Governo cubano retirar os médicos do país, descontente com as condições impostas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), já havia vagas ociosas. Além disso, a finalização de contratos anteriores também abriu novas vagas, já que o Governo federal renovou os contratos apenas dos profissionais das cidades mais vulneráveis — uma política que pretende seguir na reposição daqui em diante. Os cerca de 1.400 brasileiros formados no exterior que escolheram as vagas do último edital deveriam ser homologados a última sexta.

O Conasems estima que, considerando apenas os cenários das desistências dos brasileiros e das vagas que já estavam ociosas antes da saída dos médicos cubanos, há mais de 2.000 vagas desassistidas em todo o país. “É natural isso de o profissional assumir o compromisso e mudar de ideia. Faz parte, mas o Ministério está discutindo um novo formato de chamamento público, em que seja possível ter tipo um cadastro reserva, para chamar outro profissional mais rápido, sem a necessidade de um novo edital. Isso vai nos dar mais tranquilidade”, explica Junqueira.

Há um impasse no debate entre os municípios e o ministro sobre a reposição: Mandetta já afirmou que só vai chamar médicos para as cidades que se enquadrarem nos níveis de maior vulnerabilidade porque entende que capitais e cidades da região metropolitana não necessitariam do programa. Os dirigentes municipais não concordam. “O direcionamento do Mandetta está correto dentro dos parâmetros desenvolvidos por lei, de repor em áreas mais vulneráveis. Mas as capitais têm sim áreas de muita vulnerabilidade. Estamos tentando convencê-lo de que devem ser observadas os bolsões de pobreza desses locais”, afirma Junqueira.

CIDADES SEM MÉDICO FIXO NA ATENÇÃO BÁSICA

Moiporá (GO)
Albertina (GO)
Carmésia (MG)
Wenceslau Braz (PA)
Frei Martinho (PB)
João Costa (PI)
Carlos Gomes (RS)
Doutor Ricardo (RS)
Eugênio de Castro (RS)
Sério (RS)
Alto Bela Vista (SC)
Maracajá (SC)
Rancho Queimado (SC)
Charqueada (SP)
Dumont (SP)
Oscar Bressane (SP)
Ipueiras (TO)
Santa Maria do Tocantins (TO)
Rio dos Bois (TO)

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