O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, hoje, o recurso extraordinário com repercussão geral sobre a liberdade de imprensa no Brasil. Na mesa está a possibilidade, ou não, de se responsabilizar civilmente um veículo de comunicação por falas de um entrevistado com acusação de crimes e atos ilícitos imputados a uma terceira pessoa.
O caso é um desdobramento de uma condenação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao jornal Diário de Pernambuco, ocorrida em 2016, na qual o veículo foi penalizado a pagar multa por danos morais por conta de uma entrevista publicada em 1995. As informações são do Correio Braziliense.
Na época, em entrevista concedida ao veículo, o delegado Wandenkolk Wanderley acusava o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho de ter participado de um atentado à bomba no Aeroporto dos Guararapes, de Recife, em 1966. Ambos os envolvidos faleceram. Em agosto, nove ministros do STF também condenaram o jornal, mas não conseguiram firmar uma tese que seja aplicada a outros casos pelo Brasil.
O STF trabalha com quatro teses. Para o relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello (já aposentado), a “Empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa”.
Na visão do ministro Edson Fachin, “somente é devida indenização por dano moral pela empresa jornalística quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção”.
Para o ministro Alexandre de Moraes, “a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, não permitindo qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”.
Por fim, para o magistrado Luís Roberto Barroso, “na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação e se o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
João Carlos Velloso, da Advocacia Velloso, advogado do jornal Diário de Pernambuco no caso, defende que a tese de Barroso é a que melhor se compatibiliza para aferir violações a direitos da personalidade frente à liberdade de imprensa.
“O julgamento é da maior relevância para a liberdade de imprensa no Brasil. Uma tese ampla de responsabilização do veículo aumentaria o risco de “assédio processual” contra a imprensa. Isto é, o ajuizamento sistemático de ações com o objetivo de intimidar jornalistas e veículos; e, por conseguinte, produziria o que se tem chamado de ‘efeito resfriador’ da liberdade de imprensa”, comenta Velloso.
A sugestão do ministro Barroso é de que apenas se houver dolo real ou eventual por parte do veículo, a imprensa pode ser civilmente responsável por publicar determinada entrevista. A proposta é a que minimiza o risco de “assédio processual” contra a imprensa, isto é, o ajuizamento sistemático de ações judiciais com o objetivo de intimidar jornalistas e veículos”, emenda.
Em artigo recente publicado na imprensa, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e organizações de defesa do jornalismo defendem que é preciso haver debate maior entre os ministros, além de consulta à sociedade civil. “É um passo importante na construção de uma regra geral que observe as particularidades do trabalho da imprensa e que não acabe por conduzir à autocensura e ao enfraquecimento da liberdade de imprensa, assegurada pelo art. 220 da Constituição Federal”.