De sucessor oficial de Edir Macedo, ex-número 2 da Igreja Universal vira concorrente

Close nas mãos de pessoas segurando Bíblias em uma roda de conversaEx-bispo da Universal cria sua própria igreja e busca os fiéis de Edir Macedo

Maior igreja neopentecostal do Brasil, a Universal do Reino de Deus ganhou um concorrente que já foi apontado por Edir Macedo, o líder máximo da instituição, como o seu sucessor oficial.

O ex-bispo da igreja Romualdo Panceiro anunciou, em um vídeo nas redes sociais, a criação de sua própria denominação, a Igreja das Nações do Reino de Deus, de olho no público de seu antigo aliado.

O nome, quase idêntico, não é por acaso. Até deixar a igreja, há dois anos, Panceiro era o segundo na hierarquia da Universal. Apesar de não ser tão conhecido fora do mundo evangélico, é visto internamente como um líder com poder e prestígio suficientes para arrebanhar uma leva significativa de bispos, pastores e fiéis, além de ex-seguidores.

Ele é avaliado no momento num patamar acima de outros dissidentes da igreja, como, por exemplo, Valdemiro Santiago, da Mundial do Poder de Deus.

Cunhado de Edir Macedo e fundador da Universal, o missionário RR Soares, hoje à frente da Igreja Internacional da Graça, era o líder da igreja até o momento que saiu, em 1980, mas a instituição era pequena. Ainda dava os seus primeiros passos. A igreja de RR já tem 40 anos, e a de Valdemiro, 22 anos.

As maiores igrejas evangélicas brasileiras são a Assembleia de Deus (12,3 milhões de fiéis), a Igreja Batista (3,7 milhões) e a Congregação Cristã do Brasil (2,2 milhões). A Universal (1,87 milhão) é a quarta, e a maior entre as chamadas neopentecostais.

Essas igrejas surgiram na chamada “terceira onda” do pentecostalismo, no final dos anos 1970. Enfatizam a cura e o milagre e se identificam com a Teologia da Prosperidade, doutrina que considera a riqueza material uma benção de Deus.

A saída de Panceiro da Universal foi atribuída oficialmente a supostas “condutas inadequadas” do religioso. Mas o que pesou mais foi a desistência de Edir Macedo de alçá-lo ao posto de líder máximo da igreja no futuro.

Macedo passou a dar espaço e visibilidade ao bispo e genro Renato Cardoso, casado com a filha Cristiane, consolidado então como o herdeiro. O que estava em jogo era o império de Macedo – além da igreja, uma TV, banco e empresas – nas mãos da família ou de um terceiro. A ascensão de Cardoso desagradou profundamente Panceiro.

‘O maior milagre da Igreja Universal’

Na biografia O Bispo, escrita em parceria com o jornalista Douglas Tavolaro (ex-vice-presidente de jornalismo da TV Record e hoje CEO e sócio da CNN Brasil) e lançada em 2007 (Editora Larousse), Macedo apontou Panceiro como “o maior milagre da Igreja Universal”. E foi taxativo: “Se eu morrer hoje, o Romualdo assume tudo. E tenho certeza de que os demais bispos irão respeitá-lo como me respeitam hoje. A Igreja Universal não é um trabalho pessoal, mas uma obra espiritual”, garantiu.

Culto no templo de salomãoSede da igreja será nas proximidades do monumental Templo de Salomão erguido por Edir Macedo

Ex-responsável pela Universal no Brasil e em Portugal, Panceiro tem um histórico parecido com o de outros líderes da igreja. Ex-cortador de cana, foi viciado em drogas.

“Eu passava os finais de semana me drogando. Meu pai era louco. Eu não tinha o que comer. Não havia futuro para mim”, contou o então aliado de Macedo, na obra O Bispo.

De mero frequentador da igreja, tornou-se evangelista, depois obreiro e pastor. Dirigiu uma igreja em Copacabana, no Rio. Chegou a bispo e acumulou poder na hierarquia.

Mas a relação entre ele e Macedo estremeceu. Houve um bate-boca entre os dois, em 2009, segundo ex-membros da igreja, na Califórnia, nos Estados Unidos. A igreja negou.

Após um acordo, foi decidida a permanência do então número dois no exterior. O rompimento definitivo ocorreu em 2018, quando Panceiro abandonou suas funções em Portugal, sem dar explicações sobre a saída.

Desde esse momento, havia expectativas sobre o futuro de Panceiro. Macedo temia que ele viesse a abrir a sua própria denominação, diziam ex-líderes da Universal. A nova igreja, enfim, será inaugurada em junho.

Panceiro deixa claro que o objetivo é atrair os fiéis de sua antiga casa. Além do nome parecido, o símbolo de sua igreja, segundo informações divulgadas nas redes sociais, será uma cruz com uma pomba branca, semelhante ao da Universal.

A sede da igreja – ainda em obras no momento -, será na avenida Celso Garcia, número 174, no bairro do Brás, na região central de São Paulo, nas proximidades do monumental Templo de Salomão erguido por Edir Macedo.

romualdo panceiroRomualdo Panceiro anunciou, em um vídeo nas redes sociais, a criação de sua própria denominação, a Igreja das Nações do Reino de Deus

Planos

Em um primeiro vídeo postado nas redes sociais, o bispo Panceiro disse que começará “do zero, do nada”. Não há informações sobre quanto ele terá para custear o empreendimento, nem sobre eventuais investimentos em meios de comunicação para divulgar sua mensagem religiosa.

Desde que saiu da Universal, não deu entrevistas. Utilizou apenas o YouTube e o Instagram para enviar rápidas mensagens aos fiéis, sem esclarecer dúvidas sobre os seus próximos passos.

Agora, diz abrir o novo espaço para que as pessoas “através da fé, conheçam o poder de Deus e mude esta situação caótica em que estão vivendo”.

Segundo ele, “não dá para ter ideia do número de pessoas sofridas que estão chorando, sem ter o que comer, largadas nas praças e desejando tirar a própria vida”. Mas, “há uma saída”, aponta.

Em um vídeo divulgado no YouTube, em 2018, Edir Macedo havia confirmado o desligamento de Panceiro da Universal e chamado o seu ex-aliado de Sambalá — o personagem da Bíblia considerado traidor, que se opôs à obra de reconstrução do muro de Jerusalém.

Em outro momento, ele afirmou que o antigo amigo estava “no inferno”. Em um culto no Rio de Janeiro, no ano passado, atacou novamente Panceiro e outro ex-bispo da igreja, João Leite. Disse que os dois eram “pastores apagados” e estavam “vivendo em pecado”, “na rua da amargura”.

Ao menos nove bispos deixaram a Igreja Universal nos últimos quatros anos. No ano passado, Rogério Formigoni, ex-apresentador do programa religioso “Nação dos 318 (ex-Congresso para o Sucesso), dirigido a empresários e transmitido pela TV Record, foi um dos afastados.

Outros bispos mais antigos e populares, com ascendência sobre os colegas e os pastores, foram deslocados estrategicamente para outros países. A ideia era deixar o terreno livre no Brasil para o crescimento do genro de Macedo, Renato Cardoso.

Ex-seguidores da Universal afirmam que vários bispos e pastores não aceitam a liderança de Cardoso, considerado por eles “inexperiente”, alguém que “não ralou” e não teria contribuído para o crescimento da instituição.

Um outro ex-bispo da Universal, Alfredo Paulo, que também foi responsável pela Igreja em Portugal, disse, por meio de seus canais no YouTube e Telegram, ter dúvidas se Panceiro será realmente um concorrente de Macedo “e irá para a guerra” contra o antigo amigo.

No vídeo, o ex-bispo cogitou a possibilidade de Panceiro ter arquitetado um plano com Macedo e, assim, receber apoio para abrir a nova igreja. Segundo essa hipótese, acolheria fiéis descontentes com a Universal. Pareceriam rompidos, mas, na verdade, continuariam juntos.

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