Debora Bloch, de ‘Segunda chamada’, explica por que não se expõe em redes sociais: ‘Acho cafona’

Lúcia (Debora Bloch) entra na sala e o aluno encapuzado coloca a arma em sua cabeça
Lúcia (Debora Bloch) entra na sala e o aluno encapuzado coloca a arma em sua cabeça Foto: Mauricio Fidalgo
Ricardo Rigel

Seis meses. Este foi o tempo que Debora Bloch e o elenco de protagonistas de “Segunda chamada” levaram para gravar 11 episódios da série da Globo que se tornou um dos grandes produtos audiovisuais de 2019. Na pele da professora de Português Lúcia, que dá aulas no Ensino para Jovens e Adultos (EJA), a atriz teve que frequentar escolas públicas, gravar em comunidades e ver de perto o que ela já sabia ser a realidade do Brasil: desigualdade. A seguir, a mineira de 56 anos fala sobre o seu trabalho, revela por que não gosta de expor sua vida pessoal e conta como tem lidado com o ódio nas redes sociais.

Você faz uma série que trata de educação pública. Qual é a sua memória mais latente do período de estudante?

Eu sempre me lembro dos meus professores com muito carinho. Considero que fui educada pelos meus mestres na escola e no teatro também. Acompanhei meu pai desde muito nova aos palcos. Acredito que essa junção entre arte e educação é um instrumento transformador na vida de muita gente. Eu me vejo como uma pessoa privilegiada por ter tido contato com textos tão bons desde criança e de ter podido estudar em boas escolas.

Essa série a coloca num lugar de poucos privilégios. Como é lidar com isso?

Na série, a gente retrata uma outra realidade. São alunos que não tiveram o privilégio de estar na escola na idade certa, porque precisavam trabalhar quando crianças ou porque não tiveram acesso ao ensino. As histórias são diversas. Estamos falando de periferia e de ensino público. E a gente está vendo esse desmonte nas políticas públicas educacionais.

Como foi a sua preparação para “Segunda chamada”?

A gente foi a algumas escolas públicas que oferecem o Ensino para Jovens e Adultos (EJA). É muito bonito o trabalho dessas pessoas. E algo curioso é que, como chegávamos no meio das aulas, muita gente nem se dava conta de que era eu quem estava ali. Então,esse processo foi bem tranquilo mesmo. Não teve tietagem.

O que mais chamou sua atenção nesse período de laboratório?

O comprometimento das professoras me chamou atenção. A primeira escola que visitei foi no Complexo da Maré, onde tudo é bem precário. Depois, fomos numa EJA em São Paulo. Nos dois casos, foi bonito ver a afetividade delas. É impressionante o carinho das professoras por aqueles alunos que chegavam lá cansados depois de um dia de trabalho. E os estudantes têm níveis muito diferentes, exigindo delas atenção individual. Era bacana perceber que aquelas profissionais sabiam o nome e a história de cada um. Pra mim, foi muito tocante.

Você acha que os professores estão se identificando com a série?

Gostaria que sim. A linguagem da trama é bem realista. E encontrar o tom certo para cada trabalho não é uma coisa que vem fácil. Mas fizemos esse trabalho com esse objetivo.

Como foi para você gravar em locações reais como uma escola? Isso fez diferença na composição de seu papel, a professora Lúcia?

Com certeza, filmar nesses lugares nos ajudou muito a entrar na história e nos personagens. A gente filmou em comunidade, na casa das pessoas… Têm lugares que acredito que o público vai achar que são até cenários, de tão impressionantes. A gente vive realmente numa bolha e não imagina as condições em que outras pessoas vivem.

Você se sentiu incomodada por não conhecer tão bem essa realidade?

Eu fazia ideia e conhecia, mas nunca tinha passado tanto tempo nesses lugares. Acho que a gente normalizou a desigualdade e as condições miseráveis nas quais as pessoas vivem no Brasil. No Rio, por exemplo, a gente convive até mais, porque as favelas são no meio da cidade. Mas, mesmo assim, às vezes você está ali na Praia do Vidigal e não faz a menor ideia do que está acontecendo dentro da comunidade. Já em São Paulo isso é mais dividido. Mexeu muito comigo estar nesses lugares.

Como você define Lúcia?

A minha personagem é uma professora muito comprometida com a educação. E ela se envolve demais com os alunos, para além da escola. Ela se mete com os problemas pessoais deles, e isso acaba lhe causando problemas. Ao mesmo tempo, Lúcia tem uma história pessoal trágica. Ela perdeu um filho adolescente que era aluno da escola. E ela carrega essa imensa dor.

Como você vê o romance com Jaci (Paulo Gorgulho)?

Pois é, eles têm um caso… A vida de Lúcia é complicada mesmo. O marido dela sofreu um AVC no dia do enterro do filho deles. Então, ela tem o marido na cadeira de rodas e o quarto do filho vazio.

Como foi trabalhar com Paulo Gorgulho, que interpreta o diretor?

Foi muito legal. Tivemos uma troca muito bacana.

Vocês levaram mais de seis meses para gravar a série. Por que foi preciso tanto tempo?

A maneira como a gente gravou é bem diferente da forma como acontece nas novelas. Filmamos em locações, e não em estúdios. Era uma câmera só, uma equipe menor. Esse trabalho tem um jeito mais parecido com o de cinema.

Acredita que a série terá uma segunda temporada?

Vamos ver se as pessoas gostam. Acho que é possível…

Tem se sentido mais confortável nessas obras com formato de série?

Gosto muito! Fiz “Justiça”, depois “Onde nascem os fortes”, e agora essa. Acho que nesse tipo de trabalho a gente tem mais tempo para elaborar. É mais sofisticado.

Você é do tipo corujinha? Como foi trocar o dia pela noite para gravar a série (a equipe virava a madrugada trabalhando)?

Sou completamente diurna. A gente passou várias semanas gravando das cinco da tarde às cinco da manhã. É um horário bem puxado de trabalhar para quem é do dia como eu.

Agora, falando de você fora do trabalho… Como é sua relação com as redes sociais?

Gosto de postar os assuntos e as pautas que acho importantes. As pessoas são muito agressivas. Passei a notar isso porque alguns amigos começaram a me alertar para comentários nos meus posts. E eu passei a responder no mesmo tom. Mas isso não me afeta, não. Tem muito robô e muita ignorância nesses espaços. As pessoas são levianas e precisam ler mais. Têm muita opinião e pouco conhecimento. A gente está vivendo a vitória da ignorância.

Como você lida com as notícias sobre sua vida pessoal?

As pessoas não sabem nem da metade do que acontece na minha vida. Vejo às vezes publicado: “Debora assumiu relacionamento com fulano”. E aí eu digo: “Não sabem nada”. Mas não sou uma pessoa que fico expondo a vida pessoal. Minha vaidade está toda vinculada ao meu trabalho. Isso de ficar exibindo a vida…. Acho até meio cafona.

O que a inquieta atualmente?

Essa barbárie que estamos vivendo. Esse discurso de ódio e violência no Brasil e o desmonte das nossas instituições, da ciência e da educação. Índios, pobres e negros sendo assassinados cruelmente. Tudo isso é muito absurdo. Para mim, é o fim da picada um político descer de um helicóptero comemorando a morte de quem quer que seja. Acho essas coisas muito graves. Estou muito assustada com o que tenho visto. Mas acho que sempre tem saída, porque essas situações horrorosas são cíclicas. De qualquer maneira, nós, como cidadãos, precisamos nos posicionar.

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