Defensoria do CE critica portaria que limita visita de amigo a presos

Por Tiago Angelo

Embora a Lei de Execução Penal assegure ao preso o direito de receber visitas de amigos, uma portaria, em vigor desde 2019 apenas no Estado do Ceará, está colocando limites à prerrogativa.

Defensoria afirma que portaria do Ceará vai de encontro à Lei de Execução Penal
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Com isso em vista, o Núcleo de Assistência ao Preso Provisório da Defensoria Pública do Ceará solicitou que a Corregedoria de Presídios da Comarca de Fortaleza desconsidere a normativa estadual e garanta o direito à visitação a um homem detido.

De acordo com os autos, o preso recebia visita regulares de uma amiga enquanto estava sob custódia em uma cadeia no interior do Estado. O direito, no entanto, acabou sendo cortado após ele ser transferido para uma penitenciária em Fortaleza.

O impedimento tem como base a Portaria nº 624/19. Segundo o texto, o cadastro de pessoa amiga é excepcionalmente autorizado quando comprovada “a ausência absoluta de parente, cônjuge ou companheiro (a) do preso (a)”.

Para a Defensoria, a determinação afronta a Lei de Execução Penal, que em seu artigo 41, inciso X, assegura “a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados”. O próprio Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Ceará, editado pela Portaria nº 1.220/14, também garante a prerrogativa.

“O fato de a Constituição Federal ter como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana — e como direito fundamental da pessoa presa o respeito à integridade física e moral — impede que uma mera portaria restrinja de forma geral e sem qualquer fundamentação que uma senhora de idade visite um amigo com quem tem laços afetivos”, afirmou à ConJur o defensor Jorge Bheron Rocha, responsável pelo requerimento.

“Desumano”
No caso em questão, a Defensoria atua como representante judicial da visitante, e, simultaneamente, como custos vulnerabilis (guardião dos vulneráveis) do custodiado. A mulher é mãe biológica do preso, mas como o homem foi adotado, os dois não possuem laços legais. A amizade entre eles foi construída no decorrer da vida.

“Chega a ser desumano privar a pessoa encarcerada de ser visitada por aquela que o pariu e que mantém fortes vínculos afetivos, constituindo-se hoje a única pessoa próxima ao custodiado que pode visitá-lo”, afirma Bheron na petição.

Para Marina Dias, diretora executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), “além do descumprimento da lei, que garante o direito da pessoa privada de liberdade de receber visitas de amigos, independentemente da possibilidade de visitas de parentes, há nesse caso, no mínimo, uma falta de comprometimento em proporcionar à pessoa condições mínimas para sua ressocialização”.

Ruth Leite, advogada e presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará, diz que o Estado não pode ferir o ordenamento jurídico. “Neste caso, a lei não está sendo respeitada pelo próprio poder público, que limita direitos individuais com abuso de poder”, diz.

Portaria 154/19
Não é apenas a Portaria nº 624/19 que limita o direito do preso no Ceará. A Portaria nº 154/19 também impõe condições, negando, por exemplo, que custodiados recebam visitas de pessoas que respondem a processos.

Em dezembro, em um caso que também houve atuação da Defensoria cearense, o juiz Cézar Belmino Barbosa Evangelista Junior, da Corregedoria dos Presídios e Estabelecimentos Penitenciários da Comarca de Fortaleza, acolheu os argumentos de que a medida não possui “lastro constitucional”, dando a uma mulher que responde a processo o direito de visitar seu companheiro.

“O caso em tela revela que o direito do preso deve ser respeitado, pois inexiste motivo específico que o obstaculize, cumprindo registrar que o fato de a visitante também possuir processo não é óbice ao exercício de referido direito, não estando comprovado nos autos que este fato desencadeie risco a segurança da unidade prisional”, afirmou o juiz na ocasião.

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