A ‘matinê do pânico’ que matou 71 crianças em um cinema há 90 anos
Robert Pope tinha apenas 7 anos quando presenciou a tragédia do Glen Cinema, em Paisley (Escócia), há 90 anos.
O homem, que hoje tem 97 anos, estava na matinê do dia de Hogmanay (a palavra escocesa para o último dia do ano) em que 71 crianças morreram.
A sala abrigava mais de 600 crianças quando a tela se apagou e alguém gritou “Fogo!”, diz Pope. “Foi isso que causou todo o pânico.”
O alerta aconteceu depois que a fumaça saída de uma lata de filme foi avistada no auditório.
Embora não houvesse fogo, as crianças se assustaram e, ao correr para as saídas, muitas foram pisoteadas ou prensadas contra as portas, que estavam trancadas, na confusão.
A tragédia, ocorrida em 31 de dezembro de 1929, matou um amigo de Pope, Willie Spiers, que estava sentado atrás dele na sala.
Spiers não resistiu aos ferimentos que sofreu durante o pânico no local.
‘Anjo da guarda’
Pope conta que só sobreviveu porque continuou no seu assento durante a confusão.
“Eu estava dormindo profundamente”, diz. “Não vi nada acontecer. As pessoas estavam gritando, em completo desespero.”
Pope conta que foi acordado por um bombeiro, que o orientou a correr para sua mãe em casa.
Para ele, foi seu “anjo da guarda” que o protegeu naquele dia.
Outra sobrevivente, Emily Brown, hoje com 95 anos, tinha 5 quando foi ao cinema com suas duas irmãs, de 3 e 10 anos, para assistir ao filme Desperado Dude.
Brown diz à BBC que, em meio ao pânico, as pessoas no mezanino começaram a pular para o andar de baixo, onde estavam as crianças.
Ele foi salva quando um bombeiro quebrou uma das janelas do auditório e a retirou do local. Suas irmãs também sobreviveram, mas ela perdeu amigos na tragédia.
“Tudo parou naquele dia”, ela diz. “A maioria das pessoas em Paisley perdeu alguém naquele dia. Tivemos sorte, mas muitos não puderam dizer o mesmo.”
Caixa de filme
De acordo com o cineasta Paul Mothersole, que estudou o caso de Paisley por 15 anos, o operador cinematográfico percebeu que saía fumaça de um rolo de filme de nitrato de celulose (material altamente inflamável).
Um inquérito posterior concluiu que isso aconteceu quando a caixa de metal que continha o filme foi colocada sobre uma bateria na sala de projeção.
Acredita-se que a caixa tenha sido retirada do local e colocada num comôdo nos fundos do cinema, de onde a fumaça escapou, invadindo o auditório.
Mothersole, que entrevistou sobreviventes no 75º aniversário da tragédia, disse que foi um adulto que gritou “Fogo!”.
As crianças entraram em pânico e correram para as portas, que não estavam apenas bloqueadas, mas fechadas com cadeado por fora para impedir que pessoas sem ingresso entrassem na sala.
“Era uma panela de pressão”, ele diz. “Ninguém conseguia sair e as pessoas no mezanino não conseguiam descer pelas escadas. Só ficava pior e pior.”
Após algum tempo, um policial conseguiu quebrar o cadeado de uma das portas, mas ainda havia outro problema: as portas abriam para o lado de dentro, e os corpos se acumulavam atrás delas.
Foi preciso forçar a entrada para conseguir mover os corpos e entrar no auditório.
“As pessoas tiveram de passar por cima dos corpos, gritando, para sair”, afirma Mothersole.
O cinema estava cheio por ser Hogmanay. À época, era uma tradição na Escócia limpar a casa no último dia do ano.
“Todas as mães mandavam as crianças saírem para que conseguissem deixar a casa pronta”, afirma Mothersole.
Na sala, havia apenas crianças – de bebês levados por seus irmãos mais velhos a garotos e garotas de cerca de 14 anos.
Muitas famílias perderam mais de um filho.
Em meio à tragédia, os pais foram liberados do trabalho nas fábricas da cidade para ajudarem no resgate, e bondes foram utilizados para levar os feridos ao hospital.
Após o desastre, a lei foi alterada para garantir que os cinemas tivessem mais saídas, com portas antipânico que abrissem para o lado de fora.
O prédio em que ficava o Glen Cinema ainda existe e hoje abriga uma loja de móveis.
Mothersole fez um documentário sobre o desastre para que, segundo ele, mais pessoas tomassem conhecimento dele.