Escolas dão acolhimento especial a superdotados

Dados do Mensabrasil apontam 111 baianos e baianas com altas habilidades; inclusão e combate ao bullying são desafios para os pedagogos

Ian Oliveira (9 anos) e os irmãos  Levi (8 anos) e Lucas Silva (16 anos) encontraram acolhimento no Neojiba
Ian Oliveira (9 anos) e os irmãos Levi (8 anos) e Lucas Silva (16 anos) encontraram acolhimento no Neojiba – 
“A vida escolar deles sempre foi marcada por desafios diante do comportamento questionador e inquieto dos dois. Hoje, entendo que isso já era um sinal e com a confirmação das altas habilidades de ambos. Assim, agora o desafio se tornou assegurar o cumprimento da legislação que garante que haja atividades adaptadas para eles”, explica a administradora Sílvia dos Santos Silva, mãe de Lucas (16) e Levi (8), que são falantes, inquietos, ativos, comunicativos, muito sociáveis e… Superdotados.

Levi, que está no espectro autista, possui um QI de 131 – a média gira em torno dos 90 –, e surpreendeu uma equipe médica quando, aos cinco anos, respondeu perguntas de cálculo e conhecimentos gerais que “até então, eu desconhecida que ele soubesse”, conta a mãe. Já Lucas, que tem TDAH e teve a superdotação identificada (os testes estão em curso, mas são caros e não são feitos pelo SUS), sempre se destacou em atividades artísticas e entrou no Neojiba aos oito anos.

“Durante um processo seletivo interno no Neojiba, ele fez uma entrevista totalmente em inglês sem nunca ter feito curso de idioma”, recorda Sílvia, apontando que o filho mais velho, pode-se dizer, foi um dos membros fundadores do ‘Núcleo Liberdade’ do Neojiba. “É muito gratificante fazer parte disso e estar até hoje no programa. Já fiz vários amigos e participei de diversos concertos, mas toda nova apresentação é uma experiência única e diferente”, afirma Lucas.

Ambos estudam em escola particular e Sílvia destaca que, de forma geral, “a elaboração de um plano individualizado educacional ainda é vista com resistência ou desconhecimento técnico das necessidades das crianças”. E isso atinge muitos dos 111 baianos e baianas com altas habilidades e superdotação (dados do Mensa Brasil). A falta de acolhimento e apoio da coordenação escolar, por exemplo, fez com que, em 2023, a pedagoga Michelle Mendes Cabral mudasse o filho Lorenzo (9) de uma escola particular e para a Escola Municipal Dom Avelar, em Lauro de Freitas.

Atenção especial

Com superdotação e altas habilidades em matemática, Lorenzo, afirma a mãe, encontrou-se na nova escola. “Ele ama ir e tem muitos amigos. Os professores são ótimos com ele e o tornaram muito participativo. A verdade é que todo o corpo escolar e administrativo é ótimo, pois os professores, coordenação e direção entendem que ele precisa de uma atenção diferente, mas ainda é uma criança em idade escolar”, explica Michelle.

Atualmente, a Escola Municipal Dom Avelar, que ensina crianças até 11 anos, está com cinco crianças com altas habilidades entre seus estudantes, e a diretora da instituição, Adriana Carla Santos de Sousa, é categórica ao afirmar que as mudanças feitas para melhor acolher e ensinar esses alunos são de suma importância. “A verdade é que ganhamos muito, pois exige que a escola pense e repense propostas e estratégias pedagógicas. E, para tal, é necessário profissionais atentos e com um olhar sensível ao fazer diário. Por isso, registro aqui o meu imenso agradecimento a toda nossa equipe”, afirma, agradecida.

Encontrar uma escola que acolhe, respeita e estimula toda essa inteligência também tem feito uma grande diferença na vida de Calebe Silva Santos (15), que tem superdotação, Síndrome de Asperger e estuda no Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, em Camaçari. “O acolhimento da escola tem feito ele evoluir muito. Ele é muito tímido, sempre foi, e a escola melhorou muito a interação social dele, e o estimulou a fazer coisas que não fazia antes, como lanchar e usar o banheiro na escola, e isso me deixou muito emocionada”, relata a secretária executiva Jaqueline Leal, mãe de Calebe.

Desafios

Coordenador da Educação Especial da Secretaria de Educação da Bahia (SEC), Alexandre Fontoura destaca que um dos maiores obstáculos na educação de estudantes com altas habilidades é identificar que tipo de suplementação educacional especializada eles precisam. “Hoje, existem na rede 18 programas de enriquecimento curricular que devem ser propostos na sala conforme o perfil de cada aluno, mas para tal é preciso um olhar minucioso e diferenciado não só dos pais, mas também dos professores”, explica.

Atualmente, a SEC possui 55 alunos com altas habilidades e superdotação, e fornece aulas especializadas no contraturno escolar através da Escola Parque e do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS), que acabou de passar por uma grande reforma e deve reabrir plenamente as portas em breve. “Espaços assim são importantes, pois os desafios ao acolher pessoas com altas habilidades são únicos, e ainda que avanços tenham sido feitos nos últimos anos, sobretudo no acolhimento na rede pública, ainda há muito que precisa ser feito”, enfatiza o psicólogo e terapeuta Francis Santana.

Respeito e empatia

Um grande desafio nessa inclusão, destaca o psicólogo, é fazer com os alunos entendam, respeitem e tenham empatia pelas crianças com altas habilidades. “A inclusão é feita aos poucos, mas há muitas situações nas quais elas sofrem discriminação e bullying, por exemplo. Nesse contexto, o professor devidamente capacitado vai perceber algo diferente em um aluno e, ao invés de o excluir das atividades, vai encontrar formas de fazê-la funcionar de modo que ele seja incluído junto a toda a turma”, explica Santana.

E isso precisa incluir toda a sociedade, que precisa entender que aquele que é diferente precisa ser respeitado. Eventos como o Seminário Altas Habilidades/Superdotação na Educação, que aconteceu no último 30 de agosto, por exemplo, e que reuniu mais 300 profissionais, crianças superdotadas e familiares para debater os desafios na educação para esse público e novas estratégias, são importantes nesse sentido. Contudo, tais estratégias precisam ganhar teor emergencial, como uma das atrações artísticas do evento pode afirmar.

Demonstrando altas habilidades com números, formas, cores e escrita antes dos três anos, Ian Oliveira da Conceição Rogério (9) possui um histórico de aprendizagem rápida e um desenvolvimento ágil com o violoncelo e é autodidata no teclado, além de ter sido identificado com um “ouvido absoluto”. Violoncelista do Neojiba, ele fez uma apresentação belíssima no evento, mas 14 dias antes ele havia sido espancado por cinco alunos de 11 e 12 anos da escola onde estuda atualmente por ser “inteligente demais”.

O caso, afirma a enfermeira e mãe de Ian, Emanuela Oliveira, ocorreu mesmo após vários avisos e reuniões sobre o bullying e agressões que ele vinha sofrendo desde o início do ano. “Atualmente, ele não está indo mais para a escola e estamos buscando os órgãos na tentativa de fazer prevalecer a lei e para que essa violência que ele sofreu não fique impune. Estamos muito abalados por esse fato ter acontecido dentro de um ambiente que deveria garantir a segurança dos alunos”, lamenta Emanuela.

Famílias lutam por locais com ensino especial no contraturno

Falta de professores capacitados e espaço educacionais que estimulem crianças com altas habilidades e superdotação a se sentirem bem dentro das instituições de ensino: essas são algumas das principais reclamações das mães e pais de crianças com uma inteligência que vai além do comum. Sem um bom acolhimento nas escolas tradicionais, a saída é recorrer a instituições no contraturno que consigam estimular essas crianças, certo? O problema é que elas também são tão poucas, que o número se aproxima do zero.

Com o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação (NAAHS), que é o local mais qualificado e procurado por essas crianças, fechado para reforma e sem uma data certa para voltar a funcionar, as famílias continuam na luta por locais onde suas crianças sejam acolhidas. “O NAAHS sempre foi a nossa maior esperança, mas desde o ano passado ele está em reforma. A nossa esperança continua, mas não vejo nenhum progresso, seja a nível municipal, estadual ou federal”, lamenta a dona de casa e estudante de enfermagem, Leisiane Conceição, mãe do Guilherme (9), que é superdotado, membro da Intertel e autista.

O que tem ajudado de verdade essas mães nos últimos anos, afirma Leisiane, é um grupo de WhatsApp criado por três mães de superdotados: Cintia Monteiro, Fabiane Santana e Carol Grangeon, diretoras do Instituto de Altas Habilidades/Superdotação (QiluminAh), que está em vias de criação, e pretende disponibilizar salas de aula especializadas, laboratórios, áreas de lazer e ambientes adaptados às necessidades das crianças com altas habilidades, com profissionais especializados em desenvolvimento infantil.

“Assim como desenvolver programas educacionais diferenciados, proporcionar desafios que incentivem o crescimento e estabelecer parcerias locais para identificação precoce de crianças com potencial excepcional. Queremos também promover a inclusão e o progresso socioeducacional dessas crianças, valorizando a diversidade de habilidades, garantindo que todos tenham acesso às oportunidades oferecidas e claro, envolvendo a comunidade para promover a inclusão e o progresso”, explica Carol Grangeon.

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