Em quatro anos, capital mais que duplicou número de pessoas em condição de rua. Estima-se que sejam cerca de 33.700 mil desabrigados em São Paulo

Morador de rua
Rovena Rosa / Agência Brasil

Há mais pessoas nas ruas de São Paulo que a população total de 457 cidades do Estado.

Calçadas, ruas e praças são endereços fixos para cerca de 33.700 mil habitantes na capital paulista, segundo o Movimento Estadual de Moradores de Rua do Estado de São Paulo . Em quatro anos, a cidade mais que duplicou o número de pessoas vivendo em condição de pobreza absoluta, com vínculos interrompidos ou fragilizados com a família e sem habitação convencional regular. Os dados do Movimento de Moradores de Rua tomam como base o número de pessoas cadastradas durante o atendimento feito pela organização. A quantidade de indivíduos nessas condições é superior à população total de 457 cidades do Estado.

O último censo, de 2015, contabilizou 15.905 mil pessoas vivendo nessas condições. A expectativa é que o próximo levantamento da Prefeitura seja liberado por volta de julho de 2020 pela Qualitest, empresa que venceu o processo de licitação.

Na cartografia da ‘ cidade ’ que dorme e amanhece sob o chão das ruas paulistanas , os migrantes representam 71% do total. A maior parte vem do interior e os demais de outros estados do Brasil, com maior concentração vinda do próprio Sudeste. Para o presidente do  Movimento Estadual de Moradores de Rua do Estado de São Paulo Robson Mendonça, falta oportunidade para que as pessoas em situação de rua mudem de vida.

“Já fui morador de rua e sei como as coisas funcionam. Na maioria das vezes, essas pessoas só precisam de alguém que pergunte qual a necessidade delas para sair das ruas. Me perguntaram isso há alguns anos e eu disse que precisava de R$ 250,00 para me organizar na vida. Dali para frente, aluguei um espaço para mim, consegui trabalho e vivo para ajudar quem está onde eu estive”, explica.

Robson atua diariamente para melhorar o acesso aos equipamentos públicos para pessoas que estão em situação vulnerável. A sede do movimento, localizada no Centro Histórico de São Paulo, é lar para 12 pessoas, inclusive para Robson. São jovens ex-moradores de rua, alguns ex-usuários de drogas e dissidentes das cadeias públicas.

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Marcelo Camargo / Agência Brasil

Cerca de 34 mil pessoas vivem em situação de rua na capital paulista.

O espaço é separado em um grande vão que serve ao mesmo tempo como sala, escritório e depósito das doações que a organização recebe. São caixas e sacolas com roupas e calçados que se amontoam em um canto próximo à única fonte de luz natural. No mesmo andar, uma cozinha com eletrodomésticos que garantem o preparo das refeições. As atividades de limpeza, preparo dos alimentos e organização dos espaços são divididos entre todos. No segundo piso ficam os dormitórios e os pertences pessoais dos moradores. A ideia é garantir um espaço provisório para que as pessoas consigam ter suporte para sair das ruas .

“Um endereço fixo ajuda muito na hora de arrumar um emprego . Já perdi oportunidades mesmo preparado para a vaga, mas viram que eu não tinha uma moradia. Isso é muito desmotivador para quem quer sair da rua. Faz parecer que não tem jeito”, explica Anderson Puccetti, de 31 anos, vice-presidente do Movimento e que vive com a noiva e também ex-moradora de rua , Carla Francisca, de 23 anos, na sede da organização.

Suporte não acompanha evolução da vulnerabilidade

Os números de atendimentos efetuados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) contrastam com os dados do Movimento. De janeiro a setembro de 2019, foram atendidas 84.973 mil pessoas. Já em 2015, 56.100 mil indivíduos foram atendidos. A explicação está relacionada a ações com pessoas que estão apenas momentaneamente na rua quando são atendidas. “Muitas voltam para suas casas no fim do dia ou do mês”, informa a SMADS.

Os equipamentos públicos voltados para o atendimento da população em situação de rua da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) incluem 139 serviços, com 21 mil vagas, sendo 17 mil de acolhimento. Entre os atendimentos disponíveis estão os Centros de Acolhida, Centros Temporários de Acolhimento (CTAs), Unidades de Atendimento Diário Emergencial (ATENDEs), Núcleos de Convivência e as Repúblicas.

Sobrevivência nas ruas

Para garantir a cidadania de quem vive nas ruas, os centros oferecem serviços de alimentação completa (café da manhã, almoço e jantar), encaminhamentos para conferência de documentos pessoais, orientação em problemas judiciais, capacitação profissional, rede de estímulo à geração de renda, segundo a SMADS.

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José Cruz / Agência Brasil

A quantidade de indivíduos nessas condições é superior à população total de 457 cidades do Estado.

“Atualmente, há um edital para uma nova proposta de capacitação, que será o Programa Acessuas Trabalho. O projeto tem capacidade para atender 150 beneficiários por mês e abrange todos os territórios do município. Será realizado em parceria com a OSC que vencer a proposta do edital”, disse a Secretaria por meio de nota.

Em 2008, um estudo aprofundado sobre a população em situação de rua realizado pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome trouxe informações inéditas sobre o cotidiano do morador de rua . O acesso a alimentação e a serviços era alcançado por 79,6% dessas pessoas, que conseguiam fazer ao menos uma refeição ao dia. Já 27,4% conseguiam comprar a comida com o próprio dinheiro.

A higiene pessoal de quem vive nas ruas também foi analisada pela pesquisa. Cerca de 31,4% dos moradores de rua usavam albergues e abrigos para tomar banho, enquanto 32,6% usavam as próprias ruas para fazer a higiene pessoal. Uma parcela reduzida conseguia usar a casa de parentes e amigos, representando  5,2%, enquanto 14,2% conseguiam utilizar os banheiros públicos.

A maior parte das pessoas em condição de rua dormiam nas calçadas e praças da cidade, representando 69,6%. A minoria alternava entre albergue e a rua, sendo 8,3%. A liberdade proporcionada a dormir na rua era apontada como um dos fatores decisivos para escolher a rua ao invés de abrigos.