Governo Federal cria comissão para avaliar novas políticas para pessoas com deficiência

Por Mayariane Castro*

Diferenças e diferente. Da noite para o dia, e depois, para sempre. Viver em sociedade, mas fora da caixinha, um ponto fora da curva. Essa é a realidade de pessoas com deficiência, pessoas estas que, com as suas condições específicas, são alocadas em grupos separados dentro da sociedade. Em dados, os números da desigualdade das pessoas com deficiência no panorama nacional é alarmante. Preocupado com essa situação, o governo criou um Grupo de Trabalho para estudar a situação das Pessoas Com Deficiência (PCDs) no sentido de criar políticas específicas para elas. O grupo concluiu seus trabalhos no dia 12 de julho. O Correio da Manhã teve acesso ao relatório final.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, o Brasil conta com 18,6 milhões de pessoas com deficiência, o equivalente a 8,9% da população nacional. A análise por gênero mostra que 10% das mulheres e 7,7% dos homens estão incluídos nesse contingente.

Discriminação

Ao considerar a distribuição por raça, observa-se que 9,5% das pessoas de cor preta, 8,9% das pardas e 8,7% das brancas enfrentam alguma forma de deficiência. As disparidades evidenciam que questões interseccionais, como gênero, raça e região, criam múltiplas barreiras para o acesso igualitário a oportunidades. Mulheres negras com deficiência, por exemplo, enfrentam discriminações que combinam gênero, raça e deficiência, intensificando sua exclusão social e opressão.

No âmbito educacional, a taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência alcança alarmantes 19,5%, significativamente superior à média nacional de 5,7%. A Região Nordeste apresenta a maior taxa, atingindo 31,2%, sublinhando a necessidade de políticas específicas para mitigar tais disparidades.

No mercado de trabalho, embora 17,5 milhões de pessoas com deficiência estejam em idade laboral, apenas 5,1 milhões participam da força de trabalho. Mulheres com deficiência enfrentam maior exclusão, enquanto o rendimento médio mensal de R$ 1.860,00 para pessoas com deficiência é significativamente inferior aos R$ 2.690,00 recebidos por aqueles sem deficiência.

Esses dados ressaltam as profundas desigualdades sociais enfrentadas pela população com deficiência no Brasil. As barreiras interseccionais amplificam essas disparidades, resultando em condições de vida precárias e exclusão social em todos os aspectos analisados. A urgência de intervenções estatais efetivas se faz crucial para eliminar essas barreiras e promover uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

Análise

Segundo explica a neuropsicopedagoga Eliane Rodrigues, as atuais políticas públicas para Pessoas com Deficiência se tornam ineficazes em certos contextos. Um dos pontos que a especialista critica é sobre a questão burocrática em relação à identificação desta classe que se limita com as barreiras geográficas, uma vez que a carteirinha PCD emitida pela Secretaria da Pessoa com Deficiência é válida apenas no estado de residência do indivíduo.

Para ela, também há uma questão que envolve a falta de diálogo médico em relação aos diagnósticos, fato que evidencia a necessidade de um debate sobre a questão legal.

“A falta de políticas públicas interfere diretamente na vida da pessoa com deficiência. Os médicos ao atenderem pacientes em investigação, por exemplo, de Transtorno do Espectro Autista (TEA) não têm uma fala única, discordam das características para o diagnóstico, há divergências entre eles. A Deficiência Intelectual é identificada com testes de QI, ou seja, quantitativa, com testes aplicados por um psicólogo ou neuropsicólogo, mas qual a idade ideal? Quem realmente pode aplicar e validar? Não há uma regulamentação sobre isso e pode mudar a vida de uma pessoa para sempre. O laudo é definitivo e precisa de cuidados pois nenhuma pessoa deixa de ser autista, deficiente intelectual ou físico, pode sim colocar uma prótese, pode ter condições adaptativas mas a deficiência não é transitória”.

Políticas novas

Foi em busca de resolver esses problemas que se debruçou o grupo de trabalho formado pelos Ministérios dos Direitos Humanos, Casa Civil, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Fazenda, Gestão, Planejamento, Previdência e Saúde. O objetivo é avançar na proposta de reformulação do modelo de avaliação da deficiência, buscando superar abordagens exclusivamente médicas em favor de um enfoque biopsicossocial integrativo. O relatório apresenta uma metodologia inovadora que reconhece a deficiência como uma interação complexa entre fatores biológicos, psicológicos e sociais, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão.

O documento destaca a necessidade de adotar o Instrumento de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM) como principal ferramenta de avaliação. Este modelo visa avaliar não apenas os impedimentos de longo prazo, mas também as barreiras sociais e ambientais que impactam a funcionalidade das pessoas com deficiência. A mudança para esse paradigma promete uma avaliação mais inclusiva e justa, refletindo uma visão integral do impacto da deficiência na vida das pessoas.

O relatório delineia uma estrutura de governança para o Sistema Nacional de Avaliação da Deficiência (Sisnadef), estabelecendo o Comitê Gestor Nacional como responsável pela coordenação e normatização do processo. Essa instância será crucial para garantir a uniformidade e eficiência na implementação da avaliação biopsicossocial em todo o país, além de gerenciar e avaliar continuamente seu progresso.

Propõem-se diretrizes para a formação e habilitação das equipes de saúde e assistência social responsáveis pela aplicação do IFBrM. A qualificação continuada desses profissionais é vista como fundamental para assegurar a correta aplicação dos critérios de pontuação da matriz de avaliação, promovendo consistência e precisão nos resultados obtidos.

Tecnologia

A implementação do Sisnadef requer um robusto sistema de Tecnologia da Informação (TI), capaz de garantir acessibilidade, segurança, interoperabilidade e eficiência na coleta, transmissão e sistematização dos dados de avaliação. A plataforma eletrônica proposta será central para o sucesso e a confiabilidade do novo modelo de avaliação.

Um conjunto de indicadores foi estabelecido para monitorar a eficácia e a eficiência do sistema, permitindo ajustes contínuos e melhorias baseadas em dados concretos. Esses indicadores abrangem desde a satisfação dos usuários até o desempenho dos instrumentos de avaliação, visando sempre aprimorar a qualidade do serviço prestado.

Um plano detalhado de comunicação foi desenvolvido para engajar todas as partes interessadas e garantir ampla compreensão e apoio ao Sistema. A transparência e a acessibilidade na comunicação são essenciais para promover a adesão ao novo sistema e maximizar seus benefícios para a sociedade.

Legislação

O relatório propõe a regulamentação necessária para instituir a avaliação biopsicossocial de forma padronizada em todo o território nacional. Definir responsabilidades claras e procedimentos consistentes é crucial para garantir a efetividade e a equidade do processo de avaliação.

Uma análise crítica dos atos normativos atuais destaca a necessidade de revisões que alinhem a legislação brasileira ao novo modelo proposto de avaliação da deficiência. A adequação das normas é vista como essencial para eliminar conflitos e assegurar a plena implementação do IFBrM.

O relatório também examina projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que podem impactar a implementação da avaliação biopsicossocial. Recomendações são feitas para ajustar esses projetos às diretrizes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão, garantindo coerência e apoio legal ao novo sistema.

*Repórter do Correio da Manhã

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